Entre a vida e a janela
Todas as manhãs cinzas de Grayville são sempre iguais, com o nascer do sol falho, Roger desponta lá fora, saindo da casa ao lado para cruzar meu gramado. Nesse momento eu sinto seu olhar rápido para dentro da janela acompanhando um vulto que deixou recentemente só o bater das cortinas.
É o vento! - ele dever pensar.
Porém sequer desconfia que eu esteja lá, sob elas e o quanto isso é importante para mim, para a garota que ele não conhece, mas já conheceu tão bem um dia que prometeu seus pensamentos todos a ela.
Assim se iniciou o inevitável destino que leva a essa história.
Eu costumava ser Jane, uma Nerd metida à cientista, porém normal, só que meio tímida, ficava com os amigos que tinha e pronto, mas um dia, numa de minhas pesquisas costumeiras na biblioteca ele apareceu pela primeira vez. Não pude deixar de reparar no seu jeito sério, introspectivo, como se o mundo fosse dele e ninguém mais estivesse lá, me senti completamente ignorada, até quando eu disfarçava os olhares maciços que dava, ele parecia ignorar, depois descobri que ele era meu novo vizinho e tinha o mesmo comportamento. Foi quando resolvi bancar a Deusa da ciência e me lembrei de um de meus projetos que tinha acabado de inventar.
Tratava-se de um Projetor de Mundo Virtual 3D, onde através de programação, cálculos matemáticos e muita imaginação eu podia criar um mundo virtual alternativo do jeito que queria para viver a minha realidade, o meu mundo.
Só que seus efeitos, pelos meus cálculos, só podiam durar 24 horas e isso na teoria, pois ainda não havia testado antes. Não pensei em nada, liguei a máquina e programei tudo, no segundo seguinte lá estava eu em meu quarto, quando alguém tocou a campainha, era Roger meio sem saber o que fazia ali e porque falava comigo, mas ele falava. Nem quis saber de nada, só aproveitei o tempo como o último de nossas vidas, passeando pela cidade, compartilhando os segredos, as teorias doidas de cientista maluca, até que surgiu a aposta que se ganhasse ele me daria todos os seus pensamentos.
E um beijo! - completei gritando.
Ganhei! – gritei em seguida, roubando o beijo dos sonhos dos últimos tempos.
Foi aí que tudo começou a desmoronar, se apagar, Roger começou a passar mal e seu coração começou a falhar. Pois o que os testes não realizados me diriam é que ficando naquele tempo x espaço alternativo seu metabolismo estava se degenerando e ele iria morrer logo se não fizesse alguma coisa, depois seria minha vez. Para que saíssemos dali, despejei uma descarga elétrica em nós que nos salvou, mas também apagaram seus pensamentos, suas lembranças e comigo não aconteceu nada para permanecer com a memória pela culpa do que fiz.
Pior foi descobrir que com o choque, agora poderíamos passar uma corrente perigosa um ao outro se nos tocássemos e o contato seria impossível. Pouco a pouco fui perdendo os amigos, as idéias, o gosto para tudo. Só esperando que cada dia amanhecesse mais depressa depois do outro para vê-lo passar, me perguntando se valeu a pena, se não teria sido mais simples cruzar seu caminho e ter sido feliz ou até pensando num jeito de reverter isso sem nos matar. Porém do que eu tenho certeza a cada nova manhã é que estou longe dele, estou entre a vida e a janela.