Os Cavaleiros - parte 5
Cap 5 - Peregrinação
Permaneci alguns minutos olhando as escadas brancas. Em ambos os lados existiam corrimão, mas a largura entre eles era maior do que quatro metros. Os vãos entre os degraus eram milimetricamente idênticos, não havia uma falha se quer em sua projeção até onde os olhos perdiam de vista sua simetria.
Com o pé direito em cima do primeiro degrau e o esquerdo ainda no chão poeirento eu me questionava baixinho, olhando avidamente para cima, ainda a procura de algum olhar curioso.
- O que será que me espera? – suspirei com o coração acelerado com o primeiro passo.
Já tinha ouvido falar que era proibido perambular pelas casas zodiacais. Mas era proibido ver o Saga sem máscara.. .e isso eu já tinha visto sem cerimônias. Ou seja, de coisas proibidas, minha lista de infrações está cheia.
Aquela manhã, antes de sair do local onde estava pernoitando, quase o vi no banho, se não fosse o barulho da água jorrando por algum tipo de torneira e o tropeção que eu levei ao entrar no salão de banho. Eu ainda estava perdida diante dos labirintos de portas e corredores não paralelos que existiam ali, portanto, cada porta era uma surpresa a ser aberta.
Sorri com meu pensamento. Imaginei uma plaquinha na frente do hall de recepção de turistas em Athenas com os dizeres:
1. Proibido entrada de estranhos nas casas zodiacais.
2. Proibido ver o mestre dos cavaleiros sem mascara.
3. Proibido vê-lo ao banho.
Voltei a me concentrar no que estava fazendo. Diziam que em cada das construções acima de mim existiam tesouros imensuráveis de cada região do mundo de onde seu cavaleiro era proveniente. Outros diziam que eram assombradas.
Cada passo que eu dava ao subir aqueles degraus me deixava ansiosa. Aos poucos me deixei levar por lembranças. Algo naquele ambiente me trazia memórias que deixei fluir naturalmente.
O Mestre Ancião Chinês havia me falado de um homem sagrado que consertava armaduras. Era um rumor de que este homem fosse descendente do povo que forjou a primeira armadura por ordem de Atena. Esta historia me guiou em peregrinação ate a Índia. Como eu estava morrendo de curiosidade e ali eu poderia ter uma grande chance de ver uma armadura de perto, resolvi encarar a viagem sem problemas algum.
Levei um mês para conhecer os longínquos recantos de meditação de monges, eremitas e filósofos Indianos. Cada local visitado continha sua surpresa, sua pobreza e sua riqueza cultural. A cada visita feita eu obtinha um sorriso, uma lagrima e um ponto de sabedoria. Ate hoje se eu fechar meus olhos e pensar um pouco, sinto o aroma de cada local.
Eu tinha uma imensa vontade de mudar tudo aquilo para uma realidade menos sofrida. E realmente eu fazia algumas coisas sem que as pessoas ao redor percebessem... Algumas plantas brotavam mais rápido nas plantações, algumas panelas de comida rendiam mais do que geralmente rendiam e alguns brinquedos para as crianças surgiam por cantos inesperados. Os sorrisos que brotavam por onde eu passava me deixavam mais leve. Mas não redimiam minha culpa de não poder fazer muita coisa por eles alem do que estava sendo feito.
À medida que me afastava das cidades menos povoadas eu me sentia mal. Em certo ponto da peregrinação encontrei uma espécie de deserto. O cheiro de carne putrefata chegou ao meu nariz antes mesmo da imagem desoladora do local. Permanecer ali era insuportável, a beleza dos rios estava esgotada, lamaçais pantanosos rondavam cada trecho alagado e em alguns momentos eu me transportava de um lugar para outro, na tentativa de fugir daquela sensação horrível.
As únicas imagens de algo branco no cenário eram carcaças de animais e crânios de diversos seres espalhados aleatoriamente pelo chão pantanoso e fétido.
Em um desses teletransportes aleatórios que eu havia feito para fugir das poças de lama aconteceu uma trombada, na verdade, um esbarrão. Ouvi claramente o barulho de coisas metálicas caindo junto comigo no chão um milésimo de segundo antes de aparecer materialmente em um local.
Perdi o equilíbrio ao pisar em algo roliço e fui levada de costas ao chão.
- Ai Deus!! Sempre faço isso.... – murmuro levo a mão em direção a bunda dolorida pela queda.
Eu não estava mais em um chão lamacento, e sim em uma construção de pedra altamente esquadrinhada.
