A noite em que a Bom-Bom dormiu fora de casa

Uma noite destas, a gatinha Bom-Bom, que gosta muito de se refastelar nas varandas, ficou fechada lá fora.
Bebé-Papagaio estava constipada e a dona preocupada, não fosse o frio andar em passeio ou brincando às escondidas com o sol escaldante e atrevido que abrasava os dias.
A dona dormiu no seu quarto sem dar pela falta da Bom-Bom, que só vai vê-la despertar pela manhã, aninhada nas dobras da colcha, dormitando até que a dona se levante, não perdendo pitada das festinhas matinais.
Acordou calmamente, fez a sua rotina e... nada da gatinha!
A tigela dos biscoitos estava intacta!
Chamou, chamou... mas não ouviu mais que a resposta feliz de Bebé-Pagaio, chamando da sala.
A dona foi ter com ela mas... do outro lado da vidraça uns enormes olhos verdes olhavam-na, numa fixa inquirição, entre o medo e a desconfiança.
A dona correu, abriu a porta-janela e estendeu os braços, para onde se precipitou a gatinha, muito contente, de cauda eriçada: foi um longo abraço de quem se quer muito bem e está separada há tempos sem fim!
Nunca se viu tamanha alegria na casa!
Bom-Bom, finalmente calma, foi vigiar toda a casa, rebolou no tapete e voltou para junto da dona, que entretanto dava o pequeno-almoço à passarinhada: cantavam muito felizes, desafiando-a a cantar com eles, pedindo que não fosse embora, mas... já chiava de fome a barriga da dona!
Desde esse dia a gatinha Bom-Bom mudou o seu comportamento, como se tivesse tomado consciência da sorte que tinha:
Pede festas sem fim, deita-se no sofá, com a patinha ou o nariz tocando a pele da dona.
Quando se refastela no chão e a dona passa, estende as patinhas para tocá-la ternamente. Vira-se de barriga para cima e brinca, brinca... a dona fica fascinada mirando a beleza da criaturinha que... dormia na palma da sua mão, refúgio sagrado da Bom-Bom.
É muito ajuizada e terna agora.
Mudou as brincadeiras, em que desafiava a dona, como se ela também fosse gata, mordiscando-lhe os tornozelos e as pernas com boas intenções, mas deixando a pele da dona eternamente riscada... a toda a hora Bom-Bom corre atrás da dona, desafiando-a para a brincadeira!
Agora, mais atenta, estende as patinhas, acariciando a dona, quando está esparramada no chão, confundindo-se com a cor dos tapetes, arriscando-se a ser pisada... o que muitas vezes acontece por acidente: mas ela parece não sentir, nem se queixa, quer é brincar!
Já não arranha. Suavemente, toca os tornozelos da dona, quando ela, distraída, passa. Com ternura inaudita, empurra-lhe o braço com o pequeno nariz, a pedir festas na cabeça... deleitada, estende-se a todo o comprimento, para que a dona, fascinada pela sua beleza, lhe percorra o corpinho todo, como num banho delicioso de perfume humano... mas só aquele perfume, dela, muito dela, que não empresta nem à Bebé-Papagaio, que tem ciúmes e logo levanta as penas do pescoço, fazendo o gesto de coçar a cabeça, com a garra preguiçosa e olhinhos implorantes.
A dona divide-se, criou ambas, não quer faltar a nenhuma mas... pobrezinha da Papagaia: a gata anda solta e sempre, sempre atrás da dona!