AS AVENTURAS DE DUDU E A SEITA DO DIABO (13)

29

Ao contrário de todas as expectativas, Dudu sentiu-se bem o bastante para descer na manhã seguinte para o café. O seu estômago estava murcho de tanto vomitar e ele precisava desesperadamente comer alguma coisa, pois se sentia fraco. Fabrício sentou ao lado dele, com a expressão desconfiada. Joana apareceu de repente, de ótimo humor. Até parecia mais jovem. Ao ver o neto, exclamou:

- Mas que maravilha ver você novamente em pé! Achei que perderia nossa festa.

Dudu ficou sem graça e respondeu:

- Já me sinto um pouco melhor.

Entregue à própria sorte, Dudu sabia que lhe faltariam pernas para fugir da fazenda.

- Como ficaram as fantasias?

Fabrício e Dudu haviam experimentado as fantasias assim que acordaram e para espanto dos dois, ficaram perfeitas. Dudu respondeu:

- Ótimas, vovó.

Um movimento na casa chamou a atenção dos dois. Eram pessoas que já estavam lá, começando a aprontar a decoração. Fanny surgiu com um bule de leite e disse:

- É melhor despachar estes dois para o lado de fora da casa, Joana. Vai ter muito movimento aqui e eles vão atrapalhar o pessoal da decoração e do som.

- Eu posso ficar na biblioteca – assegurou Dudu, meio tonto.

Fabrício, perdido e sem chão, quase disse que preferia ficar bem longe de lá. O primo, que poderia ajudá-lo em uma fuga, encontrava-se fraco demais para qualquer coisa que envolvesse maiores esforços, sem falar que estavam sem comunicação com o resto mundo. O cerco se fechava. Fabrício pensou em fugir sozinho e buscar ajuda, mas não teria coragem de deixar Dudu, doente e sozinho na fazenda. Eles estavam perdidos e não podiam fazer nada.

Antes que Dudu se enfiasse na biblioteca, Fabrício decidiu levá-lo para pegar um pouco de sol, do lado de fora. Ambos se sentaram na sombra de uma árvore, lado a lado. A paz parecia reinar ali. Era só impressão.

Dudu disse:

- Podemos fugir durante a festa, antes que as coisas comecem a acontecer por aqui.

- Dudu, você ainda está fraco. Que condições você tem de fugir daqui? – perguntou Fabrício, exasperado.

- Correndo. Vamos dar um jeito de fugir daqui correndo. Acho que mais tarde vou melhorar e adquirir mais forças.

- Escute bem: não devemos comer nem beber nesta festa. Eles vão nos sacrificar. Podem querer que fiquemos bêbados ou envenenados para que tudo se torne mais fácil. Não beba nem água.

Dudu assentiu. Perguntou:

- E o que será que vovó Joana pretende dizer aos nossos pais? Que morremos de causa desconhecida?

- Ou que simplesmente desaparecemos. Eles podem sumir com nossos corpos, queimar-nos e oferecer nossas cinzas ao demo.

Dudu pareceu ficar mais pálido.

- É impressionante pensar que eu vou ter um final destes. Muito triste mesmo...

- Você acha que consegue correr?

- Vou descansar bastante hoje. E na escuridão, fica mais fácil fugir delas. Mas escute. Posso até ser sacrificado. Só que elas não fiquem pensando que será fácil. Vou lutar até o fim.

- Claro, eu também. Porém lembre-se que à noite não serão apenas elas. Serão muitos atrás de nós dois.

- Se eu sair vivo daqui, vou escrever um livro. Será que vai vender?

- Como você consegue pensar em dinheiro em uma hora destas? – repreendeu Fabrício.

- Quer que eu pense em meu sangue sendo oferecido para o diabo?

- Maldita hora que você resolveu fazer companhia para vovó. Olha o que deu sua boa ação...

- Pior você que não acreditou em mim e não trouxe meu pai. Nada disto estaria acontecendo…

- Tudo bem, já sei. Não adianta brigarmos. Temos de nos unir para sairmos daqui vivos.

Dudu respirou fundo.

- Quer saber? Estou apavorado.

- Eu estou em pânico.

- E agora?

- Vamos rezar.

30

Devidamente fantasiados, Dudu e Fabrício observavam os convidados de vovó Joana chegar. Ela estava divina em uma fantasia de Cleópatra. O mesmo não dava para dizer de Fanny, fantasiada de odalisca, arrancando gargalhadas dos dois jovens que nem procuravam disfarçar o quanto estavam achando-a ridícula. Com exceção de Fanny, todos estavam muito bem. Nunca Dudu vira tantas fantasias de tirarem o fôlego. Fabrício também estava impressionado, apesar de estar se sentindo um bobalhão vestido de zumbi. Fabrício se imaginou correndo pela estradinha de terra, seguido por um diabo que ainda não estava totalmente recuperado do seu mal estar da noite anterior. Se não fosse pelo medo que eles sentiam, com certeza iriam aproveitar a festa de vovó Joana em todos os seus momentos.

De repente, Dudu perguntou:

- Por que eles estão todos mascarados?

- O quê? – perguntou Fabrício, surpreso. Estava absorto vendo uma convidada se rebolando em uma dança do ventre.

- Fabrício, veja. Estão todos mascarados! Menos nós dois!

