Memórias Acorrentadas- Capitulo 2
Capitulo II: A paz antes do tormento
Na manhã seguinte, toda a cidade estava no seu ritmo normal. Tudo aparentemente no seu devido lugar- como se algo pudesse fugir do comum naquela cidade-, o céu limpo, crianças brincando pela praça, comerciantes em todos os cantos, tropas reais, enfim, tudo o que um lugar costumava ter. Somente uma coisa estava fora do normal. A história estava pregando uma peça em alguns habitantes daquela pacata cidadela.
Beatrice voltou ao seu ciclo normal e foi para a casa de Alex, para como de costume tomar café da manhã às custas de Sara. Estava muito pensativa sobre o ocorrido, mas decidiu apagar o acontecimento da tarde passada de sua mente e agir como se nada tivesse acontecido e tudo estivesse nos conformes. Voltou àquele tom irônico de sempre.
- Estou com muita fome tia Sara!- Exclamou Beatrice
- Como se isso fosse novidade menina!-Disse Sara rindo- Tem o bastante para todo mundo.
Ouvindo o rebuliço Alex finalmente acordou de seu coma induzido. Até mesmo um defunto acordaria com aquela onda de energia irradiada pela jovem hiperativa.
- Não tem comida em sua casa? Precisa ficar vindo aqui todo santo dia para esvaziar a nossa dispensa?Resmungou Alex
- Você tem que levar mais na esportiva- Disse Beatrice
- Se você gritasse mais alto, a cidade correria em pânico... – Disse Alex reclamando
- hahaha!, Isso é inveja da minha vitalidade- Disse Beatrice
Após o café, os dois saíram para passear pelo centro da cidade. Lá permanecia a estátua de Daniel Reeds, durante 18 anos intacta e admirável. Sua imagem ainda não causava grande impressão em Alex. Ainda não entendia os motivos que levaram aquele herói a se sacrificar, mas por algum motivo ele estava mais pensativo naquele dia. Seu olhar permanecia vago todo o tempo, como se estivesse perdido em pensamentos ou talvez em outra dimensão paralela criada na mente dele. O silêncio mortificante mais uma vez foi quebrado:
- Alex, você está bem?- Exclamou Beatrice
- O que?! O que houve?-Disse Alex
- Nada... Só fiquei preocupada, está tudo certo. - Disse Beatrice
- A propósito, você tem alguma notícia sobre nosso mestre? Estou preocupado com ele...- Disse Alex
- Ele está ótimo, dizem que terá alta em 2 dias. Ao que parece ele não é de se abater fácil- Disse Beatrice- Os médicos disseram que uma pessoa normal teria ficado morrido.
Alex não perguntou sem motivos. Ele nunca mais foi o mesmo depois daquele evento no campo de treino. Queria descobrir de onde veio todo aquele poder que fluíra pelo seu corpo e que desapareceu junto com o retorno de suas lembranças. Ao mesmo tempo que se sentia mal por ter machucado Vincent, ele gostou da sensação de poder. Afinal um jovem de 18 anos libertando tal força era algo para se vangloriar. Estava dividido entre o gosto do poder e o arrependimento. Não sabia por onde começar a investigação, então arrastou Beatrice até a praça da cidade para descobrir o que haveria acontecido.
- Me diga o que exatamente aconteceu comigo no campo de treino ontem?- Perguntou Alex- O que eu fiz?
- Bem, eu realmente não sei direito. Você simplesmente enlouqueceu e começou a atacar o nosso mestre de forma estranha. A cada golpe você parecia mais e mais louco. Eu vi a hora que se não fizesse algo para te impedir, o mataria e depois me mataria, por isso arremessei uma faca contra você... – Disse Beatriz com um ar de tristeza
- (Então foi isso... o que será que está acontecendo comigo?) – Pensou Alex- Se não fosse por você, nem sei onde estaria. Obrigado, você me salvou.
- Sem problemas...- Disse Beatrice
Ao saber da verdade, tomou uma decisão em sua mente. Parecia decidido a ir atrás de seu passado para descobrir o por quê daquela situação e já que tinha tempo livre por conta de não haver treinos, decidiu agir. Finalmente alguma coisa animou Alex a se mover e fazer algo de útil. Talvez a tragédia do dia passado tivesse sido mesmo necessária para que algumas mudanças fossem executadas. No meio dessa corrente interminável de pensamentos, ocorreu um rebuliço na praça:
- Me ajudem por favor! Roubaram meu dinheiro!- Disse uma senhora na praça.
- !? Vamos ajudá-la Alex!- Disse Beatrice
- ( Será que Vincent sabe de algo?)- Pensou Alex
- Você está me ouvindo?! Vamos logo, precisamos pegar aquele ladrão antes que ele fuja!- Disse Beatrice
- O que?!... Claro vamos lá...- Disse Alex
Correram de encontro ao ladrão que estava indo para um beco da cidade. Após uma longa perseguição conseguiram alcançá-lo. O nome do chefe deles era Criss, um bandido de meia tigela que estava roubando pessoas e cometendo uma série de crimes pela cidade. Tinha uma gangue de três bandidos armados e perigosos.
- Ele não está sozinho, o que faremos agora?- Disse Beatrice
- Vamos lutar com eles oras! Nossas horas de treino diário tem de servir para algo.- Disse Alex num tom diferente do normal.
- Certo... eu confio em você.- Disse Beatrice
Beatrice correu velozmente em direção aos criminosos. Ela então arremessou uma de suas adagas contra o assaltante, que acertou e cravou a bolsa de moedas roubada na parede . No mesmo instante Alex saltou acima dos bandidos e desferiu um soco contra o rosto de Criss, mas ele defendeu e arremessou Alex contra o muro:
- Não é assim que você vai me impedir garoto- Disse Criss debochadamente- Eu não sou qualquer um para você usar técnicas tão medíocres. Tente algo melhor ou não sairá daqui vivo.
