Nico Fumaça
A noite é de lua cheia, céu estrelado, Nico Fumaça e dona
Florinda estão sentados sob o pé de jacarandá, que vai deixando cair
algumas flores e elas, por sua vez, vão tornando o chão, num lindo
tapete lilás.
Só se ouve as vozes da criançada correndo na volta da
casa, brincando de esconde-esconde.
- Vô Nico, Vô Nico não queremos mais brincar, queremos
que conte uma das suas historinhas e que seja bem bonita, nenhuma
de assustar, não queremos dormir com a cabeça sob o travesseiro.
O Vô remexeu, remexeu o cachimbo, olhou para Florinda.
E agora, como sair desta.
Pensou, pensou.
E foi falando lentamente:
- Lá embaixo, onde esta o meu laranjal, mora uma
bicharada muito grande, são Sabiás, Tico-ticos, Quero-queros,
borboletas, grilos e até um pé de vento.
Certa vez, dona Garça, muito alegre, contou a todos que
no seu ninho estavam por nascerem dois filhotes.
Numa manhã de domingo, nasceram os dois filhotinhos,
ostentando uma bela plumagem branca e um longo bico vermelho.
Dona Garça estava orgulhosa com o nascimento dos
filhos, um recebeu o nome de Brancura e o outro de Bico Fino.
Nos primeiros dias, eles ganhavam comida no bico da
mamãe Garça; quando conseguiram ficar em pé no ninho ela
começou ensiná-los, a voar, pescar e comer. Tudo era uma grande
alegria lá na lagoa, quando eles chegavam para mais uma aula de
como pescar.
Foi justamente num dia de aula na beira d’água, que
repentinamente, surgiu o Pé de Vento fazendo enormes estripulias,
derrubou ninhos, arrancou pés de laranjas, mas o pior foi ter
arrastado Bico Fino e o largado do outro lado da lagoa, com uma asa
quebrada e os olhos empoeirados.
O Doutor Grilo tratou da asa quebrada e deu uma triste
noticia para todos: o filhote de dona Garça não poderia enxergar
mais, perdera a visão.
A tristeza reinou vários dias.
Todos se reuniram e decidiram ajudar Bico Fino a retomar
a vida de antes. Periquito junto com Sabiá, passaram a voar junto do
amigo, o Brancura, ensino-o a encontrar comida sozinho. O vento
levava até ele os cheiros do laranjal. Com o passar do tempo, ele foi
aprendendo a ver o mundo de outra maneira e também a contar com
o relato dos amigos.
- Olha a Clara está chorando!
- O que houve, minha menina?
- Estou emocionada com o Bico fino.
- Mas eu aprendi uma coisa.
- O quê?
- Ora, é muito bom ter amigos.
- Todos se uniram para ajudar.
- Isto o deixou muito feliz.
- É verdade.
Dona Florinda, que permanecia ouvindo a todos, olhou-os
e com carinho falou:
- Com esta linda história, ninguém irá dormir com a
cabeça sob o travesseiro, e amanhã vamos todos lá na beira da lagoa
conhecer o Bico Fino.
- Oba! vai ser legal.
- Vó Florinda, a gente pode ver com o coração?
- Pode sim, mas por quê?
- Eu acho que é assim que o Bico Fino agora enxerga.
Nico Fumaça sorriu e percebeu que pela reação dos netos
eles haviam compreendido a importância de ter amigos.