Aretuza - a primeira musa
Aretuza Piantanida.
De nome pouco comum, aquela menina de crescimento estatural acelerado, já mostrando contornos precoces que chamavam pra si atenção, fazia com que poucos acreditassem que cursava, tão somente o terceiro ano primário com China, (Marilene) minha irmã, dois anos mais nova que eu. Sentavam-se lado a lado, apesar de amistosa amizade.
Embora de raça tipo nórdica, os olhos eram escuros e o cabelo crespo. Trazia-o de costume cheio e curto, dando a impressão de sempre estar esvoaçando ao vento, numa combinação perfeita com seu pescoço longo de pele rosada. Já parecia moça, muito bonita e mostrava elegância.
Aretuza, filha única, passou a freqüentar a casa de seu tio e vizinho nosso Sô Alcides, marido de dona Nair, aquela que me protegia quando a coisa ficava preta pro meu lado. Certa vez, embaracei-me em meio à sua saia, protegendo-me de uma surra.
Com a visita mais constante de Aretuza, vi fluir meus primeiros sentimentos de afeto e carinho, quando joguei-lhe intenções de um namorico. Havia saído do grupo, entrando nesta faixa etária, ainda que tolhido por afazeres domésticos. Todos lá em casa tinham tarefas diárias a cumprir. A minha era de catar feijão. À noite, de peneira na mão, catava dois canecos de feijão roxo poeirento, separando o joio do trigo, ou melhor, os bons das pedras, paus e alhures. Feijão preto só nos raros dias de feijoada.
Depois de aceitar o flerte, Aretuza, aceitou também catar feijão comigo. Estava selado ali nosso namoro. Em meu imaginário, era possível roubar-lhe um cheiro escondido, sem deixar misturar o feijão sujo com o selecionado, ali dentro da peneira postada em meu colo. A gente não tinha coragem de falar, mas deixava entender para a minha família, aquele nosso aventureiro caso. Meio que ignorando ou não, o certo é que eles não davam importância.
Mas era na casa da Nair que eu e Aretuza sentíamos mais
confortáveis. Sô Alcides, um exímio mestre de obras, tinha nove filhos, mas via em mim o seu mor escriturário. Vez por outra, no entardecer de um qualquer sábado, mandava Rilito ou Pêtia, Bilinda ainda era pequeno, à casa de dona Flávia, procurar por Zé Putico. Era assim que carinhosamente me tratava e o chamado não era senão, pra elaborar lista de materiais.
Ao lado da sala, deitado em seu quarto, de calça comprida e sem camisa, ainda sem banho, deixava à mostra o contraste da pele branca com os braços queimados de semanas de sol. Passava as mãos pelo rosto, como que coçando a barba crespa e de avançada cor branca, sempre por fazer, ia ditando e eu escrevendo do outro lado da cama, sentado rente aos seus pés de unhas encravadas:
especificação de materiais: (que escolhi e ele achava o máximo)
meio metro de areia lavada, um metro de areia comum, cinqüenta tijolos maciços, um saco de cimento, etc., etc., etc..Terminado, ouvia a leitura, retificava alguma coisa, tirava um trocado do bolso e me contemplava, como nunca o deixara de fazer.
O namoro fluia. Aos sábados Aretuza aparecia. Era mais que um sonho. À noite, meninada brincando, passávamos por entre as duas fileiras de perfumadas flores do jardim à beira do passeio da rua Botucatu, de forte descida entre ruas Hélium e Horta Barbosa. Um procurava pelo outro, iluminados pelo clarão da lua, cantando junto com Celly Campello a música Banho de Lua, ouvida em alto e bom som do toca discos Philips alojado na cristaleira. Era aquela estória de lobo bom com chapeuzinho sem cor; se eu te pegar não te engulo, entendeu? Éh, dava um enorme frio na barriga. Cada dia ficava mais moça e eu muito franzino, temia que, logo, logo, Aretuza me escapulisse.
