[Original] Refém de você - Capítulo 22 [2ª Fase] FINAL
Refém de você 2.0 - 20 e poucos anos - Capítulo 22
- Você não vai se livrar de mim tão fácil, Leandro!!! – Eu ouvi Veridiana gritar a pleno pulmões, e com isso, chamando a atenção dos nossos vizinhos. – Eu vou acabar com a tua vida e da vagabunda que te roubou de mim!
Continuei ignorando todas aquelas ameaças, e pensei em voltar para poder me despedir de meus filhos, mas a mãe de Veridiana já os prendera no quarto, para que eles não vissem mais uma discussão nossa. Na última, a mãe tentou se cortar na frente deles. E eu não preciso nem dizer o quanto foi ridículo tudo aquilo. Mandei uma sms para Angélica avisando que passaria a noite com ela, e como sempre a resposta não veio na hora. Tentei não me irritar com isso, já que nunca foi diferente. Eu estava tomando uma decisão que afetaria a minha vida pra sempre, mesmo que lá no fundo algo me dissesse que era uma causa perdida. E eu argumentava mentalmente “por amor as causas perdidas” e nem assim ficava em paz com isso.
Quando finalmente cheguei na Angélica eu a encontrei na sala, sentada no chão e ela chorava muito. Sem dizer mais nada, eu me sentei ao seu lado e dei um abraço que a envolveu completamente.
- Eu amo você. – Murmurei calmamente, sem entender o porquê de eu ter dito aquilo. – Eu amo muito você.
- Ela sabe que sou eu. – Declarou Angélica, olhando-me pela primeira vez. Seus olhos estavam vermelhos e inchados. E se referia a Veridiana. – Me disse coisas horrorosas no telefone.
- Eu posso imaginar. – Eu falei, tentando parecer o mais seguro o possível. – Mas tudo vai ficar bem. Confie em mim.
- Eu confio.
Angélica deitou a cabeça em meu ombro e aos poucos foi se acalmando. Eu acariciei sua cabeça, tentando a todo custo afastar a sensação ruim que me invadia há dias.
De fato, só conseguimos ficar bem e falar algo mais alegre a noite, quando decidimos comprar alguma coisa que levantasse o ânimo abalado de Angélica. E eu não sei, eu juro que eu não sei como uma decisão tão banal, tão comum pode mudar completamente a vida de duas pessoas.
Eu posso lembrar e com detalhes de tudo. Eu e Angélica entramos no carro dela e seguimos rumo ao mercado mais próximo, iriamos comprar a comida congelada mais rápida que existisse, só para não passarmos a noite com fome. Estacionei o carro do outro lado da rua, porque o estacionamento cobrava taxa, e a gente tinha muita pressa. Hoje eu penso que se tivesse estacionado o carro lá eu ainda a teria comigo. Eu reavalio cada ponto e vejo que qualquer ação diferente teria salvo Angélica da morte.
Quando saímos do mercado, Angélica rindo, atravessou a rua primeiro que eu, pois corria de uma sessão de cócegas que eu estava prometendo desde que ela me provocara no corredor de congelados. O problema é que além dela não ter olhado pros lados, foi que há poucos metros de nós Veridiana dirigia o carro da mãe dela em alta velocidade e pronta pra acabar com a vida de Angélica. Não teve tempo de eu salva-la. Foi uma combinação fatal. E anos depois eu acabaria por saber que fora tudo rapidamente planejado.
Vi o carro bater contra Angélica numa cena que se passou em câmera lenta por meus olhos. Seu corpo voou como um brinquedo jogado pro alto por uma criança entediada e pensei ali mesmo o quanto a vida da gente era de uma fragilidade devastadora.
O carro além de não parar, seguiu numa velocidade assustadora. A minha primeira reação fora socorre-la. Ela sangrava muito, os olhos arregalados de horror, pânico. Agarrei seu corpo e gritei por socorro, as pessoas que já começavam a nos rodear me olhavam com pena. Pareciam já saber que mais uma jovem perdia a vida, só não imaginavam o motivo.
- Eu... Entendi essa sensação que eu estava desde manhã. – Murmurou ela, a voz sumindo aos poucos. Uma lágrima escorreu por seu rosto, juntando-se com as minhas. Eu a estava perdendo. – Eu sinto muito, Leandro...
Ela me pedia desculpas por estar morrendo. É inacreditável.
- Cala a boca, você não vai me deixar. – Eu falei, numa esperança mentirosa. Mesmo que Angélica resistisse, até chegar ao hospital mais próximo ela acabaria não aguentando.
- Eu estraguei a sua vida. Desde sempre. – Sua mão agarrou a minha, e seu olhar pesava, como se ela lutasse pra não morrer. – Eu não quero morrer.
