Novas trajetórias e um princípio de guerra - Livro dos Talentos - cap. 3

Capítulo 3

Último fim de semana

Havia sido uma noite intensa, estava cansado, principalmente por estar esparramado no banco de trás. Chegaríamos em casa num instante, meu pai parecia relaxado, deviam ser umas sete da manhã, e como minha mãe costumava sair nos sábados de manhã para o mercado e esticava no salão tudo sairia bem, nada estava fora do lugar a não ser eu que estava esgotado. Saí do carro já em direção ao banheiro, uma ducha quente.

- Pai, tenho planos para essa manhã.

- Tem? Quais são?

- Eu e você no Guitar Hero.

- Planos interessantes, mas só depois que você tomar café.

- Tudo bem.

Eu já contava com isso, agora que ele tinha a ajuda do pai de Mau meu pai não estaria tão ocupado, e mesmo se estivesse daria um jeito. Era nosso último jogo antes da minha viagem, e havia sido um pedido despretensioso. Pelo menos pareceu ser. E de qualquer forma eu gostaria de jogar com ele antes de ir.

Primeiro a tão sonhada ducha quente, depois o café que eu semi-preparara, minha mãe tinha feito torradas, eu apenas esquentara no microondas.

Depois de tomar banho eu já não me sentia mais tão cansado, e só pude notar que estava com fome quando senti o cheiro da comida, tentei não pensar muito, mas parecia impossível não pensar no que iria dizer, de certa forma seria muito natural, mas eu não podia ser muito explícito quanto as minhas reais pretensões. Como eu já havia pensado várias vezes, estava tudo armado.

Fui escovar os dentes, ele estava no notbook olhou quando eu passei indicando que iria interromper assim que eu ligasse a TV e o PlayStation.

Estava parecendo bastidores de filmagem, enquanto eu escovava os dentes ouvia os “click´s” do meu pai, assim que terminei fui ligar a TV, Ele estava atrás, e eu olhei de relance.

- Vejo que você já havia planejado tudo.

Meu erro: subestimar meu pai.

- Mais ou menos, é que eu imaginei que seria a última chance de nós passarmos um tempo junto.

- Hun.

Sentiria falta do meu pai, e já sentia por não ter passado muito tempo com ele nos últimos meses. Isso não era questionável.

- Punk Rock, Clássico ou Metal?

Perguntei.

- Um clássico para aquecer, depois você põe um Punk, os mais barulhentos agente põe quando sua mãe estiver pra chegar.

Dei risada, eu tinha esquecido que ele sempre fazia isso.

- Tudo bem, mas se ela reclamar foi a sua escolha.

- Há sim, claro.

Começamos com ACDC, mas isso não impedia de falar, tentei não ser incisivo, ele sempre foi muito desconfiado.

- Pai.

Estávamos jogando.

- Está tentando me desconcentrar?

- Também, é que até agora a mãe não aprontou nada.

- Onde você quer chegar?

- Penso que mãe vai fazer algo amanhã.

Ele deu um sorriso, olhou para o lado, mas não errou as notas. A música era relativamente fácil, e ele era bom.

- O quê?

Perguntei.

- Você é muito presunçoso Jon.

- Sou seu filho, horas.

- Tem razão.

Errei uma nota.

- E também, eu não poderia pensar outra coisa, ela sempre pensa em quase tudo.

- ...quase tudo? O que ela esqueceu?

- De perguntar o que você queria.

- Eu?!

- É, você.

- Do que você está falando?

- Explico, não que eu esteja me achando, mas eu sei que você vai sentir minha falta. Você não conseguiu fazer uma cara boa quando mãe falou que eu ia viajar, e logo agora que você conseguiu alguém pra te auxiliar no trabalho, você ia ter mais tempo...

Ele parou de apertar os botões, acho que na hora ele esqueceu completamente que tinha o controle em mãos, seu solo de guitarra se transformou em um vácuo, silêncio.

