Novas trajetórias e um princípio de guerra - Livro dos talentos -

Capítulo 1.

O início; Férias

Não me recordo daquele tempo como uma coisa divertida, mas como uma coisa segura, logo isso mudou quando meus pais resolveram se livrar de mim, ou era assim que eu pensava...

- Colonia de férias?

Disse eu quase aos berros .

-Sim, foi o que você ouviu meu filho.

Falou a minha mãe.

-Eu e seu pai já conversamos, já está decidido.

Pai...?

Ele me olhou e não falou nada, ele parecia desapontado, e conhecendo minha mãe do jeito que eu conheço sabia que não seria fácil dobrá-la ou até mesmo possível.

- Mas pai você foi promovido as coisas não deviam melhorar?

- É por isso que você vai. Se seu pai não tivesse sido promovido não teria como pagar isso.

O entusiasmo da minha mãe me abismava.

- Não tenho escolha não é?

- Não.

Disse minha mãe por fim.

- Quando?

- Semana que vem, na segunda de manhã.

O que estava acontecendo? O mundo virou do avesso e eu não fui avisado? Eu, um garoto de 16 anos numa colônia de férias. E em Janeiro? Hoje era 3 e era segunda-feira, eu tinha uma semana contada como dissera meu pai.

Fui para meu quarto enquanto pensava, eu tinha que aproveitar meus jogos. Não me restava muito tempo. Eu apenas tentava entender o porquê disso tudo, por que meu pai teria sido promovido e eu exportado?

Diretor executivo, com o dinheiro que ele ganhava agora agente podia muito bem ir pra Roma sem se preocupar com a conta do Hotel, não que eu que eu fosse metido ou algo assim, até quatro anos atrás meu pai não ganhava tão bem mas a questão financeira já estava fora de questão. Mas então o que era? Por que eles queriam se livrar de mim? Não pude entender, não dava.

Fui dormir exausto, não queria largar meu computador, eu sentiria falta de tecnologia, do meu quarto e da comida da minha mãe, mesmo que lá fosse bom, deveria ser muito naturalista imaginei. Fui dormir com esses pensamentos em minha mente, e se tive mais algum não me lembro. Acho que pensei demais pra quem estava exausto.

Tinha sido uma noite longa, ainda cansado quando me levantei mal enxerguei o relógio, senti o cheiro de bife assando e fui arrastado pra cozinha, eu tinha passado horas no computador sem comer nada, estava faminto.

- Boa tarde dorminhoco!

- Tarde? Que horas são?

- 13:30, não fiz o almoço antes porque sabia que você ainda ia se atrasar para o almoço.

Não admirava o fato dela saber a hora que eu acordara, quase sempre ela fazia isso, só fiquei confuso por seu sorriso no rosto enquanto fazia o molho do macarrão.

-Tive um pesadelo esquisito, vocês me mandavam para o mato...

Não pude esconder o riso por trás de minhas palavras, é claro que eu sabia que tinha sido real, passei horas acordado, e é claro que minha mãe também percebeu, me surpreendeu quando ela se virou com desdém e continuou o que fazia.

- Seu pai vai te fazer uma surpresa hoje a noite...

- Já não é mais uma surpresa.

Tentei passar descontração para apagar a última cena.

- Não seja bobo, eu disse que ele vai fazer uma surpresa, mas não falei o que é.

- E não vai falar.

- Não.

Logo o clima leve retornou, por alguns instantes eu pensei estar tudo bem, sem contar o passeio forçado repentino e as mudanças de humor da minha mãe. Meu pai parecia reflexivo, e também preocupado, mas então procurei relaxar, devia ser minha viagem. Tenho que parar de pensar nisso e aproveitar meus últimos dias aqui, só me restam seis...

Meus pensamentos foram interrompidos.

- Vou na casa de Tânia, ela ficou de me devolver as malas semana passada mas ainda nem apareceu pra dizer que voltou de viagem.

- Ela está em casa?

Perguntei sem nenhum interesse, pois sabia que se ela não tivesse voltado minha mãe compraria uma mala ainda maior, se isso fosse possível.

- Está liguei pra ela mais cedo.

- Huhum

Meu prato estava carregado de Macarrão, molho e bife, ela tirou o avental, beijou o alto de minha testa e saiu.

- Acho que essa viagem está afetando todos dessa casa.

Falei para o vazio que entoava a cozinha.

Enquanto lavava os pratos que restavam tocou meu Celular que de tão poucos números na lista esperava ser um engano, mas logo vi o nome na tela.

- Fala Mau!

- Oi jon!

Falou meu amigo da escola, Maurício, não era um nome muito comum, mas isso tornava ainda melhor o apelido.

- Cara cadê você?

- Ainda aqui, mas por pouco tempo.

