Os Cavaleiros - parte 11

Durante todo o caminho para a casa de virgem eu senti que era acompanhada. Em nenhum momento a presença era hostil, mas aquilo me incomodava um pouco.

Alguns trechos da escadaria eu subi de costas, olhando para as casas que eu havia passado.

Tudo era muito surreal. As pessoas que conheci, as palavras que troquei... até aquele momento eu não acreditava se aquilo era um sonho maluco ou eu realmente tinha desafiado regras e subido as casas zodiacais por mera curiosidade.

Ao chegar no patamar de entrada alvo e adornado de dourado da casa de virgem não havia ninguém. Olhei ao redor e aspirei o ar adocicado que pairava. Encontrei uma pétala de flor branca colocada cuidadosamente na porta de entrada.

Aquilo era um convite? Me abaixei e peguei a pétala sorrindo.

Entrei devagar, esperando meus olhos se acostumarem a pouca claridade do local.

Tudo era impecavelmente limpo e cheirava incenso e flores. Olhei calmamente ao meu redor, dando uma volta nos calcanhares e movimentando meus cabelos no giro lento.

Ao longo de todas as paredes havia afrescos de paisagens lindíssimas, gramados deslumbrantes e árvores gigantescas que convidavam para alguém se sentar em sua sombra.

Um pequeno feixe de luz dourado me chamou atenção ao centro do salão construído de pedras brancas e tecidos finos.

Dei alguns passos vacilantes, sem ruído algum e senti o aroma de incenso mais forte e inebriante.

Apurei a os olhos ao ver uma pessoa sentada em posição de meditação. Tinha longos cabelos louros que esvoaçavam ao seu redor sem haver brisa. Seu rosto era doce, de traços finos, nariz delicado e sutil e queixo pequeno, existia um ponto dourado brilhava suavemente em meio a sua testa. Era chamado “terceiro olho”.

O que era aquilo? Um homem ou uma mulher meditando ali?

Parei em frente a aquele humano e o observei por incontáveis minutos. Mesmo olhando com muita atenção eu não consegui distinguir se era do sexo feminino ou masculino.

Também não conseguia ler sua mente, e na tentativa que fiz, apenas ouvi uma canção budista e a imagem de estrelas vieram a minha mente.

Eu estava encantada e em paz olhando aquilo. Aquela pessoa sequer movia o tórax para respirar... era quase letargia.

- Existe meditação humana a esse ponto? – cochichei sibilantemente para mim mesma enquanto ficava com o rosto colado naquela estátua humana.

Sorri e pensei comigo “Bem... nós estamos falando de sobre-humanos aqui nestas casas zodiacais. Nada pode ser normal mesmo.”

Havia uma flor de lótus dourada abaixo do recinto onde aquela pessoa meditava. Observei naquele momento que seu corpo flutuava alguns centímetros acima do apoio. Seu corpo não tocava as pétalas da flor.

Em um movimento impulsivo, eu estiquei o braço pata tocar a lótus que brilhava.

Eu estava maravilhada e de boca aberta com a beleza, organização, o aroma e a paz que emanava daquela casa zodiacal.

Aquele era um cavaleiro ou uma amazona?

Assim que senti a energia da lótus dourada roçar em minhas mãos um nome foi sussurrado em minha mente: “Shaka”.

Pisquei um pouco assustada com a leveza da telepatia que me era concedida.

-Esse é seu nome? Shaka? – perguntei a aquela pessoa o mais baixo que pude e toquei seu rosto sorrindo sentindo algumas lagrimas de ansiedade brotarem em meus olhos.

Haviam borboletas soltas em meu estômago, uma leve vertigem agradável tomou conta de meu corpo.

Me ajoelhei um degrau abaixo do local de meditação e fiz uma oração, sei lá para quê, mas que durou muito tempo.

Quando voltei a mim, haviam duas mãos levemente colocadas nos meus ombros. O cavaleiro estava na minha frente apoiado em apenas um joelho permanecia de olhos fechados e sorrindo.

- Para uma ocidental, você se concentra bem rápido, menina. – ele se levantou e parecia me olhar na alma, mesmo estando de olhos cerrados.

