Os Cavaleiros - parte 8

Dualidade de Gêmeos

Já era inicio da tarde quando cheguei à terceira casa. Fiquei com pouco confusa porque ali haviam duas entradas. A construção pomposa de mármore se bifurcava convidando o visitante por 2 caminhos que pareciam opostos.

- Legal... eu não queria virar duas para ver as duas entradas ao mesmo tempo. - Bati os pés na entrada, esperando ser recebida.

Nada aconteceu.

Algo estranho me puxava para um determinado lado. Sentia-me dividida, dúbia... afinal gêmeos é um signo que engana em suas peripécias. Esconde-se em suas duas faces e forças.

Olhei para trás, na direção da casa zodiacal anterior, e senti um leve aroma de comida sendo preparada.

Aquilo me fez lembrar que estava com um pouco de fome e que teria que descer aquelas escadarias enormes para retornar ao lugar que me foi servido de pousada.

Ouvi alguns passos vindo de dentro do salão. Um homem de roupagem cinza, uma espécie de tunica bem simples veio me receber. Sorri para ele, talvez fosse um vassalo que não estivesse acostumado aquilo, pois abaixou o olhar assim que viu meu gesto.

- Senhorita Nisa? – perguntou em tom bem baixo, quase sem me olhar. – Estamos a aguardando. Acompanhe-me por gentileza.

- Me esperando? – olhei sem graça para a entrada que ele me fez passar. Era justo a que me chamou atenção há segundos atrás.

Ao passar por uma das portas me deparei com uma sala ampla com uma mesa composta de frutas e pães e dois homens apostos como soldados para servir.

- Tem certeza de que isso é para mim? – Perguntei olhando tudo ao redor.

Um breve silencio antecedeu ao som da voz de um dos rapazes.

- O mestre pediu para que nós a servíssemos e que, talvez, estivesse cansada. – se curvou e trouxe-me uma jarra com suco de tamarindo.

Sentei-me à mesa após lavar as mãos em um recipiente de cristal que havia no inicio da sala e pedi para que eles me acompanhassem na refeição. Eu sentia claramente nos olhares deles que não era só eu que estava com fome.

Os homens que estavam acostumados apenas a servirem relutaram. Após muitos minutos de conversa comigo sentaram meio que sem jeito ou hábito de acompanhar alguém em uma mesa tão farta. Comeram rapidamente e saíram bem depressa, quase sem pronunciar uma palavra.

Peguei um pedaço de pão e cortava pequenos pedaços com as mãos e os levava a boca enquanto pensava.

- Nossa... não devem ser tratados com cordialidade por aqui. – peguei algumas frutas secas exóticas para experimentar.

Com um copo de suco em mãos depois de comer comecei a andar pelo lugar. Existiam muitos compartimentos que dividiam a casa de gêmeos. Não via ninguém perto de mim mas sentia ser observada minuciosamente.

É estranho andar sem ser acompanhada ali onde tudo parece ter olhos.

Reparei que existia uma luz fraca que vinha de um dos cômodos. Parei diante da porta sem pode identificar o que havia ali. Não resisti à curiosidade e entrei.

Sorri feliz ao perceber o que havia.

A armadura de gêmeos estava como uma escultura montada na pequena sala cheia de tapetes, envolta em uma luz própria. A posição das mãos da armadura me lembrava a estatua de Shiva. Havia um capacete que ostentava duas mascaras: uma sorrindo e outra com ares de maldade.

Dizem que a armadura de gêmeos possui duas faces porque seu cavaleiro possa vir a ser a reencarnação de Castor e Pólux os semi-deuses gregos que representam o signo de Gêmeos. Castor é mau e Pólux é bom.

Caminhei em sua direção. Senti que algo me impedia de chegar muito perto. Então parei a uns passos da escultura dourada.

Uma sensação de dor e pesar invadiu minha mente.

O que seria? Onde estaria seu dono?

- Ai, que coisa estranha! – cocei os cabelos e me abaixei para olhar os detalhes maravilhosos dos encaixes das peças. Era incrível aquilo se desmontar e vestir um ser humano.

Uma onda de tristeza invadiu a minha alma, fazendo com que lagrimas viessem a cair de meu rosto ao olhar para a mascara da bondade. Sentia claramente uma batalha sendo travada dentro daquela armadura. Eram dores de duas pessoas presas em um mesmo corpo.

O aroma de incenso tocou meu olfato. Respirei fundo.

Seria de quem aquela luta constante de dor e tristeza? De paz e guerra?

Era uma sensação que parecia vir de outra dimensão. Então fechei meus olhos e procurei de onde vinha a energia que sentia naquele recinto. Sentei no chão a frente da armadura de ouro e ali permaneci um certo tempo.

Uma imagem me veio a mente: Saga.

Era ele quem me mandava aquela sensação para aquela sala. Era a energia dele que estava impressa ali.

Me aproximei mais da escultura dourada a minha frente e a pude tocar. Um leve clarão tomou conta de minha visão.

O aroma de incenso se intensificou, o chão de pedra branca polida se aproximou de meu rosto e senti o impacto da rocha fria em meu corpo.

Após certo tempo de inconsciência, senti um braço me envolver e uma leveza tomar conta do meu corpo.

Eu estava em um lugar confortável e quente e sentia uma respiração bem próxima a mim.

Uma mão me tocou no rosto com carinho, em um gesto rápido eu a seguro antes de abrir os olhos.