- Por pouco tempo? Explica isso aí.

- Colônia de férias.

- Cilada!

- É eu sei, mas dessa eu não escapo.

- Quando?

- Semana que vem.

- Pelo menos o motivo da ligação ainda vale...

- Vale? Qual é?

- Festa na sexta.

- é...

- Nem vem com essa Jon. Essa você não vai perder como as outras, tem que sair com os amigos antes de ser deportado.

- Deportado!?

- É Deportado.

Falou paradamente.

- Qual é jon? Vai aproveitar seus últimos dias de liberdade preso em casa?

Mau não costuma ser muito brilhante, mas eu tinha de admitir, ele chegou no ponto.

Ele sempre tenta me levar a essas festas de música eletrônica organizada sempre na casa de alguém que quase sempre era absurdamente espaçosa ou em algum clube, só conseguiu uma vez, mas eu saí as duas da manhã, quando a festa só veio acabar as sete e meia.

- Não pense Jon, vá.

- Ta, vou.

- Acho que não entendi?

- Vou, ta. Eu vou.

- Ótimo. Passo aí pra te buscar as nove. Vai ter esquenta na casa da Gabi.

- Quem é Gabi?

Ele deu risada.

- Você vai conhecer lá

- Esse lance de esperar pra festa na casa de uma garota menor de idade como nós que eu nem conheço não pode encrencar?

- Claro que não. Quem ta organizando é a mãe dela, que também vai com agente.

Tentei não demostrar o choque que senti.

- Ta mas a festa vai ser na casa de quem?

- Da Jéssica do 3º ano, pelo menos era já que terminou.

- Acho que eu já a vi.

- Nem precisava, ela disse que eu posso levar quem quiser.

Tinha suas vantagens ser amigo de um baladeiro VIP, se eu quisesse seria um.

- Então combinado.

- É isso, não atrasa. As nove.

- Não vou atrasar.

Sabia que ele que iria atrasar, como sempre faz, é claro que eu estaria pronto como foi combinado, mas ele sempre atrasa dez minutos.

- Até.

- Até.

Tentava imaginar quanto seria a conta de telefone de Mau nesse mês, mas pelo que ele fala ao celular não devia ser barata, mas ele não se importa, quem paga a conta dele é o padrinho que tem mais dinheiro que o pai.

Terminei com os pratos e fui arrumar a cama, que estava meio camuflada por trás da bagunça.

Assim que terminei com o quarto liguei o computador pra jogar, gostaria que o tempo passasse mais rápido para saber o que meu pai traria para mim, eu sabia que não era de comer, minha mãe não usaria a palavra surpresa para isso, e pensava seriamente que isso tinha sido ideia do meu pai, fazer com que eu ficasse entusiasmado com a surpresa, ele deve ter falado pra ela contar que ia trazer algo. Mas não posso negar que mesmo assim estava entusiasmado, não deve ser bobagem, não mesmo, deve ser uma coisa bem legal por tanto suspense... mas o que será?

Fiquei a pensar enquanto Jogava, horas haviam passado, mas ainda faltavam as mesmas horas pra meu pai chegar, o que deixou o jogo de estratégia monótono.

Eu quase parei pra pensar, em pouco tempo eu já ignorava a tela a minha frente, me veio uma coisa a mente: meu pai promovido, colônia de férias, morando na capital paulista... pra onde eu iria? Por quanto tempo? Me senti um pouco idiota por não ter perguntado, aqui não tem tanta área verde assim, não deve ser perto. Minha mãe ainda não voltara e eu ainda pensava nisso, até que desliguei o computador e não fazia mais nada, a não ser esperar.

Estava na cama jogado quando ouvi a potra se abrir, já havia escurecido. Os cabelos castanho escuro e ondulados nos ombros denunciavam ser minha mãe, quando eu mal enxergava de sono, estava deitado à horas.

Com a mão a passar nos olhos fiz uma pergunta enfatizando uma outra por trás da primeira.

- Mãe?

- Oi filho, a conversa estava boa, tanto assunto...

- Que horas são?

Tenho um relógio de pulso mas quase não uso, não gosto muito.

- Oito e meia.

Confuso, mas nem tanto...

- Pai já não devia ter chegado?

- Ele me ligou, já está chegando.

Não queria entregar o jogo, estava muito ansioso. Tentei não demonstrar interesse.

- Huhun.

- Está com fome?

- Um pouco.

- Vou te preparar um sanduíche.

Assenti com a cabeça enquanto íamos até a cozinha. Não demorava muito, a casa não era pequena, mas também não era grande. A cozinha ficava logo atrás da sala, e nas laterais os quartos e no canto esquerdo o banheiro em um pequeno corredor, três quartos, mas um quarto não era muito usado, por ser filho único e não receber muitas visitas para dormir servia como porta trecos.

