Os Cavaleiros - parte 3
O tempo dos humanos passa de forma diferente para mim. O espaço/tempo ao qual pertenço é muito mais complexo. O que resulta em não crescimento ou não envelhecimento físico.
Alguns anos se passaram desde a última vez que estive no santuário grego. Após tantas explicações e idéias que Aioros havia colocado em minha cabeça, seria impossível eu não sair a procura de mais respostas.
Viajei por muitos lugares longínquos aos quais meu amigo Aioros havia citado como berço de alguns cavaleiros. Conheci muita historia, muitas lendas...
Fui a Índia, China, Rússia, Itália, França... Conheci muita gente, fiz muitos amigos. Não conheci todos os cavaleiros que desejava, e se os conheci, só depois de muito tempo descobri isso. Mas é papo para outras horas.
Uma carta chegou a minha porta bem cedo naquele dia. Nela havia um texto com dizeres estranhos, palavras picadas, frases desconexas que falavam de guerra e morte.
Quem era o remetente? Girei o envelope em minhas mãos e abri a boca sem sair nenhum som.
- Essa carta é de alguém que você conheceu na Grécia?? – meu amigo e meu pai adotivo Hodliver questionava ao olhar o envelope em minhas mãos. – Isso por acaso é o começo de outra viagem?
Hodliver era um típico inglês, sempre em trajes sociais em tons caqui ou pastel. Um senhor atlético, naturalista e vegetariano. Esgrimista e muito educado. Os cabelos cinzas finos e caídos pelo rosto ainda enfeitavam bem sua cabeça, que não mostrava sinais de calvície.
Sorri para ele, tentando acalmar o meu nervosismo.
- É mais uma busca ao desconhecido, que para ELA, já é mais do que normal, certo? - David falou aparecendo a porta sorrindo.
Quem falava era um garoto de cabelos negros que caiam aos ombros de forma desdenhosa, olhos sagazes, pele branca e olhos azuis. Ninguém diria que ele era uma criação de computador.
Respondi afirmativamente com a cabeça e sai correndo em direção ao meu quarto.
Havia métodos menos convencionais de viagens internacionais aos quais eu deveria fazer uso naquele momento, pois a carta era de 3 dias atrás e estava quase totalmente destruída pela chuva que caira naquela manhã.
Eu temia que algo ruim tivesse acontecido por lá. Mesmo não tendo afinidade física com o lugar, as pessoas que conheci naquelas viagens em outros países muito me ensinaram a gostar da Grécia e de seus mistérios. Tinha ouvido historias demais para não acreditar na grande verdade que se ocultava naquele santuário esquisito.
Me lembrei em especial de um velho ancião Chinês chamado Donkho. Sua idade era superior aos 200 anos. Quando estive na china visitando-lhe, ele me contou inúmeras histórias vividas na Grecia, em épocas remotas para os humanos de hoje.
Esse senhor conhecia bem os macetes sobre tempo. Pelo menos encontrei um humano que entende minha capacidade de deslocamento temporal e vida acima da idade dos humanos.
Este velho ancião foi o primeiro a saber sobre meu passado esquisito. Ele também foi um dos primeiros cavaleiros de ouro que conheci. Ele era baixo, corcunda, de pele macilenta e enrugada. Seu porte físico não condizia com a força mental que eu sentia ao conversar com ele. Mas, infelizmente, por motivos óbvios, estava sem armadura.
Justo o que eu tanto queria ver!
Fechei os olhos e me agarrei na alça da mochila com algumas peças de roupas. Em um segundo sinto o estomago revirar. Voltando dos devaneios enquanto me teleportava, senti o solo batido e manchado de sangue sob meus pés. Eu chego no santuário.
No ar, está um clima pesado. Eu quase tocava em miasmas negativos presentes no ambiente. Olhei ao meu redor e percebi que já não era segredo a minha chegada ao santuário grego. Passos pesados eram sentidos retumbando ao solo.
O céu estava cinzento e não havia sinal de nenhum tipo de vento ou brisa que afastasse a sensação de sufocamento.
Dessa vez fui recebida com honras militares: uma escolta de pessoas trajadas com armaduras de diversas cores e formas estava bem a frente de onde eu apareci. Senti o chão tremer levemente quando se aproximaram de mim em uma organização esplendorosa.
Levantei os braços e soltei a mochila no chão poeirento. Não precisei ser levada presa, mas senti que se não obedecesse, traria mais problemas do que soluções.
Qual foi o resultado disso?
Bem, fui levada ao tal do mestre do santuário, que até então, só ouvia falar de relance.
O salão em que fui deixada era exatamente o mesmo que tinha me hospedado há anos atrás. Com a exceção que a minha frente havia um trono dourado. Único adorno do hall vazio e brilhante.
- As regras de novo... – sussurrei para mim mesma ao chegar no salão de recepção.
Algo ali me cheirava a encrenca. Os ares do palácio de pedra polida eram sérios, o tapete estendido de forma cerimoniosa que levava ate o trono me parecia um caminho para a forca voluntaria. Senti um leve nó na garganta.
Como aquilo era quase uma cerimônia, lógico que haviam regras a seguir.
Quase me fizeram receber o tal homem chefe dos cavaleiros de joelhos... fala sério!!!
Uma mão forte e truculenta pousou na coroa de minha cabeça e me forçou a abaixá-la assim que ouvi passos de alguém a minha frente.
Como quem não obedece regras levantei minha cabeça tão rápido quanto me abaixaram.