Por um segundo minha a respiração é suspensa e uma sensação de vertigem revira meu estomago.

Respirei aliviada ao ver quem estava ajoelhado ao meu lado naquele momento. Era um homem de ombros largos e cabelos arredios, usava sua túnica ornada de dourado, com colares e anéis de mestre. Seu rosto estava oculto atrás de uma mascara.

Mas eu sabia quem era.

- Saga? – murmurei sentindo a cabeça doer - Onde estou?

A voz calma e os gestos quase ecumênicos dele me acalmaram.

- Ainda esta na casa de Gêmeos. Olhe. – apontou a armadura alguns metros a nossa frente.

Eu estava deitada em um tapete negro espesso entre muitas almofadas bordadas de dourado.

- E você? O que você faz aqui? – sentei em minhas pernas em posição de reza e o encarei procurando seus olhos atrás da mascara porcelana.

Um breve momento de silencio se quebrou com o farfalhar do tecido da roupa dele ao se ajeitar a minha frente.

- Senti que algo aconteceu aqui, e como você estava perambulando pelas casas por vontade própria, pedi que viessem cuidar de você. – ele sentou-se como eu e ouvi um suspiro aliviado.

- Você não tinha que estar lá no salão principal? Ouvi dizer que o mestre não pode sair de lá. – abracei uma almofada esperando que ele explicasse.

Naquele instante apareceu um vassalo com uma bandeja com um copo de leite e um comprimido.

Tomei o comprimido que parecia ser um analgésico por impulso assim que o homem estendeu a mão com a bandeja. Minha cabeça doía fortemente.

- As pessoas criam mitos para as coisas que não entendem. Não preciso ficar preso a uma construção. – Saga questiona colocando a mão em meu rosto levemente arranhado pela queda. - Sente-se bem?

- Sim estou bem. Porque não me lembro de nada depois de tocar... naquilo? - aponto devagar a armadura de gêmeos, que parecia sorrir para mim de forma malévola

Ele riu e tirou a máscara após se certificar que não havia mais ninguém no recinto

– Vamos responder a uma pergunta de cada vez.... Bem, não estou no salão principal porque você desmaiou ontem. Enquanto você caminha pelas construções desse lugar, eu estou atado a você de alguma forma. Eu senti o motivo pelo qual perdeu a consciência e tive que vir interferir.

- Ontem? – espantei-me.

Saga apenas balançou a cabeça afirmativamente e continuou a falar:

- O seu desmaio foi provocado por um deslocamento temporal ao qual você sofreu. O cavaleiro de gêmeos e a armadura são capazes de criar um pequeno buraco no tempo. E você caiu exatamente nisso.

- Tenho por habito estar sempre no lugar errado fazendo a coisa errada mesmo... – toquei o local em que a cabeça bateu no chão e sorri.

- Parece que seu corpo esta acostumado a isso não é? Por que se fosse outra pessoa iria parar em outra dimensão facilmente.

Viajar no tempo não era um assunto fácil de se discorrer.

- Sim... – murmurei entendendo o que ele explicava.

Saga tem uma inteligência mordaz, aliada à segurança com que gesticula e à forma como leva os diálogos ele se torna uma pessoa fascinante.

- Conhece a teoria de viagem no tempo? – ele me perguntou em tom de quem ensina algo.

Respondi prontamente a pergunta dele. Afinal eu me teleportava por mundos e tempos diferentes há anos

- Ah sim, que bom que conhece! O que aconteceu com você causaria a morte em uma pessoa que não sabe em que direção ir no tempo/espaço deformado. Como você sabe viajar no tempo, resultou em um desmaio de 24 horas. O que mostra que você está muito familiarizada com isso.

Terminei de tomar o leite deixando um bigode branco acima dos labios. Ele se aproximou mais um pouco de mim.

Nunca tinha visto seu rosto muito de perto, e agora estava olhado diretamente em seus olhos.

Por um breve segundo me lembrei da voz arrepiante que tinha ouvido anteriormente em sua morada e fiquei receosa.

- E você é...? – apontei para a armadura como quem pergunta se ele era o cavaleiro de gêmeos.

Ele fez menção de se levantar sem me responder. Segurei sua mão com força, puxando-o para baixo.

- Responde!!! – fiquei segurando sua mão e a senti suar levemente.

- Não se sabe. – ele sorriu acreditando que eu entenderia a mensagem.

- Então eram vocês dois ontem falando no salão na parte da manhã antes de eu sair? – olhei as mascaras da armadura de relance. A dupla personalidade de gêmeos estava a minha frente seguro em minha mão pessoalmente.

Antes de sair da casa onde me hospedava eu tinha ouvido um diálogo entretanto havia apenas uma pessoa no salão de conferencias.

Recebi um carinho no rosto e um sorriso assim que ele se soltou de minha mão.

- A casa de banhos está pronta para seu banho. Aproveite bem. Te vejo depois que visitar todas as casas e respondo suas outras perguntas.

Levantei-me e dei um abraço apertado naquele homem. Também percebi que ele não era acostumado a ser abraçado, porque não sabia o que fazer com as mãos.

- Obrigada. – agradeci olhando em seus olhos.

A sensação de abraçar aqueles cavaleiros era indescritível.

De donde vinha aquela força de luta. Aquela vontade de morrer e de matar por um ideal que nem era o deles?