O silêncio estava me matando, não resisti.

- Quando ele ligou já tinha saído da loja?

Minha mãe riu.

- Que loja?

Ela era ainda mais sarcástica do que eu.

- Puxa mãe...

- Não vou entregar o jogo filho.

Mas um pouco de pressão e eu sentiria o sangue de meus lábios se encontrando com meus dentes.

- Hahhr.

Mais um riso abafado.

Eu estava quase terminando meu sanduíche quando ouvi a porta se abrir, pouco depois do barulho de motor que quase não fazia, e agora com muito mais entusiasmo, mas me reprimi a morder ainda mais o sanduíche. Minha mãe foi ao encontro dele.

- Puxa Estela, quase que eu não encontro...

Falou como se eu nem estivesse no outro cômodo, mas ficou bem claro que isso fazia parte do jogo.

- Até parece que você não consegue encontrar algo, Mario meu amor.

Tava parecendo teatro. Vencido por eles quase me atirei a sala.

- Oi filho, não percebi que você estava na cozinha, pensei que já estava dormindo.

É claro que ele sabia que eu não estava dormindo, não costumo dormir cedo quando estou de férias. Fiquei um tanto desapontado quando vi algo embrulhado umas três vezes, eu acho. Estava ficando ridículo.

Fiz cara feia pra ele cambaleando levemente minha cabeça pra direita, o que expressava meus sentimentos com exatidão.

- Tudo bem, tudo bem... pegue, é seu.

Logo minha careta se desfez num semblante de curiosidade, não gostava de me comportar como criança, acho que esperavam que eu rasgasse o embrulho em pedacinhos como se aquilo fosse um bife e eu um leão faminto, mas não foi o que fiz, abri educadamente o presente, eles agora é que pareciam ansiosos, olhavam fixamente meu rosto.

- Uma câmera filmadora?

- Semi-profissional.

- Acrescentou meu pai.

- Só não é profissional porque é compacta, a menor da categoria.

Fiquei surpreso com o presente, mas fazia sentido, eles iriam sentir saudade, e eu teria uma câmera pra filmar meu tédio para que pudessem ver.

- Obrigado pai. Gostei muito.

Ele assentiu com a cabeça demonstrando satisfação.

- A propósito...

Perguntei antes que pudessem fazer algum comentário sobre a câmera.

- Pra onde eu vou e por quanto tempo?

Logo senti o clima mudar. Agora sério meu pai respondeu.

- Minas Gerais, uma boa e grande reserva ambiental.

Ele se interrompeu com minha cara de espanto. Quase gaguejando eu perguntei.

- Quanto tem...po?

- Dois meses.

Falou ele sem emoção alguma. Estava eu indo pra guerra? Não fazia sentido.

- Dois meses? Mas isso vai tomar minhas férias totalmente.

Eu estava ainda mais confuso, e quase assustado com tudo isso. Falou minha mãe antes que eu pirasse.

- É por isso que se chama colonia de férias, é a melhor de toda a região e você vai se distrair...

- Mas eu não quero me distrair, e não quero ir pra tão longe...

Meu pai já não falava e minha mãe tentava fazer disso uma discussão totalmente normal quando não era.

- O que você pretende fazer se não for? Jogar esses vídeo games? Ver TV? Ou ficar conversando com seus amigos pelo computador que moram à trezentos metros daqui?

Falou num tom não tão mais ameno.

Puxa, era a segunda vez que eu ficava sem argumento naquele dia. O mundo hoje tava do avesso com certeza.

Não gostaria de ver minha cara de derrota, eu sempre fui muito expressivo quando não queria falar.

Uns instantes de silêncio e eu fiz uma pergunta que parecia ser pra mim mesmo, mas falei em voz alta, era para eles.

- Mas se eu vou pra um acampamento com uma câmera filmadora, e suponho que vocês queiram ver vídeos meus, precisaria de pelo menos um notbook com internet para enviar os vídeos.

Minha mãe parecia mais tranquila com minha mudança no humor, mas meu pai ainda estava cauteloso.

- O que é isso filho... é uma colônia de férias, não um campo militar. Já me informei de tudo, lá tem uma sala com computadores, você vai poder usar duas vezes na semana, por uma hora depois do jantar que é às seis.

Mais uma vez eu me surpreendi, já não seria surpresa se os quartos tivessem ar-condicionado, embora eu não contasse com isso.

- Ok, ok, venceram.

Um pequeno riso preso na boca da minha mãe não saiu.

- Vou dormir, hoje foi muita informação. E à propósito... vou pra uma festa na sexta.

- Hun, festa de despedida é?

- Não, Mau me chamou sem saber que eu ia viajar.