A voz era masculina e ressoante. Fiz cara de quem estava desapontada, pois ainda tinha a esperança de encontrar uma mulher vestida de armadura.

Em instantes me recompus do susto delicado, bati a poeira e quase me levantei, pois as minhas pernas haviam dormentes e bambeei pra trás. Ele estendeu os braços de uma forma rapida, me pegou no colo e me colocou em um sofá confortável que havia ali.

Levantei os olhos para aquela figura exótica com ares curiosos. Olhei para seu rosto por mais algum tempo. Tinha uma luz quase santa. Meu Deus, como pode?

- Gostei de você.... é calmo... e essa aura... – parei por segundos enquanto pensava e aspirava o aroma maravilhoso de almíscar que estava no ar - Como pode ser um cavaleiro com essa aura ao teu redor? - Fiz um gesto e toquei seus cabelos loiros que se espalhavam até as pernas dele.

Uma onda de calma invadiu o mais fundo da minha alma. Fechei meus olhos sentindo novamente vertigem.

Era como se tudo mudasse, era como se não estivéssemos mais ali naquela construção de pedra em meio a um santuário regado a guerras no passado.

Senti que havíamos nos teleportado para um campo de centeio, com uma brisa leve e doce.

Abri os olhos depois alguns minutos e ali estávamos novamente, na casa de virgem.

A voz dele foi ouvida novamente:

- Acho bem difícil não gostar de você também. É bem sensível às mudanças que nenhum outro humano sente normalmente – o sorriso parecia iluminar mais ainda a sala.

Ele se abaixou, no estilo oriental e se apresentou:

- Sou Shaka, o cavaleiro de Virgem, prazer em conhecê-la.

Fiquei muito tempo com certo ar de incredulidade olhando para ele. Os seus olhos nunca abriam. Será que era cego?

Eu sabia que ele podia perceber a força das minhas dúvidas que pairavam no ar. As minhas perguntas se formavam em minha cabeça como as flores da primavera em uma brisa matutina. E da mesma forma que se faziam, as perguntas silenciosas caiam ao chão como pedras sem resposta.

- De onde você vem menina? O que faz aqui no meio das 12 casas? - ele permaneceu calmo abaixado a minha frente.

-Não se preocupe, já estou de saída. Não quero lhe incomodar mais. Agora está tudo bem com minhas pernas, apenas adormeceram quando ajoelhei para orar.

Sorri tentando brincar com alguma coisa ao alcance de minhas mãos. Em cima do sofá onde eu estava existia um colar de grandes contas douradas. Era um rosário.

Ele fez um som tipico de quem estava pensando.

- VOCÊ tem facilidade para meditar.. parece que deixa sua mente ser levada pelo vento, assim como uma folha da floresta...

Achei as suas palavras poéticas.

- Digamos que não sou daqui, por isso você sentiu a diferença quando me comparou aos outros que você conhece. Já estive em muitos lugares para me assustar com isso que você me mostrou. – abri um sorriso feliz.

Parei para sentir mais um pouco do ar daquele lugar...

Como pode uma pessoa ser daquele jeito e ser um guerreiro? Ele, sem dúvida, era o mais diferente de todos os cavaleiros que eu havia visto. Até mesmo comparado a calma de Mu, Shaka era um poço infinito de tranqüilidade. Queria que ele me explicasse mais como conseguia isso.

Me levantei de onde estava sentada e levei a minha mão direita ao seu rosto e passei vagarosamente o dedo indicador por entre seus olhos.

- Você pode ver de olhos fechados, Shaka? Pode ver que a verdade que há em mim é fora de tudo que você acredita ou conheça?

Ele permaneceu em silêncio, como quem sabe que eu iria continuar a falar.

- Vim de um lugar muito distante da Terra, você o vê quando entra na minha mente, eu sinto. Meu mundo foi destruído por motivos diversos, muito parecidos com esses que geraram o nascimento das armaduras de vocês. Nunca passei por treinamento algum, tudo que tenho de poderes é nato e bruto.