- Pai...

- Jon.

Se pausou, pareceu que realmente havia algo amais.

- Sua mãe tem razão, você precisa disso.

Sua expressão de dura à vazia, tive certeza, isso não era tudo.

Ele se levantou e disse:

- Vou descansar um pouco, fui dormir um pouco tarde.

- Hun, é, acho que eu vou fazer o mesmo.

- Devia.

Deu meio sorriso quase que de dor e saiu.

As notas do jogo desciam, o jogo estava perdido, e a única coisa que eu consegui descobrir foi uma falha nessa estória, definitivamente havia algo errado.

Me estiquei e desliguei a TV, coloquei os controles de lado e também desliguei o Videogame.

Acordei um pouco zonzo, meio amassado, eu havia dormido no sofá, vi minha mãe passar.

- Você não é mais tão leve pra eu te carregar para o quarto.

Eu virei a cabeça um tanto lento.

- Que horas são?

- Quatro da tarde. A festa deve ter sido boa.

Nesse momento pude lembrar da noite anterior.

- É, foi bem animada – Falei sem entrar em detalhes – Onde pai está?

- Ele disse que ia sair com Fábio, ele começa na segunda.

- Segunda.

- É, segunda, seu pai falou algo como comemorar, ou algo assim.

- É, eu acho que está mais pra algo assim.

Sorriu.

- Você está com fome?

- Sim, estou.

- Vem pra cozinha, vou por no microondas as panquecas.

Assenti e a segui.

Já estava comendo quando ela falou.

- Você devia dormir cedo filho.

Do que ela estava falando? Eu acabara de acordar.

- Por que está falando isso?

- É que agente vai ter que sair cedo na segunda.

- Ele combinou com Fábio pra não ir na segunda não foi.

- Isso mesmo, vamos levar você, seu pai já acertou tudo.

Ou pelo menos estava acertando.

- De que horas. Não tão cedo, cinco da manhã.

- Quantas horas vamos levar?

- Umas cinco horas mais ou menos. Como lá está marcado pra meio dia seria melhor chegarmos mais cedo do que nos atrasar.

- Hun, mas eu não vou precisar dormir tão cedo, amanhã eu não vou ter nada pra fazer mesmo, não vou estar cansado.

- Mesmo assim filho, vai ser cansativa a viagem, e chegando lá vocês vão ter um entrosamento.

- Entrosamento. O que é isso?

- Você vai descobrir logo.

- Ah claro.

Pensei no que aconteceria no dia seguinte, essa estória de que eu precisava dormir cedo não me convenceu.

- Vou tomar banho, acho que só assim eu volto pro lugar.

Falei. Me abraçou e saiu, eu me sentia indo pra guerra.

Já havia comido, e tomado banho começava a escurecer, e eu só dormiria por efeito de um tranquilizante de animais de grande porte, eu havia dormido quase o dia inteiro.

Coloquei uma roupa confortável, e liguei o computador, coloquei umas músicas que eu tinha certeza de não ter colocado no Ipod, quando entrei no messenger eu baixei ainda mais o som, seria uma outra festa.

- Danillo? Mau?

- Jon!!!

Falaram os dois ao mesmo tempo, é claro que eles já estavam conversando, disso eu não tinha dúvida, mas iria virar uma bagunça.

Já conversávamos na mesma janela.

- Eu pensei que você estivesse com problemas de rede na sua casa Mau...

- E estava, meu pai resolveu isso mais cedo enquanto eu dormia, já que segunda ele vai estar ocupado e amanhã é domingo.

- Até que enfim neh?! Fazia tempo que não conversávamos os três.

Digitou Danillo. E continuou.

- Mas é uma pena que eu tenha que sair, eu vou ter que acordar cedo amanhã,tenho umas coisas pra fazer.

- Coisas...

Escrevi.

- Hein?

Digitou Mau.