E eu sabia que ele não iria por isso como motivo da festa, que eu não duvidava que um desconhecido cedesse a ele. Não tinha motivo pra comemorar meu exílio.

- Que bom que você vai sair um pouco filho, você devia fazer mais isso.

A maioria dos pais preferia os filhos em casa e à vista, não era o caso dos meus.

Meu pai ainda não falava até que eu disse que ia dormir novamente.

- Boa noite filho.

- Boa noite mãe.

- Boa noite Jon.

Quase sempre ele me chamava assim, vez ou outra ele me chamava de filho, o que era mais usado por minha jovem e linda mãe.

Boa noite pai.

Não herdei seus cabelos castanhos claros ou seus olhos verdes, mas herdei o seu jeito de ficar sozinho sem me isolar, era fácil pra mim, sempre foi muito natural.

Fui pra meu quarto com a câmera na mão dentro da caixa, mesmo ela sendo robusta mas pequena, eu tinha medo de quebrar, que imaginei que logo passaria quando eu começasse a usá-la. Deitei, e em algumas dezenas de minutos estava dormindo.

Quando eu levantei de manhã e vi a câmera do lado do computador eu caí sentado na cama com os fleches de ontem. Pisquei três vezes, levantei e fui olhar a hora em meu celular, eram oito e meia, era relativamente cedo para acordar nas férias. Indo para a cozinha passei pelo quarto de minha mãe que estava entreaberto, ainda dormia, achei estranho. Ela sempre faz o café de pai e vai fazer alguma coisa, geralmente ela vai caminhar. Silenciosamente eu fui fazer meu sanduíche, e pensando no que fazer para passar aquela manhã de quarta-feira e também a tarde. As férias costumavam ser relativamente chatas quando eu passava em casa. Mas isso logo iria mudar. Terminei meu café, lavei os pratos que tinham ficado do jantar do dia anterior, e do café da manhã. Pela quantidade de pratos que tinha hoje e o que juntaria com o café da manhã imaginei que minha mãe nem tivesse se levantado para fazer o café de meu pai, deve ter ido dormir tarde escrevendo, seu trabalho sempre foi sua arte, sempre achei a profissão da minha mãe muito atraente, ser filho de uma escritora me abriu bastante a leitura. Assim que terminei, fui escovar os dentes, que eu não gosto de escovar antes de comer por se misturar com o sabor dos alimentos. Fui organizar meu quarto que não estava tão ruim, mas eu gostaria de ter certeza de onde estariam minhas coisas quando eu viajasse.

Encontrei algumas fotos perto do meu caderno do ano passado, me matriculei na escola atual no primeiro ano, quando as condições financeiras estavam melhores, meus pais sempre se preocupavam com minha educação acadêmica, vivem falando que tem suas profissões porque estudaram. Fiz poucos amigos, nunca me importei com quantidade quando o que tinha me era suficiente, fiz três amigos nesses dois anos, Mau, que é o mais chegado, Danillo e Amanda que não moram tão perto mais são bons amigos. Estava olhando a foto de nós quatro no shopping que íamos algumas sextas-feiras depois da aula que era pela manhã, e vai continuar sendo esse ano, mas Danillo e Amanda vão estudar mais perto de casa, o pai de Danillo que é tio de Amanda não tem tanto tempo para levá-los. Vou passar a ver menos eles, o que reduzia bastante meu quadro de amigos e meus momentos de distração.

Estava quase terminando a arrumação quando minha mãe bateu na porta que estava aberta.

- Você já comeu?

Perguntou minha mãe ainda sonolenta.

- Já sim.

Eu continuava a organizar as coisas enquanto ela olhava o que eu fazia. Pensei que ela quisesse falar alguma coisa mas não falou nada. Se virou e saiu.

Assim que terminei olhei a câmera que ainda estava do lado do computador, peguei e dei uma boa olhada procurando o botão de ligar, eu não iria mexer no manual, a menos que eu precisasse. Testei suas funções e tentei não pensar muito no que eu iria filmar, o chato era eu ter de me filmar para que eles pudessem me ver, ao que parecia o restante me parecia bom, sempre gostei do fotografar, agora era uma experiência nova, mas eu já estava familiarizado.

Já estava quase na hora do almoço, passei um bom tempo testando a câmera, voltei para a cama tentando pensar em algo pra fazer a tarde, já não tinha muita coisa pra fazer. Gostava de ir para uma praça que ficava alguns quarteirões dali, basicamente eu ficava encostado em uma árvore que ficava no centro do parque que devia ter uns 40 anos, a árvore era velha mas o parque tinha passado por uma reforma. Decidido, almoço e vou.

