AS AVENTURAS DE DUDU E A SEITA DO DIABO (10)

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O almoço foi tão alegre e com tantas risadas, que Fabrício se perguntou mais de uma vez se Dudu não estava enlouquecendo. Como ele avisara, só foi comer depois que Fanny, Joana e Fabrício já estavam pela metade do prato. A velha e a empregada estavam de excelente humor. Vovó Joana contou algumas passagens de vovô Oscar muito engraçadas e Fabrício chegou a ver algumas lágrimas de saudades no cantinho dos olhos dela. Não tinha nada a ver com o que Dudu dissera que a velha matara o velho e agora queria dar festas e ainda era muito rica. Fanny, então, que pessoa amável. Servira pessoalmente para ele uma grande taça de musse de chocolate. Dudu ao ver a cena, se emburrou e não quis comer mais.

No final do almoço, vovó Joana bateu na barriga, com ar pachorrento. Caindo de sono, anunciou:

- Bem, crianças, acho que vou me recostar um pouquinho… Nossa, comi demais. Fanny, você pode limpar tudo sozinha?

- Claro, dona Joana – assegurou Fanny, ainda de excelente humor – Pode deixar tudo comigo.

Para irritação de Dudu, Fabrício disse:

- Eu posso ajudar você, Fanny.

Fanny se desmanchou em sorrisos.

- Não, meu querido, não há necessidade. Você deve estar cansado da viagem. Vá se divertir com Dudu.

- Mas você tem certeza de que…

- Não se preocupe – assegurou ela – Está tudo sob controle.

Vovó Joana deu boa tarde e subiu as escadas, bocejando. Fabrício olhou para o primo e o encontrou fuzilando-o com o olhar.

- Você é um grandessíssimo puxa-saco – acusou Dudu, aproveitando que Fanny já estava na cozinha.

- Eu não iria deixá-la fazer tudo sozinha.

- Ora, Fabrício! Ela quer me matar e você vem cheio de agradinhos! Qual é?! E vamos logo! Quero mostrar o bosque para você.

O sol lá fora continuava quente. Fabrício respirou o ar puro da fazenda e comentou:

- Puxa, eu acho que gostaria de morar aqui, sabe? Tudo parece tão calmo…

Dudu olhou para ele, descrente.

- Espere o que eu tenho para lhe mostrar.

Os dois se encaminharam para o bosque, calmamente, para não despertarem suspeitas. Fabrício perguntou, assim que encontraram a trilha:

- O cemitério antigo é longe daqui?

- Não sei. Eu só o encontrei aquele dia porque estava fugindo deles. Não fica nesta trilha.

- Bem, nem poderia ficar. Mas como você vai fazer para achá-lo, se só o viu uma única vez e à noite?

- Vou contar com a sorte. Porém, tenho certeza de que irei encontrá-lo mais rápido do que você pensa.

- Estou curioso – confessou Fabrício – Imagine! Fanny fez um musse de chocolate fantástico para mim. Como pode ela estar morta?!

Dudu sorriu, enigmático:

- Coisas sobrenaturais acontecem aqui, primo.

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Depois de uma hora caminhando em círculos, Fabrício sentou-se no chão, cansado e reclamando:

- Chega, Dudu. Aqui não tem cemitério nenhum! Acho que você teve algum tipo de alucinação.

Dudu se irritou. Apesar do sol não estar muito forte por causa das árvores, Fabrício estava com as bochechas vermelhas.

- Garanto que se eu não estivesse procurando, encontrava aquele cemitério maldito.

- Você quer saber? Vou voltar para a fazenda. Comi demais, já caminhei o bastante por hoje e estou com sono. Quem sabe outro dia você encontra? – finalizou o assunto Fabrício, com um certo tom de descaso.

- Está bem – esbravejou Dudu – Sei que você está duvidando de mim, mas a verdade irá aparecer, mais cedo ou mais tarde!

Sem esperar mais pelo primo, Dudu saiu pisando duro, com o primo no seu encalço, calado. Nenhum dos dois abriu a boca até chegarem na fazenda. Antes de entrarem, Dudu comentou:

- Aquelas duas demônias devem estar preparando alguma.

- Acredito que elas devam estar dormindo de tanto que comeram.

- Você acha? – Dudu apontou para o jardim – Pois ali onde estão aquelas lindas flores, elas estavam cavoucando uma madrugada destas, logo depois da morte do vovô!

- Fale baixo, seu demente – pediu Fabrício – Quer que elas ouçam?

- E daí? As duas me flagraram vendo tudo da janela lá do quarto!

- E se elas estivessem plantando mudas?

- De madrugada? Ora, Fabrício! Nunca pensei que você fosse tão idiota!

- Discutindo, crianças?

Dudu ficou pálido e emudeceu. Fabrício se voltou para Fanny, sorrindo sem graça. Ele mesmo respondeu:

- Estamos somente matando as saudades.

- Vou começar a preparar um bolo de laranja. Sua avó me disse que era seu bolo favorito, Fabrício.

Os olhos do garoto brilharam enquanto ele retrucava:

- Puxa, eu adoro bolo de laranja!