- Depois agente conversa, Amanda te deixa um beijo Jon, e pra você Mau...

- O quê, fala.

Exigiu.

- É, que eu não consegui deixar de rir, ela te deixa na mão, disse que não vai pagar a aposta.

- E que aposta foi essa?

Perguntei.

- Foi o seguinte, Mau apostou que você iria entrar, agente está aqui há quase 5 hs, e você entrou.

- O que ela tem que pagar pra ele?

- Não é dinheiro.

- O que é então?

- Se ele perdesse iria ter que alizar o cabelo, e se ela perdesse iria ter que usar uma Tiara de orelha de oncinha.

- Que legal, e quando vai ser isso?

- Ela disse que não vai ser.

- Veremos!

Mau exclamou.

- Ta ta ta. Tô indo, té mais.

- Até Nillo, beijo Manda.

- Falou galera.

Assim que Mau se despediu eles saíram. Gostaria muito de ver isso, Amanda com tiara de orelha de oncinha. Hilário.

- Valeu Jon, sabia que podia contar com você.

- Como assim, eu nem sabia da aposta.

- Eu sei disso, eu tô te agradecendo por ser muito previsível.

- Hah isso, disponha.

- Nossos pais ainda não voltaram.

- É, mas que horas eles saíram?

Perguntei.

- Não sei, ainda estava dormindo, minha mãe disse que depois no horário do almoço.

- Hun.

- Alguma coisa Jon?

- Mais ou menos, mais cedo eu tentei conversar com ele sobre isso e ele parecia estranho.

- Como assim?

- Não sei dizer ao certo, só sei que alguma coisa está errada.

- De novo com esse papo Jon?

- Não Mau, não é mais uma dúvida.

- Sei, e o que você pretende fazer agora?

- Eu não sei, ele não vai me falar o que é, e muito menos a minha mãe, e estou a um dia e meio da viagem.

- Calma Jon, tenta relaxar, se tiver mesmo alguma coisa pode não ser tão ruim, como você mesmo disse você nem sabe o que é.

- Por isso mesmo que eu não consigo ficar tranquilo, eu não sei o que está acontecendo.

- Vai ver nem é pra você saber.

- Mas aí é que ta. Que tipo de coisa eu não deveria saber?

- É, complicado.

- Mudando de assunto. Você tem alguma coisa pra fazer amanhã?

- É...

- É o quê Mau?

- Coisas...

- Vai ficar de segredo comigo? Você também?

- É que eu e a Jéssica...

- hein? Você vai lá?

- Vou.

- Mas já?

- É.

- Poxa Mau, eu ia te chamar pra passar o dia aqui, eu não vou ter nada pra fazer.

- Dou uma passada aí quando sair da casa dela amanhã de tarde.

- Tudo bem. Vai contar isso?

- Amanhã, quando eu for aí.

- Tudo bem.

- Até mais Jon.

- Tchau.

Passei mais um tempo no computador, quando vi meu pai chegar. Saí e fui pra cozinha beber água, ele se sentara na mesa para jantar.

- Você não vai comer filho?

Filho? Bem, ele costumava me chamar assim quando estava preocupado, ao menos ele estava falando.

- É que eu Já comi pai, mais tarde eu faço um lanche. Mas fala aí, como é que estão as coisas com o pai de Mau?

- Fábio está indo bem, já passei pra ele as cópias das negociações e o deixei apar da situação atual.

- Você está meio apreensivo porque não vai estar no primeiro dia de trabalho dele não é?

Mãe lhe servia sua sopa.

- Não estou preocupado com isso, ele é capaz, afinal de contas ele está já esteve em um cargo bem mais alto, além disso, eu terei que faltar na segunda para levar você, estou tranquilo.

- Hun.

- Você vai dormir cedo não é?

Falou minha mãe assim que se deu o silêncio.

- Mas por que você insiste tanto nisso mãe? Vou viajar na segunda não amanhã.