Almocei, falei com minha mãe e saí. Era um dia muito agradável para ser verão, tinha sido uma boa escolha ter saído de casa nesse dia, nem precisei do casaco e nem levei, não esperava voltar tarde. Ao chegar no meu local preferido me sentei e tirei o mp3 do bolso, vendo as pessoas passarem, tentando imaginar o que pensavam, pra onde estavam indo. Eu não sabia pra onde estava indo, pelo menos não exatamente.

Era um dia mediano, sol entre nuvens sem chuva, nem muita gente nem pouca, estava tudo normal demais quando uma garota que provavelmente teria uns 15 anos passou na minha frente relativamente perto me olhando como olhasse se eu fosse oferta em promoção. Deu um sorriso convidativo, eu retribui acenando com a cabeça, seus cabelos castanhos cobriram seu belo sorriso quando ela se virou. Não fiquei tão mexido, não costumava me envolver com facilidade. Só havia namorado uma vez, gostava da garota mas não deu certo por muito tempo, ela gostava muito mais de mim que eu dela, sempre soube que ser atraente as vezes seria um problema, não teria jeito mesmo, meus cabelos castanho escuros curtos e ondulados herdados pela minha mãe, os contornos do rosto, nariz e boca herdados de meu pai e os olhos que eram um mistério por serem fielmente a cópia dos contornos dos de meu pai e com a cor dos da minha mãe. Estava condenado a ser visto como um produto, eu não gostava disso.

Já passava das quatro, o sol ainda levaria um tempo pra se por, mas eu tinha esperanças de que algum dos meus amigos entrassem no messenger para conversamos, guardei meu mp3 e voltei pra casa.

Ao chegar fui tomar banho e enquanto o computador iniciava eu fui pegar um suco, em um minuto eu já estava no messenger. Eu tinha dois, um com os amigos e parentes mais próximos, e outro com os anteriores e os amigos dos amigos, pessoas que eu conversaria em último caso se o tédio fosse demais.

- Oi Jon

- Danillo vive

Não conversávamos desde o último dia de aula, e ele havia saído da escola.

- Claro jon, eu não sou vírus

Sentiria saudade do ano que passou, sentiria falta de Amanda e Danillo, ele sempre teve ótimo senso de humor, e Amanda era do tipo que gostava de chingar, era tão natural que parecia um elogio.

- Não, não é. Como está Amanda?

- Me enchendo como sempre, ela está aqui, está passando as férias comigo

- Boa sorte

- Ela leu isso

Dei risada mas preferi não expressar.

- Leu é? Sorte não ser uma conversa pessoalmente

Adorávamos irritá-lá, e o mais curioso é que ela parecia gostar.

- Acho que sim, ela está dando um sorriso agora, puxa... isso é macabro!

- Então nada fora do comum

- Algo novo Jon?

Lembrei do que Mau havia dito.

- Deportado

- Han?

- Meus pais vão me mandar pra uma colônia de férias

- Se serve de consolo eu vou achar uma droga a escola nova

- você nem começou a estudar nela ainda

- Então não sei o que dizer

- Nem precisa, Mau falou: Cilada!

- E ele tem razão

- É, mas com ou sem razão eu vou ter que ir

- Barra, gostaria de poder ajudar

- Tudo bem, meus pais estão decididos.

Me pausei um pouco, pensei. Tinha sido uma boa ideia entrar no messenger 1, não era ma boa hora para conversar besteiras com pessoas que eu não tenho contato. E eu continuava a pensar na decisão de meus pais.

Continuei.

- Mas não se preocupe, se eu sobreviver a isso volto em 2 meses

- Dois meses?

- É, dois meses

- A Amanda ta dizendo que acha que você aprontou.

- Bem, antes fosse isso... eu não faço ideia do motivo pra tudo isso

A conversa depois disso ficou ficou monótona, basicamente conversamos sobre o que aconteceu nas férias, ou o que não aconteceu. Demorei bastante, basicamente só conversei com Danillo e vez ou outra Amanda fazia um comentário. Não quis conversar com mais ninguém, eu estava meio triste, ou desapontado, ou os dois. Já havia pensado sobre isso mas eu não tinha reparado que meu pai estava introspectivo demais, talvez escondesse algo, minha mãe não era mais o alvo, ela não iria me falar nada se estivesse acontecendo alguma coisa, mas meu pai podia soltar algo sem querer.

Saí do messenger quando minha mãe gritou que o café estava pronto. Eu logo fui, comi, ela falou coisa ou outra sobre meu passeio, mas mesmo que ela tentasse não parecia natural.

Terminei de Jantar e fui dormir, pensando em uma forma de fazer com que meu pai me passasse uma informação que me fizesse entender o que estava acontecendo.

Era quinta-feira, por mais que não parecesse a semana custava a passar, não estava ansioso para ir, mas de certa forma as horas se arrastavam.

