[Original] Refém de Você - Capítulo 17

Capítulo 17

Quando a mãe de Angélica terminou de guardar as roupas da filha na mala as duas se abraçaram. Ambas prometeram não chorar, mas fora inevitável. Para a mulher mais velha, a dor de se afastar da filha era insuportável, mesmo memorizando que o melhor para ela era ter um futuro do qual jamais se arrependeria.

- Vou deixar você sozinha. – Ela disse, saindo do quarto de Angélica.

A loira andou pelo quarto e inevitavelmente lembrou de tudo o que passou com Leandro. Sorriu ao passar a mão por seu lençol, recordando de todas as brigas, os beijos e o desejo que nutria pelo garoto. Abriu seu criado-mudo e procurou pela foto que tirara com ele semanas atrás, na cabine de fotos. Ela respirou fundo e apertou a foto contra o peito. Depois procurou a caixa cheia de lembranças dela com João. Mesmo apaixonada por Leandro, ainda nutria um sentimento de posse pelo outro. O que significava que tinha que deixar os dois. E sem olhar pra trás.

Angélica já não ia a escola, pois a direção já tinha liberado seu histórico escolar para a viagem. Ela soube por Maya que Leandro não participaria da formatura. “Ele já não quer ir pra escola porque lembra de você a todo momento, piorou participar desse, como ele mesmo diz, eventozinho medíocre que só serve pra ganhar dinheiro em cima dos alunos” – Disse, quando a visitou dias atrás.

Não restava mais nada além de se despedir. Trêmula, pegou seu celular e discou os números de João. Ele atendeu prontamente.

“Angélica.”

- Oi. Eu to ligando para... – A voz falhou. A vontade de chorar veio em seguida. As memórias de João a invadiram como uma flechada. – Eu... Eu to ligando pra me despedir de você. Por favor, não vem me ver. Só escuta o que eu vou te dizer. - Ela ouviu João fungar e imaginou se ele estaria chorando. – Eu não tenho palavras pra te agradecer. Você é uma pessoa única, João. Uma pessoa que eu não vou encontrar jamais na vida. E não importa o que eu tenha dito ou feito, você sempre será o meu melhor namorado. – As lágrimas já caiam naturalmente pelo rosto dela. - O único que compreendeu a minha necessidade em ser o que eu sou. Desculpa por todas as coisas que eu te fiz, de verdade! Na minha ânsia em acertar, eu magoei muitas pessoas, inclusive você. Eu te amo João, eu vou te amar pra sempre.

- Eu te amo, Angélica. – Ele também chorava em silêncio.

- Você me perdoa, João?

- Eu te perdoo.

- E não esquece de mim, por favor.

- Eu nunca vou te esquecer.

- Adeus, João.

Ela desligou o telefone chorando compulsivamente. Precisava ligar para Leandro, mas ainda não se sentia preparada. Deitou-se em sua cama e tentou dormir, mesmo sabendo que não conseguiria. A viagem pela madrugada a perturbava demais.

- Um dia eu vou voltar e fazer tudo diferente. – Murmurou ela, limpando as lágrimas do rosto. E depois dormiu, enrolada na cama como uma criança.

Leandro olhou o telefone fixamente, esperando por uma ligação que dificilmente viria. Sabia que devia esquecer Angélica, mas a sensação de que ela queria falar com ele não o deixava em paz. Pensou em pedir a Maya para visitar a garota, mas não queria mais envolver ninguém num assunto que era só seu.

Tentou preencher o dia fazendo coisas que não o lembrassem de Angélica. Estava indo até bem, mas ao sair na sua no início da noite, encontrou João sentado na praça. Bêbado e totalmente confuso, ele o tratou como se fossem velhos amigos.

- Eu preciso te falar uma coisa. – João disse, com a voz enrolada e o bafo de quem já bebia a horas. – Sério, cara. Senta aqui.

- Fala aí.

- É da Angélica.

Leandro sentiu as pernas bambearem. Sentou-se imediatamente.

- Ela é a mulher da minha vida. E da sua também. A gente tá apaixonado pela mesma garota.

- Sim, estamos.

- Eu perdi a minha namorada pra você cara! Você é gay!

- João, vamos para o que interessa.

- Você ama ela, cara??

Leandro respirou fundo, antes de finalmente responder o outro.

- Eu a amo sim.

- Cara! Ela vai embora do Brasil hoje pela madrugada.

O coração dele disparou ao ouvir tais palavras. Agora tudo fazia sentido. O fim que chegou seu relacionamento com Angélica, a forma que ela o tratou nos últimos dias. Ela já havia dito dessa viagem no início do namoro e ele se esquecera.

- Eu não me lembrava dessa viagem... – Murmurou, sentindo-se culpado. – Ela comentou comigo uma vez.

- Ela não queria se despedir de você. Nunca vi a Angélica chorar tanto por alguém como chorou por você.

- Porque ela não quer se despedir de mim?

Antes de responder, João bebeu a garrafa de vinho mais uma vez.

- Ela diz que não consegue.

- Eu preciso ir vê-la.

- É melhor não. Vocês vão sofrer ainda mais. – João notou, ao aconselhar Leandro, que seu sentimento por Angélica tornou-se mais maduro. – Deixa ela te ligar.

- Ela não pode ir embora.

- É o futuro dela, cara. – Ele ofereceu a garrafa de vinho para o outro, que aceitou. – Ela vai voltar, eu tenho certeza. Entre outras certezas, sei que jamais esquecerei dela.

- Nem eu.