- Você dormiu no sofá, isso não conta como uma noite de sono, aliás, não foi uma noite de sono...

- Ta armando o quê?

- Armando??? Como pode pensar isso de mim? Sua mãe.

Fez uma cara de zombaria.

- Ta, sei.

Deu um sorriso diferente dos que costumava dar.

- Pai, vou dormir.

Vi seu rosto ficar triunfante quando meu pai respondia.

- Até amanhã Jon.

- Até amanhã mãe.

Falei seriamente.

- Boa noite filho.

Me retirei para o meu quarto e fui me deitar, não demorei tanto pra dormir quanto pensei, passar um tempo no computador bastava para me vir o sono em tempos normais, fiquei deitado sem dormir o suficiente para pensar nos fatos e acontecimentos. Parecia estar dando voltas dentro de mim mesmo.

Feixes de luz, barulho e rostos familiares em cima de minha cama. Então era isso, havia sido traído por todos, de tal maneira que eu quase caio da cama.

- O quê?

Falei zonzo.

- Como é o quê Jon?

Se configuravam as faces em minha frente.

- Mau, logo você que conversava comigo ontem no messenger?

- Desculpe, sua mãe pediu pra guardar segredo.

É claro, só podia ser.

- Além do mais, você me convidou, não faz diferença.

Meu rosto amassado se feixou para essa figura a minha direita. Me virei.

- Manda? Nillo?

- Olá...

Em um coro desafinado.

- Oncinha?

Perguntei confuso.

- Era a aposta.

Falou Mau, enquanto ela fechava a cara. E olhava para Nillo.

Danillo a segurou e falou.

- Está uma gata!

Ela sorriu para ele.

- Perdi alguma coisa?

- Na verdade sim.

Disse Mau.

Esperei entusiasmado.

- Eu e Amanda estamos namorando .

Falou Danillo num tom sério.

- Uma hora dessas e vocês já me vem com pegadinhas?

Levei uma travesseirada.

- Han?

- É sério Jonatam.

Além de ser uma notícia inesperada fazia muito tempo que não me chamavam assim.

- Desculpe, desculpe, eu não sabia, ultimamente eu não tô sabendo de nada. Quando foi isso?

- Semana passada – Falou Danillo – Agente não te contou antes porque sua mãe já tinha combinado com agente a uma semana, achamos melhor esperar pra contar pessoalmente.

- Tudo bem Sr. Conde, chega de cordialidades, vamos pra cozinha, a mãe do soneca aqui preparou um café da manhã da hora.

Falou Mau.

- Eu não vou sobreviver para amanhã.

- Não me vá morrer agora garoto, eu não trouxe roupas para velório.

- Realmente, as orelhas de oncinha não iriam fazer muto sucesso no velório Amanda.

Fez cara feia pra Mau. Disse eu por fim.

- Vamos de uma vez antes que acabe havendo mesmo um velório.

Danillo gargalhou, e eu não resisti, dei risada.

Como meu pijama na verdade era uma bermuda e uma camisa eu não vi necessidade de me trocar, fomos todos em festa para a cozinha.

Quando chegamos à cozinha a mesa estava posta, o som ligado baixinho tocando Mpb, que com certeza havia sido escolhido por minha mãe que esperava na mesa ansiosa.

- Bom dia filho.

- Bom dia mãe, obrigado pela armação.

Sorriu.

Todos sentaram à mesa bem animados.

- Que horas são?

Perguntei.

- Sete e meia.

- Porque tão cedo.

Ela me olhou descrente com minha pergunta vaga.

- Ai ai. Deixa que eu respondo.

Falou Mau e continuou.

- Cara, mais que pergunta é essa? É claro que é pra agente passar mais tempo juntos.

- É.

Tentei não passar meu desconforto com a situação da viagem, não tive certeza de obter sucesso.

- E aí? Vamos atacar?

Falou Mau.