Se não fosse a música alta, todos teriam escutado o berro de Dudu. Fabrício desviou o olhar para as outras pessoas e um aperto no peito quase o sufocou. Até mesmo a dançarina do ventre estava mascarada. Os únicos que estavam com o rosto à mostra eram eles dois.

- Você tem razão – concordou Fabrício, branco feito papel – Vovó Joana esqueceu de nos dar as máscaras.

- Não esqueceu nada! Ela fez de propósito, para não nos perder de vista!

Fabrício e Dudu se aproximaram até ficarem com os ombros colados. Olharam em volta e todos pareciam se divertir ao mesmo tempo em que pareciam observar os meninos. Fabrício disse, quase gritando:

- Eles estão de máscaras porque são da seita! Ninguém aqui quer mostrar o rosto para nós dois!

O coração de Dudu quase saltou da boca. As mãos dele começaram a suar.

- Estamos perdidos!

Nenhum deles mais se esforçava em disfarçar o terror. Fabrício decidiu reagir. Puxou Dudu pela fantasia, dizendo:

- Vamos fugir daqui agora!

Empurrando os convidados mascarados da avó, Fabrício foi abrindo passagem entre as pessoas, arrastando Dudu pelo caminho. Quando chegaram próximos da porta, um homem fantasiado de pirata fechou-a, bruscamente.

- Vamos sair pela janela – falou Fabrício, sentindo o suor escorrer pelas costas.

Tropeçando nas pessoas e sentindo a náusea subir-lhe pela boca, Dudu sentia seu mundo rodar. Não podia cair duro em uma hora daquelas. Se isto acontecesse, seria o fim, a morte certa. Ele sabia que nunca seu primo o deixaria naquela fazenda, sozinho. Portanto, tinha que ser forte o bastante para não desabar e tentar controlar o estômago revoltado.

Porém, antes de chegarem até as janelas, as luzes se apagaram de repente. Dudu tropeçou em Fabrício que, em um primeiro momento, ficou totalmente perdido, sem se dar conta do que acontecera. Em seguida, quando os olhos dos primos se acostumaram com a escuridão, para seu imenso terror, eles repararam que os olhos de todas aquelas pessoas pareciam brilhar no escuro. Era somente isto que eles viam: olhos sinistros brilhando na escuridão. E agora, silêncio pairava no salão.

Uma chama começa a se mover, silenciosamente, em direção às escadas. Dudu cochichou no ouvido de Fabrício:

- Aquela luz está andando sozinha. Veja o que eles são capazes de fazer!

- Não, seu burro! – Fabrício estava extremamente nervoso – Alguém está conduzindo um candelabro.

Aos poucos, eles conseguiram distinguir sua avó, no pé da escada. Em cada canto da sala, haviam sido acesos quatro candelabros, além daquele que Joana segurava agora. A sala ficou com uma luminosidade estranha. O silêncio era absoluto. O pavor de Dudu e Fabrício era total. Muitas sombras tremeluziam nas paredes, fantasmagóricas. Dudu confessou:

- Acho que vou vomitar.

Antes de qualquer coisa, entretanto, a voz clara e cristalina de Joana se fez ouvir:

- Boa noite, meus queridos. Queria agradecer a todos vocês a presença nesta minha festa tão especial.

O silêncio foi substituído por gritos e aplausos. Dudu pôde ver sua avó sorrindo, satisfeita. Ela havia tirado sua máscara para poder falar.

- Neste ano, conto com a presença de dois seres muito especiais.

Todo mundo continuou em silêncio, na expectativa. Ela prosseguiu:

- Dudu e Fabrício, meus dois lindos netos. Vieram me fazer companhia depois que meu belo Oscar foi desta para melhor.

Os dois jovens gelaram. O que aconteceria depois daquele discurso? Novamente palmas, desta vez mais efusivas.

- E para deixar esta festa ainda mais especial, resolvi fazer uma surpresa para eles.

Dudu e Fabrício se entreolharam, totalmente terrificados.

- É uma surpresa muito, muito especial.

Fabrício queria ter algo em que se apoiar. Suas pernas estavam bambas e ele se mantinha em pé, heroicamente. Tanto ele como Dudu tinham total consciência de que a vez deles estava chegando. Iriam pro sacrifício em mais alguns minutos. Aproveitando que ainda tinha voz, Fabrício cochichou no ouvido de Dudu:

- Quando eu der o sinal, corra o máximo que puder.

Então, para surpresa de todos, os demais candelabros espalhados pela sala se acenderam misteriosamente. A sala grande ficou iluminada com chamas bruxuleantes. Dudu e Fabrício praticamente se penduraram um no outro, quando dois casais de demônios mascarados, começaram a descer a escada, vagarosamente.

Fabrício tentou puxar o primo para que ambos fugissem dali. Contudo, Dudu parecia colado com os pés no chão, totalmente em choque. Fabrício quis gritar, mas sua voz finalmente se fôra, por conta do terror que sentia.

Os demônios, lado a lado, pararam ao pé da escada, olhando diretamente para a dupla de primos. Lentamente, eles começaram a tirar as máscaras. Dudu gritou, mas para comemorar. Os mascarados eram seus pais e os de Fabrício.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 11/05/2010
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