A tão crida reciprocidade

Até onde pode haver reciprocidade? Acho que ninguém é plenamente correspondido em tudo. Deposita-se muita confiança, consideração, carinho, amor, atenção e tudo o mais. Depositamos tanto, e, muitas vezes, não porque queremos que os outros se sintam correspondidos quanto ao amor, ao carinho, à consideração e à atenção depositados em nós, mas porque necessitamos disso para que nos sintamos bem.

Queremos amar, amamos achar que muitas pessoas merecem ser consideradas por nós. Desse modo, sabemos que temos alguém a quem dizer que é importante, o que nos leva a sentir que somos importantes para alguém. É muito difícil um ser humano ter certeza de que não é correspondido e FAZER QUESTÃO de continuar amando, considerando e dando atenção àquele(a) namorado(a) ou amigo(a), por exemplo.

Doo-me sem esperar em troca, mas talvez o faça porque acho que tenho em troca. Talvez, se eu me sentisse menos amada, menos respeitada e com menos amigos "fieis", eu quisesse, de forma explícita, cobrar tudo o que faço por alguém.

Queremos que as pessoas sofram conosco, quando estamos sofrendo, para termos a certeza de que se importam; que elas riam do que rimos; que gostem do que gostamos; que admirem o que admiramos. Quanto egoísmo! Na prática, não é o que demonstramos, mas, no fundo é o que desejamos: um mundo que esteja, no fim de tudo, de acordo com nossas palavras e atitudes.

Costumamos classificar os amigos em bons e melhores pelo que fazem por nós. “Você se tornou essencial nos meus dias. Amigos verdadeiros não só nos acompanham nos bons momentos, mas também nos maus. Obrigada por tudo!” Quem nunca ouviu/recebeu algo do tipo? Por que sempre agradecemos? Vejo, nesse “obrigada por tudo” uma interpretação secundária: obrigada por fazer com que eu me sinta muito especial.

Não queremos ver a realidade que pode destruir em nós a nossa própria boa imagem. Do que sentimos pelos que nos rodeiam, geralmente a maior parte surgiu de dentro de nós, repentina e inconscientemente, como forma de agradecimento ou "pagamento", como queiram.

Fujo da falsa reciprocidade. Não quero achar que serei amada o quanto eu amar e que confiarão em mim, com a mesma intensidade, as pessoas em quem eu confiar. Eu li algo que dizia mais ou menos assim: “Há uma distância de quilômetros entre saber-se amado e sentir-se amado”. Eu achava que me sentir amada seria melhor, mas, quando me dei conta de que poderia me sentir mais amada e "protegida" do que realmente era, achei que me saber amada seria o bastante. Afinal, ninguém pode ver tudo o que há dentro do outro. À intensidade com que ele sente, não poderei ter acesso. Ou você se dispõe a doar-se tentando, ao máximo, não esperar a mesma intensidade com que você sabe que sente e que demonstra em troca ou você não se doa, só cobra, só sufoca.

Mas não há mesmo como saber até onde vai a reciprocidade. Até um abraço pode não ser recíproco. É raro um abraço ter sempre o mesmo significado para as mesmas duas pessoas. O valor dos abraços estará sempre se alternando: um dia vai valer mais para o amigo que terminou o namoro do que para o que acabou de ser promovido; outro dia valerá mais para o chefe que perdeu a mãe do que para o que acabou de salvar seu casamento. A tendência é valer mais para o que está na situação aparentemente mais crítica.

Até onde há reciprocidade?Descobri que viver bem, simplesmente, não exige que se saiba a resposta. Do amor tudo pode fluir e da forma mais sincera possível; sem dúvidas que se sobrepõem à relação e sem tantas cobranças (in)conscientes.

Acira
Enviado por Acira em 01/08/2010
Reeditado em 13/09/2011
Código do texto: T2411411
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