Todos rimos.

- Onde está o pai?

- Foi resolver uns assuntos da empresa, disse que volta antes do almoço. Mas vamos comer antes que Maurício tenha um ataque, ele parece meio amarelado.

Rimos ainda mais com o comentário da minha mãe, ela sempre se deu bem com meus amigos mais próximos por ter o espírito quase tão jovem quanto o dos demais.

- Vamos sim.

Falou Mau contente.

Enquanto comíamos eu olhava aqueles rostos que eu não veria por um tempo, Danillo e Amanda juntinhos e Mau os incomodando, por fim tendo o pé pisado por Amanda para a alegria de Danillo, minha mãe olhava divertida.

Estava sendo um dia tão natural, as coisas não pareciam iguais, mas logo essa sensação acabaria.

- Que cara é essa Jon? Ta tentando enxergar um átomo é?

- Quase isso Conde – o chamávamos assim por sua aparência pálida e seus cabelos pretos, manda não era morena, mas perto dele parecia africana, é claro que era exagero dizer isso, ela era quase tão branca quanto eu – Já terminamos de comer, o que vocês querem fazer?

- PlayStation!

Dei risada, Mau quando se encontrava com todos nós reunidos as vezes parecia criança.

- Calma criança, vamos jogar.

Falou Danillo antes que eu pudesse fazer algum comentário.

- Sim vamos.

Falei tentando acalmar a criança.

Futebol, e como sempre Mau detonou a mim, Danillo e Amanda.

- Vamos Jogar algo violento, que tal um de luta?

Sugeriu Amanda, minha mãe sentada no outro sofá apenas ria. E Mau olhou desconfiado para Amanda, já sabendo o resultado das lutas. Como já fazia um tempo que jogávamos futebol ele não reclamou.

Passamos horas jogando, Amanda finalizou com todos, só chegou a minha vez e a de Danillo no Guitar Hero. Já estávamos jogados na sala, a TV havia sido ignorada.

- Como foi isso?

Perguntei.

- Isso o quê?

Perguntou Danillo.

- Você e a da orelha de oncinha.

Uma olhada assassina.

- Há, claro. Você quer saber como agente começou a namorar.

- É.

Pareceu ficar vermelho.

- Hum... como eu posso explicar...

- Não enrola conde.

Falou Mau.

- É, que na verdade não tem muito o que explicar. Nessas férias agente não viajou, ela estava lá, e ficamos mais próximos.

Ele parecia torturado e ela olhava pra ela com carinho.

Mau, apesar das brincadeiras parecia feliz pelos dois.

- Fico feliz por vocês.

Barulho de motor, chegou meu pai.

- Bom dia crianças. Como vocês estão?

- Bem, obrigado, apesar de eu parecer um pouco amarelado...

Meu pai não entendeu nada, mas é claro que o resto da sala ria.

- Vou tomar um banho Estela.

Minha mãe o acompanhou para o quarto, éramos o quarteto na sala.

- Você vai poder falar com agente quando estiver lá?

Perguntou Amanda.

- Há, claro. Lá eu posso usar internet duas vezes por semana. Vou manter o contato, mando pra vocês por email depois os horários que eu vou poder entrar.

- Faça isso viu.

- Sim Amanda, eu vou. Prometo.

- Fez um biquinho.

- O que foi?

Perguntei.

- É que ela já tá com saudade, ela fez o mesmo bico no último dia de aula lembra?

- Você lembra disso?

Perguntou Danillo.

- Claro, eu falei do bico dela e ela me deu um beliscão, como eu posso esquecer?

- Verdade, inesquecível.

Falou Manda.

- É... os quatro assim reunidos, falando em manter o contato. Parece mesmo o último dia de aula.

- Hum, o último dia de aula...

- Para Jon, você volta.

- Não é isso.

- O almoço está na mesa.