- Olha quem fala! Um mero bandido de rua!- Retrucou Alex- Vamos Beatrice, é nossa chance de escapar!
Mesmo machucado, ele aproveitou para pegar a bolsa. Pulou o muro e continuou sendo perseguido por Criss , então no meio do ar, Alex desferiu um chute contra em direção ao seu rosto, mas ele desviou. Nesse exato momento Alex usou a adaga de Beatrice e cortou o braço de Criss, encerrando-se a perseguição aos dois.
- Hmpf, só podia ser filho dele mesmo.-Disse Cris- Não é qualquer um que consegue me acertar... Você não me escapa garoto.
- Senhor, eu soube que ele nocauteou Vincent e o mandou para o hospital desmaiado!- Disse o bandido.
- (Reeds.... você deveria estar aqui para ver isso).- Pensou Criss
Após o ocorrido, voltaram para a praça para devolver o dinheiro à velha senhora. Chegando lá, encontraram-na fechando a sua loja.
- Senhora, aqui está o seu dinheiro roubado, por pouco conseguimos recuperá-lo.- Disse Alex
- Obrigado.- Disse a senhora- Você me lembra muito alguém que conheci a anos atrás, seus olhos são muito parecidos com os dessa pessoa.
- E quem seria essa pessoa?-Perguntou Alex
- Me desculpe mas eu não lembro. Era um homem honrado, mas que carregava um olhar triste.-Disse a senhora- Os tempos de guerra aniquilaram muitos sonhos meu jovem.
- Sim... bem tenho que ir, hoje o dia foi longo!-Disse Alex- Até mais então.
No caminho de casa, Alex não disse uma palavra sequer. Estava pensando no que a velha vendedora havia dito, e quem, porventura, seria esse homem o qual ela mencionou. “ Um homem com um olhar triste e fadado pela guerra...”, de alguma forma aquilo lhe soava familiar, talvez tivesse algo a ver com partes de seu passado que ficaram em branco.
Tentou não aparentar preocupado e agia como se tudo estivesse normal. Mesmo aquele jovem desligado do mundo tinha algo para se preocupar e pensar. Havia também aquele bandido que de certa forma o deixou fugir com o dinheiro. Tudo estava girando. De súbito, de novo o silêncio foi rompido:
- O que aquela senhora te disse realmente te afetou não é?-Perguntou Beatrice
- Nem tanto, mas fiquei curioso sobre quem seria essa pessoa.- Disse Alex
- Acho que descobriremos logo mais sobre seu passado, as coisas estão se revelando rapidamente...-Disse Beatrice.
- É, veremos. Eu preciso ir para casa, amanhã nos vemos. Disse Alex.
- Até...- Disse Beatrice- Espera! Queria te dizer que se precisar, pode contar comigo.
- Obrigado mais uma vez.-Disse Alex sorrindo.
Pela primeira vez, os dois estavam sendo sinceros. Nada de falsidades ou ironias envolvidas, só o velho poder da amizade agindo. A Fúria de cabelos vermelhos e a ironia de olhos vazios estavam em plena harmonia, uma bela ironia do destino.
Chegando em casa, Alex começou a vasculhar a casa em busca de algo que remetesse ao passado. Viu que sua mãe nunca havia dito como seu pai morrera, só sabia que ele tinha sido um bom homem. Depois de horas procurando, encontrou uma velha carta próxima à cama de sua mãe, que dizia: “ No momento em que escrevo esta carta, estou no acampamento de batalha. Como você e nosso filho estão? Espero que bem. Queria ver nosso filho nascer, poder criá-lo e vê-lo crescer um homem feito, se tornar um homem melhor do que eu. Não um homem de guerra, mas sim um homem de paz, que possa viver tranquilamente, ter esposa e filhos e não viver para tirar a vida de outras pessoas. As Fronteiras inimigas estão a postos. Me vejo obrigado a sair para uma guerra sem fim, assim como muitos outros que morreram no campo de batalha. As poucas horas que restam antes do combate estou utilizando para escrever esta carta. Espero que a guarde para sempre, que nunca se esqueça de mim e que crie nosso filho. Se nosso filho....”.
A carta estava rasgada, estava incompleta. Onde estaria o restante dela? Alex ficou completamente frustrado. Justamente quando estava descobrindo algo, seu ímpeto foi parado pela carta fragmentada. Resolveu então perguntar à sua mãe:
- Mãe, por que nunca me mostrou essa carta?- Perguntou Alex
- Essa carta.... não via ela faz muitos anos-. Disse Sara com o semblante triste.- Eu li essa carta incontáveis vezes para poder suportar a perda de seu pai.
- Então ele morreu na guerra, como todos os outros?- Disse Alex
- Sim. Ele era da linha de frente do batalhão saxão. Dias depois do fim da guerra recebi essa carta e a notícia de sua morte.- Disse Sara chorando.
- Será que ele não percebeu o que ele deixou para trás?!- Disse Alex alterado- No final meu pai era só mais um idealista bobo como Daniel Reeds!
- Não diga isso meu filho! Se não fosse por ele e por outros milhares que sacrificaram suas vidas, nem você e nem esta cidade estariam aqui!- Exclamou Sara
Ele estava começando a descobrir as respostas às suas dúvidas. Por algum motivo, nunca procurou saber sobre certas coisas- talvez porque não desse importância a elas-, mas agora tudo o que ocupava sua mente era ir atrás da origem de tudo o que aconteceu com ele nos últimos dias. Em apenas 2 dias, tantas coisas haviam acontecido que eles não tinham tempo nem para discutir. O futuro começava a se arquitetar frente ao pôr do sol daquele dia.