O sorriso em seu rosto desapareceu e um tom serio ornou as palavras daquele homem pacifico.

-Nós, cavaleiros de ouro, treinamos muito e por muito tempo. Passamos por provações entre o corpo e a alma, até conseguimos chegar à plenitude que você vê e sente em cada um de nós. Embora todos possamos alcançar a plenitude, raríssimos são aqueles que conseguem compreendê-la.

Por um instante, ele percebeu que nos meus olhos que a minha compreensão não era completa sobre o assunto e continuou:

-Nós, os cavaleiros de ouro, alcançamos um estado de controle completo da mente. Assim, somos capazes de harmonizar o nosso corpo e alma em um ataque, e isso se chama o sétimo sentido. Quando se alcança o sétimo sentido, não é mais necessário ver, ouvir, sentir, falar, sentir o gosto ou mesmo intuir. Eu posso ver mesmo de olhos fechados seu rosto, sua expressão de paz buscando o seu destino e seu lugar, pequena audaciosa.

Suspirei e falei:

- Me dói quando penso nisso. Vocês treinam tanto, passam por tanta dor para sofrer em um fim que não é o de vocês.... Pelo que vi os cavaleiros sofrem para proteger uma mulher que deveria saber se defender, por ser uma DEUSA – fechei o punho com certa raiva.

- Cabe a nós enfrentarmos nosso destino, menina. – ele permaneceu sério.

- Já tive essa experiência na pele. Agradeço aos céus por não ser da Terra e ser igual a vocês. Agradeço pelo menos por não ter o mesmo destino traçado como o que vocês têm...

Olhei para ele enquanto pensava que, mesmo Shaka sendo iluminado aquele extremo, ainda era um humano, pois sua pele era fina e delicada como a de qualquer pessoa.

“Tanta responsabilidade e.... ainda sim, são humanos... frágeis humanos.” Eu pensava.

- Todos possuem seus destinos e escolhas.

Completei a fala, um tanto mais contentada:

- Você toca fundo na alma quando fala. Vou te adotar como conselheiro..... – ri em meio a algumas lágrimas que ainda insistiam em cair.

Aquelas lágrimas tocaram o chão assim como no coração do cavaleiro dourado. Algo dentro dele fez com que se sentisse ansioso. Ele já havia treinado tantos cavaleiros de prata, seres poderosos. E nunca havia sentido aquela ansiedade que Nisa passava.

Aquela pequena menina era diferente... diferente demais, até para ele, Shaka de virgem.

Sentiu-se como se ficasse eufórico e excitado pela sensação de ser reconhecido por aquela menina.

Era claro que Nisa era anos luz inferior a ele, mas não era o que ela demonstrava quando as lagrimas lhe molhavam a face preocupada.

Shaka simplesmente havia alcançado o inalcançável, talvez sem estar preparado.

Então, Shaka, o homem quase santo, parou e pensou sobre aqueles sentimentos que pairavam em sua mente .

Sentiu que já sabia a resposta, mas mesmo assim queria saber de outra pessoa.

Simplesmente não teve vontade de ler a mente de Nisa, mesmo podendo. Ele queria ouvir sua voz doce e reconfortante, que acalmava seu coração há muito tempo esquecido.

-Menina... Como fez para atravessar as outras casas dessa forma? – sussurrou.

A forma com que ele falava chamou atenção de Nisa.

- Shaka, estou procurando respostas que não cabem em mim ainda. Talvez nem caibam nesse santuário. Por isso tenho que ir. – olhei a saída da casa, esperando já ter respondido a pergunta que ele fez a si mesmo - E... só mais uma coisa: Sua armadura é linda demais. – comecei a sorrir - Acho que não conseguiria fazer aqui com você o que fiz na casa de câncer.

Dei um beijo nas duas bochechas dele e sai rápido, secando meu rosto. O vento leve do fim da tarde soprava fora da casa de Virgem e então segui as escadarias novamente.

********************************************

(Agradeço Colaboração do amigo Shaka Espectro de Hades, interpretado por meu querido GUTO. Valeu amigo! Este texto foi escrito em 2004 mais ou menos e foi recentemente editado.... )