[Original] Refém de você - Capitulo 4
Capítulo 4
No domingo Leandro decidiu que não veria Angélica, pois queria passar um dia sozinho com os pais. Não houve protesto, apenas uma leve troca de farpa dela: “Ótimo, vou me livrar de você.”
O garoto levou os pais nos melhores pontos turísticos de São Paulo. Realizaram o desejo do pai de andar de metrô e o da mãe de conhecer um shopping.
- Por que não trouxe a Angélica, filho? – Perguntou Eleonora, enquanto almoçavam no mercadão municipal.
- Ela preferiu ficar em casa. – Respondeu, simplesmente. – Mais tarde eu vou visitá-la.
- Vocês parecem se gostar bastante. – Observou a mulher. – O jeito que se olhavam...
- Eu gosto dela. – Mentiu. E sorriu forçado. Era estranho como um dia conseguiu mudar algumas coisas que pensava a respeito de Angélica.
E mais tarde, quando voltavam do passeio Leandro teve a infelicidade de ver Angélica conversando com o verdadeiro namorado na praça. Eram um casal bonito – admitiu – João era alto, tão loiro quanto ela, olhos azuis e um sorriso de comercial de creme dental. Combinavam irritantemente.
Já em casa, a primeira coisa que fez foi mandar uma mensagem para o celular de Angélica.
“Sua inteligência realmente me surpreende.”
A resposta veio logo depois.
“O que eu fiz?”
Ele riu amargurado antes de digitar a resposta.
“Que merda você estava fazendo com o João próximo da minha casa???”
Dessa vez a mensagem de Angélica demorou a chegar.
“Foi mal...”
“Você fez de propósito, né?”
Invés de responder, ela ligou. Leandro atendeu prontamente.
“Não foi de propósito! O João queria andar, acabamos parando na praça.”
- Sorte que ninguém te viu.
“E como foi o passeio com eles?”
- Melhor impossível. – A resposta fora seca. Do outro lado da linha, ela deu um muxoxo, chateada. - Até amanhã.
“Leandro.”
Um arrepio traidor percorreu todo seu corpo com a suavidade da voz dela pronunciando seu nome.
- O que?
“Posso ir aí mais tarde?”
- Não.
“Tudo bem...”
- Eu passo na sua casa mais tarde.
Quando finalizou a ligação, ele sabia que Angélica estava sorrindo.
Ela estava deitada assistindo à televisão quando ouviu uma batida vinda da janela. O coração disparou e seus olhos arregalaram.
- Abre aqui antes que eu caia! – Seu coração acalmou quando ouviu a voz de Leandro. – Vai droga!
Levantou-se rapidamente e abriu a janela de vidro. Ele entrou feito um gatuno em seu quarto. Era a primeira vez que entrava na casa de Angélica.
- Eu achei que você viria mais cedo.
- Só deu pra vir agora. E não reclama, sei que está feliz por me ver. – Angélica fez um “tsc” em reprovação. – Quarto legal.
- Obrigada.
Angélica observava cada passo de Leandro. A vontade que tinha era apenas uma, mas tinha que resistir.
- Não tenho muito o que fazer aqui, mas me deu vontade de vir. Acho que é esse negócio de relacionamento. – Deu de ombros.
Era uma desculpa esfarrapada, mas era a melhor resposta que tinha para o momento.
- Isso se chama saudade.
- Ah, por favor. – Andou pelo quarto. Algumas pelúcias pelo quarto, travesseiros decorativos, um mesa com um computador de última geração e uma estante cheia de cd’s e livros. Surpreendeu com o bom gosto musical e literário da garota. – Você gosta de MPB... Coisa rara hoje em dia.
Ela notou a surpresa no tom de voz dele.
- Influência familiar. – Deu de ombros. - Meu padrinho é músico.
Sorriu em aprovação. Era fã de música popular brasileira.
- E livros?
- Meu pai dava aula de literatura e me ensinou a ter gosto por livros. – Leandro sabia que o pai de Angélica falecera a 2 anos pois no dia que a diretora fora contar a ela, os dois estavam discutindo no corredor do ensino médio.
- E porque você se comporta como uma vadia babaca na escola? – Perguntou, sincero. Angélica deu um muxoxo, impaciente. Não queria entrar nesse assunto. – Ok, você não quer falar.
- Se você não é esperto o mundo te passa a rasteira. – Leandro não conseguiu segurar o riso. – Ah, lá vai você!
- Se tem uma coisa que você tá longe, é de ser esperta.
- Ah, claro! Você é a pessoa mais aplicada pra falar de mim!
- Pior que eu sou. – Ela ia protestar, mas Leandro a silenciou com o olhar. – Poderíamos ser amigos se você não se comportasse como se comporta.
- Eu não quero ser sua amiga.
- Eu também não quero ser seu amigo, mas a nossa relação tem que ser no mínimo boa já que vamos ficar por um mês. – Aos ouvidos de Angélica, a palavra “ficar” soara ambígua. – Vou tentar me controlar com as coisas que eu te falo.
- Tudo bem. - Ele a olhou na espera que fizesse alguma promessa em prol da relação deles. – O que?
- Você não vai me dizer nada?
- Eu tenho algo pra te dizer? – Leandro revirou os olhos. – Ah, tudo bem! Vou me controlar também. Eu não tenho muita escolhas nesse namoro, né? É tipo "faz por bem ou faz por mal". – Ele assentiu, olhando curiosamente um violão roxo encostado ao lado do guarda-roupa dela.
- Você toca? – Fitou-a, surpreso. Angélica corou instantaneamente. – Mentira, cara! Eu sempre quis aprender a tocar violão! – Exclamou, maravilhado. Ela sabia o que viria a seguir. – Toca uma música pra mim?
- Nem pensar!
- Por que? – Perguntou, fazendo um bico infantil. – Por favor!!
- Não, é sério... Eu-eu não sei tocar! – Como em toda a vez que entrava no assunto, a garota sentiu os olhos embargarem junto com o nó formando na garganta.- A única loira que eu achei que sabia tocar violão era a Taylor Swift. – Brincou, ainda olhando o violão. Notou o silêncio de Angélica. – O que foi?
- Eu não toco desde que meu pai faleceu.
Não fora a declaração que o fez se calar, mas sim o olhar perdido e triste que ela deu. Os olhos opacos, tristes. Leandro abriu os braços, chamando-a e Angélica foi aos prantos. Abraçaram-se por um longo tempo. Os cheiros misturando um ao outro. Ela respirou o cheiro sob a pele do pescoço e entorpeceu-se. Era o melhor abraço que recebia nos últimos tempos.
Ele limpou suas lágrimas, fitando-a carinhosamente. Sentiu-se mergulhar no verde dos olhos dela. E como esperado por ambos, o beijo veio em seguida. Suave, mas urgente. Leandro a beijou pra curar sua dor, como se pudesse dizer com os lábios que queria tomar todo o seu sofrimento.
Quando se afastaram, ele estava sem ar. Olhou Angélica por um longo tempo até sair do quarto, em silêncio.