Quando acontecia dela não dar o ar da graça, eu me aprontava pra tirar plantão na esquina de sua casa, no alto da Renascença – no outro lado da rua Jacui. Morava num quarteirão pequeno em forma triangular, com base na rua Itu. Duas filas de quatro casas cada, para depois aparecer a sua pintada de amarela, isolada. Os dois outros lados formavam o vértice com a Borborema, portão de entrada, n°. 418 e com rua Uraricoera. Na ponta desce a rua Trindade como até hoje, com lombadas em quatro esquinas por onde passam Jarí, Tefé, Botucatu e Mogi. O lote com um alto pé de manga, era ladeado por dois baixos muros que, de pé no passeio da esquina em nível mais elevado, era possível observar pela janela, o transitar de pessoas na sala. Pena que a lâmpada que caia d'um pendural no centro da mesa, refletia e contrastava com o terreiro escuro, cansando e ofuscando-me as vistas, exigindo um frequente piscar de olhos, pra recompor a imagem. Ficava então, por conta da adivinhação, a revelação de todo aquele segredo. Seria o de Aretuza, aquele vulto que desfazia-se num tilintar de dedos, ou aquele outro que do nada ressurgia quando bem o houvesse, sem ligeira magia assim? Era pouco, não é mesmo? Mas era-me muito! Por esta angústia passei um sem número de vezes, sem que ninguém, mas ninguém mesmo, soubesse. Nem ela. Nem o mais confidente dos irmãos. A sofreguidão era minha, só minha. Você diria; loucura cara, loucura! Quando a luz apagava, - não muito tarde - eu concluia que a noite chegara a seu fim. Ainda assim aguardava por alguns minutos. Sem boa noite, dava a missão por cumprida e descia a rua com a certeza de seu sono guardado. Atravessava o bairro de volta pra casa. Minha mãe ansiosa me aguardava. As pernas cansadas, mas feliz da vida pela contemplação daquilo que entendia "amor". Cansado, não desconsolado. Restava-me um novo final de semana. Quem sabe nele, Aretuza aparecesse?
Aretuza Piantanida.
De nome pouco comum, aquela menina de crescimento estatural acelerado, já mostrando contornos precoces que chamavam pra si atenção, fazia com que poucos acreditassem que cursava, tão somente o terceiro ano primário com China, (Marilene) minha irmã, dois anos mais nova que eu. Sentavam-se lado a lado, apesar de amistosa amizade.
Embora de raça tipo nórdica, os olhos eram escuros e o cabelo crespo. Trazia-o de costume cheio e curto, dando a impressão de sempre estar esvoaçando ao vento, numa combinação perfeita com seu pescoço longo de pele rosada. Já parecia moça, muito bonita e mostrava elegância.
Aretuza, filha única, passou a freqüentar a casa de seu tio e vizinho nosso Sô Alcides, marido de dona Nair, aquela que me protegia quando a coisa ficava preta pro meu lado. Certa vez, embaracei-me em meio à sua saia, protegendo-me de uma surra.
Com a visita mais constante de Aretuza, vi fluir meus primeiros sentimentos de afeto e carinho, quando joguei-lhe intenções de um namorico. Havia saído do grupo, entrando nesta faixa etária, ainda que tolhido por afazeres domésticos. Todos lá em casa tinham tarefas diárias a cumprir. A minha era de catar feijão. À noite, de peneira na mão, catava dois canecos de feijão roxo poeirento, separando o joio do trigo, ou melhor, os bons das pedras, paus e alhures. Feijão preto só nos raros dias de feijoada.
Depois de aceitar o flerte, Aretuza, aceitou também catar feijão comigo. Estava selado ali nosso namoro. Em meu imaginário, era possível roubar-lhe um cheiro escondido, sem deixar misturar o feijão sujo com o selecionado, ali dentro da peneira postada em meu colo. A gente não tinha coragem de falar, mas deixava entender para a minha família, aquele nosso aventureiro caso. Meio que ignorando ou não, o certo é que eles não davam importância.