E com aquilo que Dudu definiu como os olhos mais maquiavélicos que ele já vira em toda a sua vida, Fanny encarou o garoto e perguntou:

- Quer me ajudar a fazer?

- Claro! Eu adoro cozinhar!

“Ela quer nos separar”, deduziu Dudu, com vontade de chorar de tanta raiva, ao ver o primo subir alegremente as escadas da varanda e entrando na casa acompanhado de Fanny. “Nos separando, ela nos enfraquece.”. Mas aquilo não iria ficar assim, de jeito algum, jurou Dudu para si mesmo, entrando na casa e indo se refugiar no seu quarto. A única vantagem de tudo aquilo é que poderia comer o bolo de laranja sem medo algum. Fanny não poderia colocar nenhum veneno com Fabrício nos seus calcanhares.

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O bolo de laranja estava maravilhoso e Fabrício já estava completamente integrado com vovó Joana e Fanny na hora do jantar. Dudu assistia, completamente calado, um campeonato de piadas que eles mesmos organizaram. Obviamente, ele não riu de piada alguma, enquanto os outros choravam de tanto gargalhar. E ao cabo de uma hora sentado à mesa vendo os outros se divertirem, Dudu deu boa noite, subiu para seu quarto e dormiu assim que pôs a cabeça no travesseiro.

Mas fortes sacudidelas tiraram o garoto do seu sono sem sonhos. Levou um susto quando se deparou com Fabrício ao lado da sua cama. O luar que entrava pelas venezianas da janela o deixavam ainda mais pálido.

- Dudu, escutei coisas estranhas aqui.

Dudu sentou-se na cama, imediatamente. Perguntou, tenso:

- Que coisas?

- Ouvi vozes, cânticos… longe daqui, mas ouvi coisas… será que foram sonhos?

Saltando da cama, excitado, Dudu disse:

- São elas, Fabrício! É a seita em ação! Vamos, se apronte! Agora você verá que tudo o que eu digo é a mais pura verdade!

Ainda atarantado, Fabrício vestiu uma camisa e uma calça de cor preta para não ser visto na escuridão. Dudu fez o mesmo. Quando chegaram do lado de fora, Dudu tremeu de frio, dizendo:

- Puxa, devia ter pego um casaco…

- Agora não ouço mais nada, Dudu – assegurou Fabrício, tremendo, mas de medo – Quem sabe me enganei e…

Sem deixar o primo terminar a frase, Dudu agarrou o braço dele, praticamente o arrastando até o bosque. Ele sussurrou, animado:

- Controle seu medo, Fabrício. Venha, você agora vai ver com seus próprios olhos tudo o que você jura que não é verdade.

Logo eles chegaram ao bosque e ganharam a trilha. Agora tudo estava em silêncio. Não se ouviam vozes e nem o piar de alguma coruja. A lua cheia iluminava entre as árvores, os passos dos dois primos. Fabrício perguntou, tentando demonstrar uma coragem que não sentia:

- Onde mesmo você disse que eles se reúnem?

- Numa clareira. Acho que não estamos longe.

Neste exato momento, cânticos antigos começaram a tomar conta do ar. Se não fosse o pavor de Fabrício, ele até poderia ter achado bonito. Com os olhos brilhantes, mas não com menos medo, Dudu encarou o primo e provocou:

- Vai duvidar de mim agora?

- Eu… eu… - Fabrício parou de caminhar, ainda escutando as vozes. Respirando fundo, ele tentou ponderar – Você acha conveniente seguirmos em frente?

- Acho, sim – insistiu Dudu, aborrecido com a covardia do primo – Qual é, Fabrício? Nunca desconfiei de que você fosse tão medroso!

- Psiiu… fale baixo! Quer que eles escutem a gente? Não sou medroso, sou precavido.

Dudu foi empurrando Fabrício até a clareira, a poucos metros dali. E lá estavam eles, todos reunidos em um círculo, com suas túnicas pretas e suas cabeças cobertas pelos capuzes. Fabrício também não conseguiu identificar quem poderia ser vovó Joana e Fanny. Escondidos ambos atrás de uma moita, eles tinham uma visão privilegiada de tudo o que ocorria.

Fabrício observava a tudo num misto de fascinação e pavor. Os cânticos, o líder chamando o demônio, as mãos dadas entre eles evocando mais e mais as profundezas do inferno. Aparentemente não se seguiria nenhum ritual de sacrifício, graças aos céus, pois ele não teria estômago para assistir. Não é que o primo tinha razão? Entretanto o fato deles todos estarem reunidos naquele círculo suspeito, não significava que vovô Oscar tinha sido assassinado. Quem diria, hein? Vovó Joana metida com estas coisas…

- Atchim!

O espirro de Dudu fez com que Fabrício caísse para trás de susto e que o líder interrompesse seu chamado. O círculo saiu do seu transe e olhou para a moita onde estavam escondidos os dois. Àquela altura, entretanto, Dudu e Fabrício já estavam longe.

... CONTINUA ...

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 12/04/2010
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