Falou minha mãe colocando meio corpo para fora da cozinha. Fomos todos, Amanda grudada em Danillo e eu lado a lado com Mau.

- Bom apetite.

Disse minha mãe sorrindo com Uma macarronada estupenda em suas mãos. A mesa estava quase uma ceia de natal.

A comida estava ótima, meu pai não falava muito. E aos poucos eu estava mais perto.

Meus pensamentos foram interrompidos por Mau.

- A comida tá ótima, vai comer logo ou vai ficar com essa cara enjoada?

- Comer ta bom?

- Sim está.

Assim que terminamos voltamos para a sala, e ficamos todos, como sempre eu era o alvo, como quando falaram da vez que eu engoli chiclete e quando eu tentei pilotar o carro de compras e me encontrei com uma pilha de enlatados, eu tinha sete anos...

- Cara, você sempre foi bom no boliche.

Falou debochado.

- Mas, não tão bom no boliche quanto você como veterinário.

- Veterinário, o Maurício?

Perguntou minha mãe.

- Ele deu remédio de dor de cabeça para o gato.

- Ei, isso não conta, eu pensava que o gato falava. Afinal eu tinha cinco anos.

- Ainda não entendi por que você deu remédio de dor de cabeça para o seu gato.

Disse minha mãe.

- É que eu pensava que ele estava sentindo dor por que ele falava Miau.

- Miau?

- É, se separar vai parecer que ele ta sentindo dor, Mi au.

- Não adianta Mau – disse Amanda – A do gato ninguém supera.

- Mas o que aconteceu com o gato?

Perguntou mãe.

- Morreu.

- Mas só com um remédio pra dor de cabeça?

- É que ele não parava de miar, pensei que ele estava com muita dor...

A sala se encheu de gargalhadas, era ótimo deixar de ser o alvo central.

- O banheiro fica onde mesmo Jon?

Perguntou Amanda.

- No mesmo lugar, até parece que você nunca veio aqui...

- Há claro Jon, magina. O cavalheirismo morreu, não precisa ressuscitá-lo.

- Mau, você pode mostrar a essa dama onde fica o cavalheirismo?

- Quer dizer banheiro?

- É Mau, banheiro.

Olhei para o lado e tendi o pescoço para a direita e para trás, apontando meu quarto discretamente quando Amanda fora ao banheiro, meu pai já prestava atenção na TV e minha mãe em nada, ao menos era o que parecia.

Danillo me seguiu, acho que ele imaginava o que eu iria perguntar, também era aparente que eu havia percebido uma ponta de preocupação.

- Teu pai?

Ele me respondeu quase que olhando para o chão.

- Brigamos.

- Imaginei, você está namorando com sua prima.

- Você sabe que ela não é minha prima de primeiro grau.

- Mas faço uma ideia das complicações da sua família, você disse que tinha sido difícil trazê-la pra passar as férias com você.

- Foi.

- O que foi que você disse a ele?

- Ta falando do quê?

- Ao teu pai.

Se fez silêncio.

- Quando você vai contar?

- É complicado...

- E vai ficar mais se você não tentar resolver.

Outro silêncio.

- Danillo, olha pra mim – Parecia que ele não iria olhar – vocês ficaram só no beijo?

Voltou a olhar pra baixo, mas logo retornou.

- Não.

- Cara, o que você ta querendo? Quer criar mais problemas? Cadê todo aquele juízo que eu e Mau sempre zoávamos?

- Eu sei Jon, eu não pensei...

- Não, não pensou.

- Você pensa que eu não me sinto culpado. Eu me aproximei dela e não tentei parar, e agora ela ta com medo de uma possível gravidez.

- Eu não vou te recriminar cara, até mesmo porque já foi.

- É.

- Droga, essa viagem me deixa atado.

- Jon, você não iria poder fazer nada se estivesse aqui também.

- Mas eu iria ficar mais tranquilo se estivesse aqui, acompanhando vocês.

