As Aventuras de Dudu e a Seita do Diabo

1

Enquanto o carro percorria velozmente a estrada que levava à fazenda da vovó Joana, Dudu tentava ensaiar as palavras de pesar que diria para ela. Seu avô Oscar morrera na noite anterior, de repente, sem sinal algum. A mãe, no banco da frente do carro, já havia ensopado vários lenços de papel e o silêncio no carro era avassalador. Tanto ele como seu primo Fabrício, gostariam de estar escutando rádio no som mais alto possível. Mas o clima era de luto e eles tinham que respeitar a dor da mãe de Dudu. Na verdade, o garoto tinha mais dó era da sua vovó Joana. Como a pobrezinha deveria estar abalada!

Depois de duas horas e meia, o carro ultrapassou a porteira da fazenda e seguiu por uma estradinha de terra. Dudu vinha mudo, tendo todas as suas frases de efeito na ponta da língua. Fabrício parecia entediado, bocejando a cada três minutos. Quando o carro finalmente estacionou em frente à casa, Vovó Joana desceu as escadas, toda vestida de negro. Para espanto de Dudu, ela não parecia tão triste assim. Talvez estivesse em estado de choque, pensou o garoto, penalizado.

A velha recebeu os pêsames de todos, mas Dudu não conseguiu dizer nada do que havia planejado porque simplesmente não havia sido necessário. Vovó Joana assumira o controle da situação. Vendo que a filha estava muito comovida, chamou a empregada de muitos anos, Fanny, para preparar um chazinho calmante. Havia outras pessoas ali também, prestando condolências para Joana. Esta circulava entre todos, como se nada estivesse acontecendo. Sussurrando, Dudu perguntou ao primo:

- Onde está o caixão do vovô Oscar?

Fabrício sacudiu os ombros, também surpreso:

- Sei lá. Será que já enterraram o velho?

O pai dos dois se aproximou e disse que o enterro seria na cidade. Depois de algum tempo, todos entraram no carro novamente e foram para os atos fúnebres do vovô Oscar. Os pais de Fabrício e tios de Dudu chegaram em cima da hora. Ele reparou, que durante todo o tempo, vovó Joana até que tentou fazer uma cara triste. Fanny circulava por perto, sempre alcançando um lencinho para que ela enxugasse lágrimas imaginárias. Houve vários discursos à beira da sepultura, já que o avô fora prefeito da cidade no século passado e muito benquisto na região. Vovó Joana ficou com um ar compungido durante todo o tempo, sacudindo a cabeça como se não acreditasse que aquilo tudo estava acontecendo. Dudu ouviu seu primo murmurar:

- Pobre vovó.

Seria tão pobrezinha mesmo? De repente, pouco antes de o velho baixar à sepultura, os olhos de avó e neto se encontraram. Por alguns segundos, Dudu teve certeza de que ela estava lendo todos os seus pensamentos e ficou todo arrepiado. Onde estava o doce olhar da vovó Joana? Não era estranho que um homem de boa saúde física tivesse morrido de forma tão repentina? Aquela história começou a ficar atravessada na garganta de Dudu. Em algum ponto, aquela história não estava bem contada.

2

- Gostaria muito de ficar com vovó Joana, mamãe.

Era o dia seguinte e Dudu falava com a mãe, na presença da avó, na sala. Joana disse:

- Se o menino quer ficar comigo e com a Fanny, qual o problema? São férias, ele trouxe roupa suficiente… Deixe-o aqui comigo.

Dudu não sabia na verdade se a avó queria a sua presença na fazenda. Mas enquanto não descobrisse quais as circunstâncias da morte de vovô Oscar, nada o tiraria daquele lugar. Mas Lucia ainda estava indecisa.

- Meu filho, este lugar aqui é calmo demais. Aqui não tem TV a cabo, internet e outras coisas que você está acostumado a ter todos os dias lá na sua casa. Eu acho…

- Mamãe, eu preciso mesmo descansar daquela vida louca lá da cidade. Gostaria de ficar um tempo aqui, se vovó Joana não se importar. Depois, quando eu quiser voltar, pego um ônibus e volto.

- Tudo parece muito fácil quando se tem 12 anos – repreendeu Lucia – Você acha que pode pegar um ônibus sozinho e voltar para casa assim sem mais nem menos?

- Lucia – ponderou o marido – deixe o garoto aqui e vamos embora. Ele não está isolado do mundo. Não tem telefones por aqui, D. Joana? Não complique as coisas e vamos pegar logo a estrada. Tenho muito que fazer por lá.

Lucia foi embora, não muito convencida da decisão do filho, orientando-o que ligasse se surgisse qualquer contratempo. Fabrício se despediu do primo e segredou no seu ouvido:

- Quero ver quanto tempo você vai suportar esta chatice.

Dudu respirou aliviado quando o carro desapareceu na curva, mas não deixou de sentir uma certa pressão no peito. Agora estava sozinho na fazenda com vovó Joana e com Fanny. Nenhuma das duas demonstrava luto ou coisa do gênero. E o velho nem esfriara ainda na sepultura.

- Bem – disse vovó Joana, de bom humor – aqui você não poderá se queixar que não terá nada o que fazer. Seu avô deixou uma bela biblioteca, tem a hortinha para cuidar, sem falar nos passeios ao bosque e ao rio, mais adiante. A televisão de vez em quando pega alguns programas bons, mas não é sempre que ela funciona.

Dudu riu e disse:

- Acho que vou gostar muito de ficar aqui com vocês por algum tempo, vó Joana.

Fanny também riu. Mas antes de subir as escadas que levavam à varanda, esta disse, ironicamente:

- Só espero que você não tenha medo do sobrenatural.

...continua...

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 15/02/2010
Reeditado em 15/02/2010
Código do texto: T2088238