Quase que automaticamente eu lembrei de meus pensamentos da noite anterior, e pensei, meu pai, talvez eu tivesse alguma chance no sábado já que a minha mãe sempre iria ao supermercado, e meu pai trabalhava em casa, no seu notbook e com o celular do lado. Bem, se existia alguma chance era essa. Agora que eu pensava nisso as horas custariam ainda mais a passar, não tinha jeito, eu teria que esperar.

Abri a porta com um solavanco amistoso para sair do quarto vi minha mãe no fogão.

- Hoje eu não fui tão rápida, você acordou mais cedo que de costume.

Bem, eu tinha ido dormir depois de jantar, que havia sido cedo. Por volta das 19:30, já que meu pai ligou avisando que iria chegar mais tarde.

- É, não tinha nada pra fazer, fui dormir cedo.

- Deve ter sido Ansiosidade.

- Deve ter sido.

Falei com sarcasmo. E logo perguntei algo dispensável para fugir do assunto.

- Torradas?

- Com molho de tomate, queijo e alho.

Sempre gostei das misturas da minha mãe, ela parecia um livro de culinária.

Eu sorri enquanto sentia o cheiro que já me consumia, não estava faminto, mas se eu tivesse de esperar mais logo eu estaria.

- Puxa...

Falou ela.

- Algo errado?

- Não, é que já é quinta quase não tem mais frutas.

Não disse nada, apenas analisei a situação, torcendo pra que ela não mudasse os planos e fizesse compras antes do sábado, eu já teria bastante problemas com meu sono no sábado já que Mau me obrigara a ir a uma festa na sexta. Assim que eu chegasse da festa colocaria meu plano em ação.

Então falou por fim.

- Vou ver o que faço, ainda tem bastante laranja.

Fiquei aliviado, e mordi outro pedaço de sua torrada ao molho.

- Que horas são?

Perguntei.

- Sete e meia.

Respondeu sem se interessar pela pergunta.

- Hun.

Meu pai já havia saído à meia hora, o trabalho não ficava longe, o trânsito nessa rota não era tão caótico. Ele sempre acordava as seis, com exceção dos domingos, mas seria bom eu voltar ao amanhecer da festa, assim eu poderia agir, já que o pai de Mau viria me buscar e trazer eu teria que ir até ele.

- Vou sair mais tarde, você vai sair também?

Não que ela fosse me levar, já que ela não gostava de dirigir minha mãe costumava pegar taxe ou ônibus, apesar de termos outro carro.

- Não, vou ficar em casa.

- Vou pagar umas contas e te comprar umas roupas, eu te chamaria mas sei que você detesta.

- É, mas não preciso de roupas novas, você comprou mês passado.

- Filho, Mês passado foi ano passado, e as roupas de que você fala foram as de fim de ano, não contam.

Não me importava dela comprar minhas roupas, ela sempre teve bom gosto e sabia do que eu gostava.

- Tudo bem então. Tem uma festa amanhã, vai ser uma boa.

Festa? Bem eu não pensei exatamente nisso mas foi bom você ter me lembrado.

- Han? Do que você está falando?

- Vou comprar roupas pra sua viagem.

- Quê?

- Como o quê? Você vai precisar de roupas apropriadas.

A discussão pós-café estava sendo cansativa.

- Apropriadas..., se você diz.

Não quis continuar aquilo.

- E sim, vou te trazer uma roupa linda pra você sair amanhã.

- Obrigado.

Agradeci Seriamente, meu semblante não devia lá ter muitas emoções.

Escovei os dentes e fui para o meu computador jogar um pouco e escutar música para talvez aliviar minha mente tão tumultuada.

O Sol já estava no centro do céu quando minha Mãe voltou, pelos passos apressados eu pude ter certeza de que ela viria primeiro ao meu quarto.

- Nossa, o Shopping estava uma loucura.

- Devia estar mesmo.

Analisei seu estado, parecia cansada. Comprar lhe custou a manhã inteira.

- É, eu tive que ver algumas lojas. Mas não consegui pagar as contas, pode fazer isso pra mim?

Ela havia demorado um pouco amais do que precisava, ela sempre teve um bom olho para compras. Sempre pareceu que as coisas que ela procurava as achava. Achei estranho.

- Claro. Assim que almoçar eu vou.

Ela saiu, escutei o barulho da bolsa sendo lançada na cama. Logo ela estava no fogão. Parecia que seu cansaço se foi.

Enquanto eu pegava a toalha olhei um pouco mais interessado as roupas novas que estavam em cima de minha cama, quinze sacolas de três lojas diferentes, isso era a cara dela. Abri uma vi que não serviria para hoje, era um moletom, descartei essa marca e pulei para outra, peguei uma calça jeans preta e uma camisa pólo de um verde musgo bem escuro e separei para usar. Olhei para o celular em cima ao lado do computador e resolvi fazer daquilo mais do que só uma tarefa.