- Lembro da primeira vez que eu a vi. Era a menina mais linda da escola. E também a mais divertida.

- Quando eu a vi pela primeira vez nós brigamos. – Leandro riu, sentindo-se levemente zonzo. – Foi engraçado. Desde o primeiro momento em que nos vimos, já não nos gostávamos, mas de certa forma foi isso que nos uniu esses anos todos.

- Ela dizia assim “eu nunca odiei alguém como eu odeio aquele babaca do Leandro”. Quem diria que um dia vocês se apaixonariam.

- É verdade. Quem diria.

- Vamos brindar a Angélica?

- Vamos!

João pegou outra garrafa de vinho que estava escondida debaixo do banco. E como se fossem velhos amigos, os dois brindaram a garota por qual eram apaixonado.

- À Angélica!

- À Angélica!

(...)

Pela madrugada, Angélica mal se levantou e discou os números do celular de Leandro. A ligação caiu na caixa postal. Ela respirou fundo e fez o mesmo processo. Dessa vez ele atendeu mas não disse nada. A respiração dele era o único som do outro lado da linha.

- Eu to ligando pra me despedir. E eu não sei como fazer isso porque doí. Doí muito me despedir de você. Doí mais do que qualquer coisa. Só me ouve, por favor.

- Eu to te ouvindo. – Ele disse com a voz embargada. E pela primeira vez a vontade chorar era maior do que seu orgulho.

- Eu sei que você também merecia um adeus mais bonito do que terminar tudo isso com ódio de mim, mas eu não soube fazer diferente. Eu fui lá e fiz. Pronto. Achei que agora sim eu podia ir embora

tranquilamente. Só achei... – Ela fungou alto. – Eu amo você, Leandro.

Eu amo muito você. Eu amo tanto você que eu to indo embora pra também acabar com esse sentimento. A gente não vai dar certo e se fosse pra dar certo, seria por um curto tempo... Coisa de adolescente. E eu não quero isso, não contigo. Sabe o que é você chorar só de imaginar um futuro que não vai existir? Essa pessoa foi eu hoje. E doeu muito. Doeu demais. Por isso eu to indo embora sem me despedir cara a cara. Doí demais admitir pra mim mesma que não é com você. O tempo vai curar tudo isso. Eu sei que vai. Haverá um tempo em que vai lembrar de mim e não sentir mais nada. E a partir daí todo esse laço que nasceu entre nós será quebrado.

- Eu respeito a sua escolha. Jamais impediria a sua ida. É o seu futuro. E talvez seja isso mesmo que você disse... Uma coisa pra ser vivida na adolescência. Somente. Mas a parte de te esquecer eu já discordo. Você não é do tipo de pessoa “esquecível”. Você entra na vida das pessoas e deixa uma marca profunda e irreparável, Angélica. E perdoa a minha incapacidade de não esquecer o passado pra vivermos um relacionamento limpo de magoas. Estou há tempos pra dizer tudo o que eu sinto, e esse é o momento.

Leandro, para a surpresa de Angélica abriu a porta de seu quarto. Estática, ainda não conseguia acreditar que ele estava no seu quarto. Os dois se abraçaram ao mesmo tempo e choraram juntos.

- Olha pra mim! – Ele segurou o rosto dela, que o olhou de coração partido. Com Leandro ali as coisas só se tornavam mais difíceis. – Eu amo você, Angélica. Eu te amo. Não sei exatamente o momento em que me apaixonei por você, mas a forma que eu me apaixonei foi forte demais. Eu estou aqui chorando pela última garota que eu achei que choraria na vida. É um tapa muito bem dado na minha cara. – Ela riu, mas se tremia por inteira. – Eu só quero passar essas suas últimas horas com vo...

Angélica não o deixou finalizar o que ele ia dizer, pois o tempo apertava contra eles. Foi uma troca de carícias, promessas ao pé do ouvido e declarações apaixonadas. Juntos na cama, recordaram de todos os momentos em que passaram. Dos mais triste aos felizes. Dos mais engraçados aos aterrorizantes. Conversaram até a garota adormecer sussurrando um “eu te amo” nos braços dele.

Leandro não queria dormir, pois sabia que quando acordasse, Angélica já estaria longe. Porém, o cansaço o venceu e ele apertou a garota em seus braços, sentindo o cheiro dela, como se aquilo o fizesse fugir da realidade que o aguardava para o dia de amanhã.

- Eu te amo.

(...)

A luz do sol entrou no quarto irritando os olhos de Leandro, que muito lentamente os abriu. A sua primeira reação foi procurar Angélica na cama, e não a encontrou. Depois ele viu que Maya e João o olhavam com solidariedade. E era o que ele menos precisava naquele momento.

Maya entregou para Leandro um bilhete escrito por Angélica. Ele o abriu imediatamente, na esperança de que fosse algum endereço ou qualquer coisa que não os afastassem além da distância física.

“Me ame com o nosso amor de sempre.”

Angélica.

Ele riu sem a menor vontade, depois baixou a cabeça e respirou fundo.

“Ela se foi. E não há nada que possa mudar isso.”

- Vamos pra casa? – Maya perguntou, estendendo a mão para ele, que aceitou de prontidão. Ela fitou João. – E você? Vai conosco ou ficará aqui se deprimindo também?

- Eu vou com vocês.

A dor, também capaz de unir as pessoas, fez nascer naquele momento uma bela amizade entre eles.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 22/08/2010
Reeditado em 05/07/2014
Código do texto: T2453095
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