Mas era na casa da Nair que eu e Aretuza sentíamos mais
confortáveis. Sô Alcides, um exímio mestre de obras, tinha nove filhos, mas via em mim o seu mor escriturário. Vez por outra, no entardecer de um qualquer sábado, mandava Rilito ou Pêtia, Bilinda ainda era pequeno, à casa de dona Flávia, procurar por Zé Putico. Era assim que carinhosamente me tratava e o chamado não era senão, pra elaborar lista de materiais.
Ao lado da sala, deitado em seu quarto, de calça comprida e sem camisa, ainda sem banho, deixava à mostra o contraste da pele branca com os braços queimados de semanas de sol. Passava as mãos pelo rosto, como que coçando a barba crespa e de avançada cor branca, sempre por fazer, ia ditando e eu escrevendo do outro lado da cama, sentado rente aos seus pés de unhas encravadas:
especificação de materiais: (que escolhi e ele achava o máximo)
meio metro de areia lavada, um metro de areia comum, cinqüenta tijolos maciços, um saco de cimento, etc., etc., etc..Terminado, ouvia a leitura, retificava alguma coisa, tirava um trocado do bolso e me contemplava, como nunca o deixara de fazer.
O namoro fluia. Aos sábados Aretuza aparecia. Era mais que um sonho. À noite, meninada brincando, passávamos por entre as duas fileiras de perfumadas flores do jardim à beira do passeio da rua Botucatu, de forte descida entre ruas Hélium e Horta Barbosa. Um procurava pelo outro, iluminados pelo clarão da lua, cantando junto com Celly Campello a música Banho de Lua, ouvida em alto e bom som do toca discos Philips alojado na cristaleira. Era aquela estória de lobo bom com chapeuzinho sem cor; se eu te pegar não te engulo, entendeu? Éh, dava um enorme frio na barriga. Cada dia ficava mais moça e eu muito franzino, temia que, logo, logo, Aretuza me escapulisse.
Quando acontecia dela não dar o ar da graça, eu me aprontava pra tirar plantão na esquina de sua casa, no alto da Renascença – no outro lado da rua Jacui. Morava num quarteirão pequeno em forma triangular, com base na rua Itu. Duas filas de quatro casas cada, para depois aparecer a sua pintada de amarela, isolada. Os dois outros lados formavam o vértice com a Borborema, portão de entrada, n°. 418 e com rua Uraricoera. Na ponta desce a rua Trindade como até hoje, com lombadas em quatro esquinas por onde passam Jarí, Tefé, Botucatu e Mogi. O lote com um alto pé de manga, era ladeado por dois baixos muros que, de pé no passeio da esquina em nível mais elevado, era possível observar pela janela, o transitar de pessoas na sala. Pena que a lâmpada que caia d'um pendural no centro da mesa, refletia e contrastava com o terreiro escuro, cansando e ofuscando-me as vistas, exigindo um frequente piscar de olhos, pra recompor a imagem. Ficava então, por conta da adivinhação, a revelação de todo aquele segredo. Seria o de Aretuza, aquele vulto que desfazia-se num tilintar de dedos, ou aquele outro que do nada ressurgia quando bem o houvesse, sem ligeira magia assim? Era pouco, não é mesmo? Mas era-me muito! Por esta angústia passei um sem número de vezes, sem que ninguém, mas ninguém mesmo, soubesse. Nem ela. Nem o mais confidente dos irmãos. A sofreguidão era minha, só minha. Você diria; loucura cara, loucura! Quando a luz apagava, - não muito tarde - eu concluia que a noite chegara a seu fim. Ainda assim aguardava por alguns minutos. Sem boa noite, dava a missão por cumprida e descia a rua com a certeza de seu sono guardado. Atravessava o bairro de volta pra casa. Minha mãe ansiosa me aguardava. As pernas cansadas, mas feliz da vida pela contemplação daquilo que entendia "amor". Cansado, não desconsolado. Restava-me um novo final de semana. Quem sabe nele, Aretuza aparecesse?