- Fala jon!

- Oi Mau, o que você ta fazendo?

- Acabei de comer. Você tem planos?

- Tenho, minha mãe pediu para fazer um pagamento.

- Você vai no shopping?

- Vamos.

- Falou. Você tem dinheiro?

- Tenho sim. Vou tomar banho, comer algo e passo aí.

- Beleza, mas vê se não come muito, agente tem que por pra dentro uma pizza que já nos espera à meses.

- Foi mês passado Mau.

- Pra mim parece mais.

- Sempre parece.

- É.

- Até mais

- Não demora Jon, eu já tô quase pronto.

- Pensei que você assim como eu sempre tomasse banho antes do almoço.

- E ainda não tomei, só estou te apressando porque você passa uma vida na mesa comendo.

- Ta, ta. Estou indo.

Assim que eu desliguei joguei o celular ao lado da roupa chequei minha carteira pra ter certeza de que eu não iria precisar pedir mais, não precisei e eu costumava guardar uma parte quando eu pedia e passava um tempo sem pedir, ela faria a alegria dos ladrões se me pegassem. Eu não dava muito valor as coisas materiais por causa do meu pai, que sempre me disse que o maior valor está no que é conquistado, minha mãe não era consumista sem causa, mas ela sempre viu necessidade nas pequenas coisas.

Assim que terminei fui comer algo mas avisei pra minha mãe que eu iria estender a minha saída, ela sabia que quando eu saia para o shopping com meus amigos eu sempre comia fora. Mas sentei com boa vontade para comer um pouco.

- Você tem dinheiro?

- Perguntou

- Tenho sim.

- Achei linda essa camisa verde. Em você faz ela ficar ainda melhor.

- Coitada das mães, assim que assumem a maternidade perdem parte da visão.

- Ela parou e olhou pra mim como se eu a ofendesse.

- Eu também gostei.

Pareceu que eu devia completar.

- Tô um gato...

Ela riu, eu adorava fazer ela rir.

- Um gato.

Eu sabia que eu não estava nada mal. Mas não saia dizendo isso, sempre detestei esse tipo de coisa.

Levantei da mesa, escovei os dentes, beijei minha mãe no rosto e saí.

Além de ser relativamente perto a casa de Mau ficava a caminho do ponto de ônibus.

Logo cheguei ao apartamento de Mau, eu não fazia ideia de como ele conseguia morar no oitavo andar...

Toquei o interfone.

- Você chegou cedo.

- Não, foi você que se atrasou...

- É brincadeira, eu tava te esperando.

- Ta esperando o quê pra descer?

- Você se estressar, já consegui. Tô descendo.

Fiquei encostado no muro esperando, olhando a rua pouco movimentada. Uma senhora com um cachorrinho antipático, um moleque trazendo uma sacola e uma garota concentrada em seu telefonema quando passava, apenas isso enfeitava a rua de vida enquanto eu esperava.

Uma batida no portão de ferro e um comentário infame.

- Acho que você se adiantou para a festa de amanhã, quer que eu troque de roupa pra esperar com você?

Tornei minha cabeça para a direita com a sobrancelha esquerda repuxada.

- Por que eu faria isso? O anjo da night precisa dormir de dia.

As pessoas que conheciam ele das baladas o chamavam assim, Anjo da night por seu cabelo castanho quase louro curto e ondulado, olhos verdes e pele branca, , e da night não deve ser muito difícil imaginar. Eu não costumava chamá-lo assim, a não ser para caçoar, eu nunca gostei de chamar atenção, e perto dele eu era muito comum por meus cabelos castanho escuro e meus olhos castanhos claro.

- Tudo bem, venceu. Sem mais comentários, mas é uma bela camisa, vai conseguir superá-la amanhã?

Já falávamos enquanto saíamos.

- Não sei, não vi todas as sacolas.

- Sacolas? Como você consegue?

- Curiosidade pra mim não é uma necessidade.

- Maluco...

Dei risada.

Já nos aproximáva-mos do ponto de ônibus.

- Você tem falado com Danillo e Amanda?

Perguntou.

- Ontem, no messenger.

- Hun, Tô com problemas de rede la em casa, não entro há uma semana. Como eles estão?

Subimos no ônibus.

- Bem, eles ficaram meio entediados com as férias.

- Não são só eles.

- Logo você que vai à festas toda semana...

- Já tive férias melhores.

- É, eu também.

Chegamos no shopping e logo fomos fazer o pagamento, que já nem era mais o principal de estarmos ali.

- Você tem algum filme em mente?

Perguntei.

- Não, eu pensei que você tinha, já que foi você que me convidou.

- Não é nenhuma novidade eu esperar por você enquanto você espera por mim.