Fiz cara de revoltada ao encarar o homem altivo ha uns metros a minha frente
O cara usava uma máscara!! Puta desilusão! Queria ver o rosto de alguém por ali...
Mordi a língua para não soltar um palavrão.
Logo uma voz clara e calma ecoou pelo recinto. O homem que dirigiu as palavras para mim naquele instante era extremamente pacifico. A aura que ele sustentava era de tranqüilidade e beleza.
- Você é uma convidada importante, minha pequena. Não se preocupe com os que estão atrás de você.
Caminhei vagarosamente até ficar frente a frente com aqueles olhos atrás da máscara vermelha. Cada degrau que eu subia, os cavaleiros atrás de mim recuavam um passo.
Fiquei tentada em perguntar seu nome, mas para não ferir mais nenhum protocolo naquele dia, preferi me manter calada e observadora. Já que estava de pé na mesma altura que ele, o que feria mais regras que qualquer um ali podia quebrar.
- Como sabiam que eu viria? – arrisquei a pergunta quando senti que estávamos sozinhos no salão.
- Seguimos ordens, e observar você fazia parte delas. – ele apontou um canto do salão onde havia uma pequena mesa de chá posta para 2 pessoas.
Entre mesuras e explicações dos motivos aos quais eu estava ali, fui convidada a ficar ali, naquele palácio, durante minha estadia no país.
Era tudo o que eu queria! Ficar no meio de um centro infinito de pesquisas e mitos curiosos.
Tentei esconder minha alegria, mas não consegui. Sorri para o mascarado a minha frente.
“Saga” falei comigo mesma, esse era seu nome. Entre trocas de palavras ele deixou escapar de propósito um fio de pensamento sobre si mesmo.
Descobri isso em meu primeiro jantar no santuário, ao qual, obviamente, ele teve que retirar a máscara para comer.
Seus cabelos eram longos e pendiam entre os ombros e peitoral tinham um tom azul escuro sem corte definido, o mesmo que seus olhos, grandes e atentos. Os lábios eram finos, quase sempre sérios e sem marcas de expressão. Ele era um homem alto, ate então só não era mais alto do que o moreno que estava na porta da festa. As mãos eram finas, as unhas eram bem feitas e ele cheirava um perfuma doce.
Fiquei boba com tamanha cordialidade e com tamanha beleza física dele também... mas ali não tinha lugar para minhas perguntas e respostas.
Tudo o que eu queria era sair, ver Aioros e saber os motivos da carta que me enviaram. Eu comia pensando no que tinha a fazer por ali. Me perguntando os motivos de ter sido recepcionada daquela forma.
- Fui eu quem enviou a carta a você, se é nisso que esta pensando agora. – serviu-se de vinho e me ofereceu.
- O quê? -Engoli tão a seco a comida que quase engasguei.... Isso não é...
- Justo? – o homem me pergunta da outra extremidade da mesa, levando um lenço aos lábios.
Fiquei pasma olhando para ele por alguns segundos.
- Pois é.... Eu Não sabia que as pessoas daqui liam pensamentos! – pensei comigo: ótimo, então posso usar também.
Ele pigarreou e sorriu percebendo minha desconfiança.
- Você é uma das poucas pessoas que conheceram os cavaleiros de ouro, pequena Nisa. Sinta-se lisonjeada por ter chego tão longe. Raros vivem para contar o que você viu e vê.
- “Os cavaleiros”? – gesticulei o número 2 para ele - Eu só me lembro de Aioros e um que conversei na china... – pensei no mestre ancião e senti um nó na barriga.
Uma pausa na conversa foi dada assim que um empregado entrou e serviu minha taça com mais vinho e colocou a sobremesa em meu prato.
- Sim... são 12. Sendo que 2 são conhecidos por você, mesmo que um não tenha dito quem era realmente. O restante foram vistos por você na primeira vez que apareceu por aqui na Grecia... Eles sabem quem você é. Já são meio conhecidos. – Saga sorriu novamente antes de levar a taça aos lábios de uma forma luxuosa.
Em um relâmpago me veio a imagem daqueles homens no bar, o brilho que eu via no ar. Contive minha respiração e coloquei o prato com bolo de lado para conversar melhor.
- Então aqueles homens que vi da ultima vez são os “supostos” cavaleiros protetores disso aqui? - fiz cara de incrédula. – Eles não deveriam ser pessoas santas, guardadas em locais de difícil acesso e tudo mais? O que diabos estavam fazendo em uma festa em um bar!??
Um turbilhão de idéias passaram pela minha cabeça e soquei a mesa sem perceber.
Não...não deve ser isso, estou ficando boba. Não posso ter sido tão cega de te-los visto e não ter lido as mensagens no ar. Acho que estou andando demais com humanos!!
Ouvi um riso alto e senti a mão de Saga entre as minhas diante da mesa. Ele me fez levantar e me guiou.
E ele continuou:
- Ande por aí. Veja as mudanças e volte para falar comigo. Aí responderei todas as suas perguntas. – apontou para o vasto salão de onde podíamos ver quase todo o santuário.
As mãos dele apontavam para uma janela que vislumbrava uma seqüência de escadarias. Em cada lance existia uma construção diferente.
- O que são? – olhei para meu anfitrião.
- São as 12 casas zodiacais. Cada uma com seu guardião.
Ele sentiu meus olhos brilharem e sabia exatamente o que tinha passado em minha mente. Cruzou os braços por dentro da manga de sua túnica negra e sorriu.
Abaixei a cabeça e sorri.
Agradeci a hospitalidade e sai quase correndo do salão. Eu queria ar novo para respirar. Queria encontrar pessoas para perguntar.