- Não me deixa, Angélica!!! – Pedi, quase aos berros. Meu coração disparou quando vi que ela já não tinha mais pulsação. Abracei seu corpo falecido e chorei tudo o que eu não chorei desde que ela havia ido embora do Brasil. Não lembro quanto tempo fiquei ali, pois só consegui largar Angélica quando Maya me puxou. Não tive tempo de pensar, lamentar ou sequer odiar Veridiana. Foi tudo muito rápido. Extremamente rápido.
Me recordo de ter ouvido Maya dizer que ela sempre estaria conosco, pois pessoas como Angélica eram eternizadas, mas não consegui levar em conta. Eu não queria palavras, eu queria ter chegado no hotel com ela viva. Ter jantado qualquer besteira industrializada e feito amor com ela por toda a madrugada.
Depois João chegou e me abraçou, aos prantos, pois ela fora também o grande amor de sua vida. E isso não era mais um incomodo para mim.
E durante os dias que sucederam após o falecimento de Angélica muitos amigos me ligaram, alguns parentes também, mas os únicos que eu conseguia ouvir eram João, Maya e meus filhos. Fiz todo o processo de investigação da morte pela qual Veridiana admitiu ser a culpada. Ela foi presa e a guarda dos nossos filhos tornou-se apenas minha. Eu sabia que precisava me reerguer. Brida e Fred precisavam de mim. De um pai que pudesse ama-los, mas não foi tão fácil como eu gostaria que fosse.
Maya fez o papel de mãe e João o de pai durante o tempo em que de forma egoísta, eu precisei viver a minha dor. Eles ficaram comigo por semanas, até que eu tivesse tempo pra poder suportar a perda de Angélica.
Passei pelo menos uma semana tentando entender o porquê de eu não ter me preocupado em impedi-la de correr pela rua ou de não ter pago a merda dos R$ 5,50 do estacionamento para guardar o carro. De não ter comprado pizza. Várias coisas que poderiam ter mudado o destino de Angélica. Ou não. Como é que dizem? “Quando é pra acontecer, não tem jeito”. Pois é. Eu é que não conseguia aceitar isso sem xingar Deus e o mundo por tirar a mulher que seria a mãe dos meus próximos filhos.
- Papai? – Brida entrou no meu quarto e me olhou de forma assustada, como se eu fosse brigar por estar falando comigo. Eu não sei quanto tempo que eu vejo meus filhos direito, mas acho que ela cresceu um pouco. Não era muito o estilo de Fred. Ele era mais na dele, calado. Parecido com Veridiana. Só mudava quando ficava bravo com a irmã.
- Entre, filha.
Ela se sentou ao meu lado e me abraçou desajeitada. Um abraço puro, sincero, amoroso. Eu retribui o abraço.
- Eu sinto muito pela tia Angélica. – Ela disse, como se soubesse do meu sofrimento. – A mamãe fez tudo aquilo... Né?
- Sim. – Respondi, sem pensar o quanto isso poderia mexer com o psicológico de uma criança, mesmo Brida sendo mais inteligente do que aparenta.
- Fique bem, papai. Ela vai virar uma estrelinha! Quando o Tom morreu ele virou uma estrelinha, o senhor me disse isso. – Eu sorri, lembrando-me do dia em que o cachorro de meus filhos morreu e eu disse a mesma frase dita por ela.
- Ela vai sim, filha. Uma linda estrela.
Beijei o topo de sua cabeça e sorri, novamente. Brida saiu do quarto, alegre por ter conseguido um sorriso meu.
As semanas começavam a passar mais rápido na medida que eu me reerguia, tentando encontrar em qualquer mínima felicidade um motivo pra continuar a viver. É verdade, o mundo não parou porque Angélica falecera tão nova ou porque eu sofria por isso. Nada parou, ninguém sofreu por mim ou viveu a minha dor. Teve gente que fez parte, como Maya, João e meus filhos. Mas nenhum deles sabe o que isso foi pra mim. A dor é uma coisa muito pessoal. Não se transfere a dor.
Eu a amaria pra sempre. E ninguém preencheria ou modificaria isso em mim. Ama-la foi uma prova de que amor não é tudo. Eu ama-la não a salvou da morte. Ela ter levado uma parte de mim não fez o mundo parar pra eu sofrer. A morte é só uma fase. E a vida é só um detalhe.
Mentalizei o rosto de Angélica com facilidade, mas guardei comigo o seu sorriso. Aquele sorriso. O que ela dava quando se irritava comigo, mas não queria admitir, porque isso era uma afronta. E ela sempre seria a minha desavença preferida.
Foi uma honra sofrer por ela. E honra maior ainda ama-la.
E aquele sorriso puro e inocente. O sorriso que era capaz de conseguir a paz mundial facilmente... Quem poderia dizer que era o último?