- Ta, ta, ta. Agente vê qualquer um.

- Você falou que tava meio entediado, tem algum motivo específico pra isso?

- Ele fez meia careta por minha pergunta.

- E deve existir um motivo pra uma pessoa comum se entediar?

- Bom, comum você não é, que eu sei, age como se fosse mas é estranho. Na verdade eu fiquei surpreso por você não ter viajado nessas férias.

Ele se retorceu pra falar, mas já era minha vez na fila da lotérica.

Não falamos nada, esperamos sair dali para ir até o cinema.

- É que...

- Fala, pode falar.

- A empresa do meu padrinho ta falindo. E você sabe que meu pai é acionista...

- Vocês vão perder tudo?

- Quase tudo, meu pai foi sensato por ter feito uma conta reserva.

- Puxa Mau...

- A vida não vai mais ser fácil.

- E não costuma ser...

Me pausei.

- Por que você não me disse antes?

- Só me contaram ontem, meu pai disse que já havia uma queda mas que ainda podia ser revertida, investimento de risco foi o que ele disse. Só afundou mais. Ele só me falou quando já não tinha jeito.

- Você não tem ânimo pra ver filme não é?

- Não.

Tentei segurar minha reação, Mau levava uma vida de festas e viagens. Não conseguia vê-lo de outra forma.

- Quer ir embora?

- Não, ficar em casa só vai piorar. Meu pai ta tentando segurar as pontas mas eu não vou ajudar muito do meu quarto.

Pra Mau o conforto sempre foi uma necessidade, ele não se importava com o que o dinheiro representava, mas com o que lhe proporcionava.

Não consegui dizer muita coisa, nós basicamente assistimos a um filme de suspense que já era na próxima sessão.

Assim que saímos fomos até a praça de Alimentação.

- Essa eu pago.

Falei.

- Jon, eu ainda posso pagar uma pizza.

Falou com um semblante fechado.

- Wowh... Calma aí, você pagou a última não se lembra? É a minha vez.

Ele não respondeu. Seu semblante era outro depois de ter contado.

Enquanto comíamos uma garota passou por nós. Ele acompanhou com os olhos.

- A preocupação pode te tirar o apetite, mas não o extinto de caçar.

Ele riu. Foi seu primeiro sorriso espontâneo, já que eu eliminara quando ele soltou uma piada quando me viu.

- Os extintos são para a vida.

Dei risada de seu comentário de duplo sentido.

- Mau, não precisa ver isso como uma tragédia, eu imagino o que você está passando mas a vida não é só dinheiro.

Ele não falou nada, apenas virou o ombro para mudar a posição na cadeira enquanto largava o segundo pedaço de pizza mordido.

Disse-lhe.

- Você pode contar comigo, sabe disso, no que precisar.

- Eu sei.

- Se você quiser não vamos a essa festa.

- Ta louco? Não vou deixar que você vá sem uma festa pra se despedir.

Dei risada. Seu ânimo foi quase impressionante se contar com a situação.

- Tudo bem, eu vou...

- Vamos.

- Costumávamos comer os caroços das azeitonas...

Fiz um comentário à comida desperdiçada.

- Veja por esse lado Jon, Pizza não é saudável.

- Você me dizendo isso? Piada!

Não falou mais nada. Mas parecia um pouco aliviado.

Quando saímos do Shopping já havia escurecido. Fomos até a casa dele e eu me despedí indo em direção à minha.

Pensei em minha viagem, seria difícil acompanhar Mau com a distância. Só mais uma coisa pra me preocupar.

Bati a porta de leve, mas senti ruídos sessarem.

- Oi mãe, pai.

- Como foi o cinema filho?

- O cinema? Não consegui prestar atenção direito no filme, Mau ta com problemas.

- É com os pais dele?

- Não, financeiro.

- Vou falar com Fábio amanhã depois do expediente.

Falou meu pai com sua voz solene.

- Acha que consegue empregar o pai de Mau na empresa?

Perguntei entusiasmado.

- Sim, vou ver o que posso fazer por ele.

Meu pai conhecia o pai de Mau a alguns anos, não tinham muito contato porque cada um vivia enclausurado em seus papeis.

- Boa noite.

- Disse ao dois

- Boa noite filho.

- Boa noite Jon.

Saí da cozinha na direção do meu quarto e achei estranho que a conversa havia sessado. Peguei roupas leves, era verão mas a noite esfriava. Depois do banho eu fui jogar até tarde, amanhã eu pretendia dormir o dia inteiro para a balada. Mas eu estava mas ansioso para sábado, eu já tinha um plano pra fazer meu pai falar algo.

Gibson Cleiton
Enviado por Gibson Cleiton em 01/08/2010
Código do texto: T2411615
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