- Um pouco mais de concentração em desenvolver e utilizar essas habilidades e você seria uma ótima pupila minha...- a voz que eu ouvira era singularmente melódica e doce.
Olhei em sua direção. Ali estava m rapaz hindu esbelto e de cabelos muito longos roxos, usando uma bata de algodão cru. Seus cabelos iam ate seus tornozelos, eram lisos e brilhavam como se tivessem sido polidos. Os olhos eram verdes e ele não tinha sobrancelhas, no lugar delas, existia uma pinta avermelhada de cada lado, representando alguma religião.
- Desculpe... Não queria atrapalhar - senti o rosto em chamas pela vergonha. – Além do mais, acho que não daria uma boa pupila para ninguém.
Olhei em volta e me vi em meio a bagunça toda que fiz. Ao meu lado tinham prateleiras imensas e organizadas com objetos que eu não imaginava para que serviam. Pedaços reluzentes de objetos e ferramentas q pareciam ter saído de um filme de ficção cientifica.
- Não se assuste, não há como a casa de um forjador ser muito diferente disto. – o rapaz estendeu a mão para que eu levantasse com sua ajuda.
- Uau!! – deixei escapar perplexa, esperei alguns segundos ao ver o sorriso que ele manifestava e falei novamente - Quantos pedaços de coisas!
Fechei instintivamente minha mão após sentir que ele a soltou. Tinha um leve toque de seda. Foi em seu toque que senti sua aura. Que força equilibrada que ele possuía!
Pensei por alguns segundos ainda hipnotizada pela quantidade de coisas daquele local e pela forma com que eram organizadas.
Ele falou que era um forjador? E desde quando esse tipo de trabalho deixaria a pessoa com mãos macias e delicadas como as dele?
Olhei para uma janela que dava uma limitada visão do que existia lá fora. Parecia o primeiro andar de um pequeno prédio antigo e bem cuidado. Ao nosso redor existiam ladrilhos e diversos caminhos por entre uma grama amarelada e castigada pelo sol.
Mais ao fundo existia uma plantação. A cor do céu era apagada, mas o dourado do sol iluminava aquele cenário de uma forma impar, dando a sensação de estarmos rodeados de um campo de centeio ou trigo.
Como eu não tinha percebido aquele campo antes de me teleportar? O quanto eu tinha ido além de minha visão para ter parado ali, daquela forma?
Será que eu tinha ido parar ali sem querer ou fora de propósito guiada por alguém?
Tomei um cálice de água fria que aquele homem havia trazido, conversamos sobre como retornar a cidade mais próxima e ele me apontou os caminhos. Minha curiosidade me corroia, mas não consegui ler uma linha se quer de seus pensamentos.
Agradeci pela hospitalidade e atenção. Em minha saída, ele se aproximou, afastou os fios de cabelo que estavam em meu rosto e desferiu um beijo demorado na minha testa.
Percebi que ele descobrira mais coisas sobre mim do que eu sobre ele naquele gesto.
No caminho de volta a uma pequena vila fiz algumas perguntas para algumas pessoas. Só ouvi lendas e superstições sobre o tal sacerdote das armaduras que habitava alem dos campos de grãos. Ninguém nunca volta daquele local.
Enquanto ouvia os relatos de muitas pessoas sobre aquilo, comecei a rir sozinha. Seria ele de verdade ou apenas uma lenda?
Voltei daquele lugar sem ter visto uma armadura de ouro. Mas tive a sensação de ter encontrado algo que poucos encontram.
Tropecei levemente em um degrau que estava saliente. O movimento repetitivo feito ao subir as escadas tinham me levado a um devaneio e acabaram por me trazer de volta. Direto da imaginação.... da India até Grécia em alguns minutos!
A minha frente estava a primeira construção que eu tinha que encarar. Olhei para o símbolo que fora esculpido na entrada da construção: Um ornamentado carneiro dourado com os pulmões inflados e chifres enrolados para trás.
Pisquei algumas vezes respirando devagar ao encarar a entrada. Mil idéias surgiram em minha mente antes que eu desse o primeiro passo para dentro do recinto.
- Áries... se eu tivesse nascido na Terra, este seria meu signo. – falei de forma audível ao tocar com a mão esquerda a pilastra esculpida em mármore da entrada.
O sol já não era mais tão ameno como no inicio da caminhada e não havia sequer uma brisa que aliviasse o calor que estava por vir.
Como seria a casa? Como seria o cavaleiro?
Como seria a armadura?