- Agente vai manter o contato.

- Hum.

- Vamos voltar pra sala, não é bom transpassar isso.

- Sei sei.

Me abaixei na parte de gavetas do guarda-roupas e peguei um álbum de fotos.

- O que é isso?

Perguntou.

- Nosso álibi.

- Mas, o que é isso?

- Vamos logo.

Chegando na sala aconteceu o que eu esperava, todos olhavam desconfiados para nós, mas eu estava preparado para isso.

- Encontrei!

- Encontrou? Encontrou o quê?

Perguntou Amanda.

- Um álbum inédito, finalmente eu revelei as fotos.

- Não brinca...

- Sério garota, dá só uma olhada.

Abrimos e vimos as fotos de nossas saídas ao shopping, no intervalo, e até uma foto de Amanda correndo atrás de Mau pra bater nele.

- Essa ficou ótima – falei – ficou muito natural.

- Só pode estar brincando, eu fiquei toda descabelada.

- Mas convenhamos que a cara de Mau foi impagável.

- Claro Conde, não era você a ser perseguido.

Eu os olhava como quem se despedia enquanto se confraternizavam. Eu estava indo, e por dois meses deixando tudo pra trás, parecendo dramático, mas de certa forma eu sabia que não era só isso.

As horas se passaram rapidamente, logo escureceu e ainda conversávamos.

- E a Jéssica Mau? Isso era verdade?

Perguntei.

- Há, isso? Agente conversou no telefone ontem.

- E...?

- E conversou no telefone.

- Você já disse isso.

- E foi o que fizemos.

Fiz uma sobrancelha retorcida. Com um beiço virado.

- Jon? E a Gaby?

Puxa... novamente. Ele me colocou numa posição difícil.

- Entendi.

- Eu sei que é diferente Jon, mas eu e a Jéssica nos conhecemos há um tempo, não dá pra mergulhar fundo. Pelo menos não ainda.

Amanda e Danillo apenas olhavam recostados no sofá abraçados.

- Está ficando tarde.

Falou Danillo.

- Como vocês voltam?

Perguntei ao casal.

- Do mesmo jeito que viemos, pegamos ônibus até a casa de um amigo meu e o restante do caminho ele nos leva.

- Hum.

- Você vai ficar bem?

- Vou, vou sim.

- Então é isso, vamos agora, se cuida amigo.

- Você também, respondi com um olhar direcionado.

- Eu também vou, você vai precisar acordar cedo.

Falou Mau.

- Certo.

Ganhei muitos abraços, e um soco de leve de Amanda, antes de ela me esmagar em seu abraço, se despediram de meus pais e eu fiquei os olhando do portão, definitivamente não parecia ser apenas dois meses.

Entrei em casa lentamente e fiquei recostado no sofá sentado no chão aos pés da minha mãe, meu pai olhava do lado, ergueu uma máquina fotográfica e tirou uma foto, em outras circunstâncias eu falaria algo, mas dessa vez eu não conseguia falar nada. A TV estava ligada em vão, os olhares perdidos vez ou outra se encontraram, quando alguém teve coragem de falar.

- O que você achou do seu dia?

- Meu dia?

- Sim filho, seu dia.

- Obrigado.

Ela não disse nada, e eu não estava exatamente grato, me sentia pressionado.

- Eu vou dormir, longo dia amanhã.

- Vá sim filho, boa noite.

- Boa noite mãe, pai.

- Boa noite Jon.

Fui para minha cama como se fosse um matadouro, não estava com sono suficiente para apagar mas, não adiantaria nada eu ficar acordado, não tinha mais o que eu segurar, o inevitável estava à espera do meu dormir, e eu estava vencido e atado. Deitado para cima, com as mãos na nuca pensava no desconhecido adiante. Escuro, até que me veio um clarão...

Gibson Cleiton
Enviado por Gibson Cleiton em 01/12/2010
Código do texto: T2648145
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