Um Namorado Inesperado (Macabro)

Andréia entrou em casa às três de manhã e encontrou sua mãe em pânico.

— Minha filha, o que aconteceu?

— Não sei.

Não era mentira. E estava perturbada demais para inven¬tar uma desculpa qualquer.

— Como não sabe? Você sai de casa dizendo que vai a uma festa na casa da Mariana, desaparece sem dar notícias, deixa todo mundo preocupado e ainda diz que não sabe?

A mãe estava realmente furiosa.

— Eu fui à festa na casa da Mariana — defendeu-se Andréia.

— Como foi se ninguém viu você lá?

— Eu estava lá — insistiu a menina.

— Até agora? — berrou a mãe, que, evidentemente, não acreditava na versão da filha.

— Até agora.

— E pode explicar como nem a Mariana, nem suas ami¬gas, nem ninguém viu você na festa?

A mãe era puro desatino. Andréia nunca tinha feito uma coisa dessas antes. Mas parecia que o bom comportamento pregresso não lhe trazia nenhuma vantagem.

O fato é que Andréia não sabia dizer o que tinha acontecido. Não que lhe falhasse a memória.Lembrava bem cada detalhe da noite. O problema era encontrar as palavras. Sentia-se esquisita, flutuante, como se tivesse sido jogada num mundo totalmente desconhecido. Estava com medo. Muito medo. Mas não saberia explicar exatamente do quê. Apenas sabia que uma coisa terrível tinha acontecido. Alguma coisa cujos desdobramentos ainda não conseguia prever.

Tentou reordenar os fatos da noite em sua mente. Talvez assim conseguisse uma explicação para tudo aquilo.

Tinha chegado cedo à casa de Mariana. A festa ainda não tinha começado, e a amiga estava no quarto se arrumando. Dirigiu-se ao jardim, que estava especialmente bonito para a ocasião. Não que fosse uma festa especial: não era. Mas Mariana transformava qualquer reunião de amigos num grande baile. Não lhe faltava dinheiro para isso. Nem bom gosto. Nem criatividade.

A festa do dia era à fantasia e tinha como tema a Morte. Cada qual deveria imaginar uma maneira interessante de passar dessa para melhor e inventar uma fantasia que combinasse com sua idéia.

Marcelo já tinha avisado que iria de pijama: queria morrer dormindo. Mirela providenciara trajes de aviadora: achava lindos os acidentes trágicos. Beatriz aplicara dúzias de camélias em seu vestido, em homenagem à Dama das Camélias, a pianista que tinha sido levada embora pela tuberculose.

Andréia pensara em alguma coisa bem romântica. Queria morrer de amor. Dissolver-se em paixão. Por isso, decidiu alugar um traje de época, um luxuoso vestido que imitava os usados no século XVI, decotadíssimo, armadíssimo, muito sensual.

Prendeu os cabelos cacheados num coque no alto da cabeça, deixando à vista a nuca. Pegou o pó-de-arroz da mãe e passou uma generosa camada no rosto, no colo e no pescoço. Ficou branquíssima. E linda...

Para o túmulo o coração do amado. Pelo menos, era assim que se sentia quando chegou à casa de Mariana.

Como a amiga ainda não tinha descido, decidiu circular pelos jardins, ainda desertos àquela hora. Havia apenas alguns músicos que terminavam de montar seus instrumentos no palco armado em meio ao gramado. Assim que se aproximou, teve sua atenção despertada para um deles, um jovem de beleza incomum que ensaiava algumas notas ao violino enquanto o resto do grupo ligava fios às caixas de som. Alto, magro, com cabelos ruivos que lhe caíam até a cintura e vestido com um smoking, o rapaz parecia indiferente ao atarefamento dos colegas. Tocava de olhos fechados, uma melodia capaz de emocionar qualquer pessoa, até mesmo Andréia, mais chegada a um rock, um metal pesado ou qualquer coisa que tivesse mais ritmo do que som.

A música do rapaz não tinha batida, mas fazia bater mais forte seu coração. Não como imagem poética, mas como fato incontestável. Surpreendida pela suave taquicardia provocada pela música, a menina aproximou-se do grupo e ficou escutando.

Subitamente, como se percebesse a presença dela, o rapaz interrompeu seu ensaio e abriu os olhos.

— Ah, por favor, não pare — pediu a menina. — Eu estava gostando.

O violinista limitou-se a sorrir. Nossa! Como era bonito. De tudo, o que mais chamava a atenção era sua pele, tão branca e luminosa que parecia a cúpula de um abajur. Andréia perguntou-se que marca de pó-de-arroz ele teria passado para obter um efeito tão impressionante.

Embora o palco estivesse a alguns metros de Andréia, com apenas um salto, ele colocou-se ao lado dela. Foi um movimento estranho. Ele não tinha a elasticidade de um gato. Pelo contrário, parecia meio duro ao mover-se. Lembrava mais um vôo sem suavidade. Ou uma aparição fantasmagórica.

Mas não era um fantasma quem lhe sorria tão encantadoramente.

— Você gosta do som do violino? — perguntou o rapaz. E Andréia percebeu um par de olhos cor de violeta cintilando na escuridão.

— Não exatamente. — Andréia não conseguia mentir. — Mas fiquei fascinada com a melodia que você estava tocando. Que música é essa?

O rapaz deu um suspiro profundo.

— É uma composição minha.

— Jura?

Ele sorriu melancólico. A luz violeta tinha desaparecido de seus olhos.

— Fiz para a mulher que eu amava.

Agora, seus olhos estavam negros como a mais profunda noite. E Andréia, totalmente encantada, não resistiu à indiscrição.

— O que aconteceu com ela?

Subitamente, o sorriso apagou-se do rosto do rapaz.

— Ela morreu.

Andréia estava desconcertada.

— Lamento... — gaguejou.

Mas a curiosidade foi mais forte, e ela perguntou:

— Morreu de quê?

— De amor.

O tom da voz do rapaz a surpreendeu. Não estava mais triste. Era sonhador, etéreo, apaixonado. Como sua fantasia. Tinha vindo vestida para morrer de amor.

(Continua)Quem querer que eu continue comenta aí!

Klecya Lorrayne
Enviado por Klecya Lorrayne em 15/09/2010
Reeditado em 11/10/2010
Código do texto: T2500391