Crimes de Humanidade

Às vezes um crime é apenas um equívoco do gesto. Talvez palavra mal articulada, engano do dizer. Mas o edifício era lindo.

Tão branco de Atenas e fauna, passarinho por ali havia, o que cimentou o lar com arte em coluna dórica, outros aves de apartamentos em cornija jônica. E o gato tigrado havia de ser o guardião das sombras. A coruja no momento dormia.

_ Ah, palácio de Vênus no Portal! Minhas ilusões querem todos os segredos de teu ventre.

_ Volutas? Quem lembra! Mas tinha umas mulheres, quem dera meu deus ter mãe assim! Grande, sustentando aquilo que não sei o nome.

Mas nada disso posto o menino pensou. Salvo as mulheres: uma para mãe, três irmãs lindas de ternura. Cinco tias solteronas e loucas de delírios. Todas boazinhas. E as palavras doces, de lábios para ouvidos e que deveriam ter muito gosto por mimar menino.

_ Acorda Andrezinho, é tarde. A sopa pode acabar antes que alcance a ponte. Mas André é só de ouvir poente.

_ É atrás da última janela. À esquerda do andar segundo, o homem vai aparecer, diz Andrezinho angustiado por ter que partir.

Todos os dias, às 17 e quarenta e cinco, uma espiadela para a rua e lá estava o menino. Deslocado do grupo, os outros eram em arruaças. Eram por chutes, cabelos esganiçados se havia. - Que meninos feios, sujos e grasnavam, salvo Andrezinho e seu silêncio.

Era de se pensar que o coração da coragem está no peito de quem sente. Mas e o medo? O medo era. Em bando. Na escadaria. E medo maior é silêncio de menino, diante de edifício tão lindo assim. Templo de saber em humanidades. E também era o homem negando-se, pensamento de ter o Medo.

Andrezinho é só mais um entre párias. Mas que ousa a si individualizar. Os olhos deste têm mais fome. O frágil corpo e um cansaço de décadas instalado, entre músculos e ossos de um menino-Andrezinho. Antes dos dez.

O homem pega uns livros no canto da mesa. Organiza-os em ordem alfabética? Ajusta-os para prender embaixo de um dos braços. Para o outro o guarda-chuva. O homem é um todo em urgência de partir. Antes que molhado em sereno-outono.

Descendo os degraus da escadaria quase cai. Em voltar ao prumo, pois se apegara a não queda, encontra os olhos do menino, que por um algo assemelhado a si, está sempre afastado do bando. E o homem, entre átimo de alegria e o desastre de entristecer-se:

_ Hei menino?

Foi impulso desarazonado. Uma desembestagem do corpo, quando este se flui antes do pensar. Andrezinho estende as mãos em concha. Chegaram em visão àquele homem, membros frágeis essas mãos e quer alcança-las, mas qual dos dois pares quer antes a colheita?

_ Um trocado, tio?

O “carqué coisa pra comê”, é só o vício da rua e até eu que sou uma pomba da paz, não acreditei: o homem e o menino travando diálogo? De mãos dadas? E parecia que se entendiam em língua de silêncio e voz:

_ Te darei o que quiseres, mas antes tem que responder a algumas perguntas.

_ Mas se não sei tio. Vai gemendo um desanimo no menino.

_ Vejo que tens palavras na boca, um muito mutiladas. Servem.

_ Mas tio, e faz gesto de negação, juro que não sei.

Nisso se aproximaram como formigas para o mel. Do bando em destaque um que parecia ser o líder.

_ O que foi Andrezinho?

_ O tio quer saber...

_ Raspa daqui Andrezinho. Eu explico o perguntar do tio.

O homem era quase estátua, não fosse o movimento dos olhos, era de deixamos no Portal, junto às esculturas pelo clássico embranquecer amarelando. E o querer daquele impulso por saber destino de menino, quase nem era mais e quase lhe perdeu.

_ Eu só queria...

_ Sim tio. Mais eu, nóis todo, queremo, também.

_ Quem são? De onde vêm? Para onde...

Veio em grito abafado e percebeu-se não querendo nunca aquele vão saber de origem e rumo e o depois desses meninos. Salvo aquele dos silêncios e se distanciando.

Uma fenda se abriu no tempo diante de um edifício lindo. No alto capitéis em cachos, rente ao chão e de pele áspera, meninos. Roído de frio o homem. Entre, alguém para portar a lâmina?

A boca da noite há de querer saber para contabilizar.

Uma semana depois e eu que sou de uns vôos por lá também tive a visão: era quase um homem, soluçando naquela manhã de abril, quando decidiu-se. E uma pomba branca roçando o céu de Andrezinho, que estava convidando o tio:

_ É como um sopro-vento e tudo que não tinha solidez se esfuma. Diz o menino.

Era um homem de voz tão rouca, rouca que ninguém pode ler o que dizia. Mas o gato tigrado sabe, assim como a coruja-Pia desde a sombra e não quis revelar sobre:

_ Um homem sábio e um menino-Andrezinho sóbrio, os dois atravessando o Portal. Às 17h e cinqüenta e três... Mas só o edifício lindo lhes sorriu.