Um Namorado Inesperado (Macabro)-Continuação

Pareceu que o rapaz compreendeu tudo, sem que ela dissesse nada.

— Você vai ficar comigo esta noite — disse ele.

Não perguntou. Não era um pedido. Ele não quis saber se ela já tinha ficado com alguém antes (não tinha). Simplesmente constatou o que já estava escrito nos olhos de Andréia.

Sem saber bem o que dizer, a menina perguntou seu nome. Ele voltou a sorrir, novamente luminoso.

— Eu me chamo “Seu Amor”. E você?

Que dizer numa hora dessas?

— Puxa, que coincidência, eu também.

Ainda ia dizer alguma coisa, mas “Seu Amor” a inter¬rompeu:

— Nada disso. Você se chama “Meu Amor”.

E cravando os olhos nos dela, completou:

— Você é minha, “Meu Amor”.

Andréia podia ter dito que não. Podia ter percebido que tudo aquilo era esquisito demais e pulado fora. Mas o amor é sempre meio estranho e ela estava apaixonada. Quando “Seu Amor” disse “Você é minha”, sentiu-se totalmente inundada de felici¬dade. E quando isso acontece, a única coisa que a gente consegue dizer é “Sim”. A paixão nos transforma em criaturas meio sem vocabulário. “Não”, “mais ou menos”, “talvez”, tudo isso desaparece da nossa boca. E ela passa a ser ocupada por um SIM imenso, completamente refratário à razão...

Por isso, ela olhou no fundo dos olhos dele e respondeu:

— Sou. Sou sua.

Num impulso amoroso, estendeu a mão para tocar o rosto dele. Mas “Seu Amor” recuou.

— Tenho que voltar para o ensaio.

Em seguida, ficou novamente muito sério e disse:

— Vá para trás daquela árvore e não deixe ninguém vê-la. À meia-noite, quando terminar o show, irei buscá-la.

Andréia não entendeu direito o motivo do pedido, mas “Seu Amor” foi bem claro.

— Se alguém vir você aqui, vou fazer de conta que não a conheço. Não saia de lá até que eu vá buscá-la, compreendeu?

Totalmente tomada pela vontade de dizer SIM, a menina concordou.

Viu a festa de longe, como se fosse um sonho. Deixou-se hipnotizar pelo som mágico do violino de tal maneira que não sentiu o tempo passar. Quando deu por si, o jardim estava deserto, os músicos desarmavam a aparelhagem e “Seu Amor” caminhava em sua direção.

Antes mesmo que pudesse pensar em alguma coisa para dizer, foi enlaçada pela cintura e percebeu que o braço dele era tão rígido quanto seu corpo. Parecia mais um gesto de imobilização do que um abraço. Assustada, tentou recuar, mas “Seu Amor” acendeu a chama violeta de suas pupilas e disse:

— Não tenha medo.

Sem afrouxar o braço que segurava firmemente a cintura da menina, aproximou sua boca para um beijo. Mas a menina estava realmente assustada e virou o rosto. Neste momento, ele riu.

Não foi como antes. Antes, só tinha sorrido, o que dava a seu rosto, já belo, uma luz ainda mais especial. Agora, ele riu mesmo, abrindo os lábios e deixando à vista uma boca totalmente desdentada.

Tomada por forte sentimento de repulsa, Andréia tentou gritar. Mas, como nos pesadelos, sentiu que a voz estava presa em sua garganta.

— Não grite “Meu Amor”. Eu só quero um beijo seu.

Agora, o rapaz segurava firmemente seu rosto, de modo que a menina não conseguia olhar para outro lado ou desviar-se. “Seu Amor” voltou a rir com vontade, exibindo as gengivas vermelhas.

— Você estava apaixonada por mim ou pelos meus dentes?

Apesar da risada, a expressão do rosto dele era de pura raiva. Apertou o rosto de Andréia com mais força e inquiriu:

— Vamos, responda! Sem dentes eu não sirvo? Que porcaria de amor é esse que não resiste a uma pequena falha?

Sem fôlego, a menina não conseguia responder. Queria apenas sumir dali. Rezava para que alguém aparecesse, mas os últimos músicos já tinham partido. Estava absolutamente só com “Seu Amor” no jardim agora às escuras.

Cada vez mais raivoso, ele prosseguiu:

— Pois eu quero um beijo seu. E quero também seus dentes, todos eles. Quero esses dentes da cor da lua cheia.

Diante do terror da menina, cujo rosto permanecia preso entre os dedos do rapaz, “Seu Amor” sibilou:

— Está com medo? Não se queixe, minha querida, você é uma garota de sorte. Destino pior teve a que me cedeu a pele, a que me deu os ossos, a linda menina que me doou esses belos olhos cor de violeta, ou sua amiga Karina, de quem herdei essa bela cabeleira.

Klecya Lorrayne
Enviado por Klecya Lorrayne em 15/09/2010
Reeditado em 11/10/2010
Código do texto: T2500395