Conto de uma noite de verão
Estávamos os dois observando o céu. Era o céu à noite, é claro, senão o sol já teria queimado nossos olhos. Eu não estou brincando: o sol em um país tropical em plenos verão não é nada legal. Quente e forte demais, sabe?
Na verdade eu não gosto muito de observar o céu, nem mesmo à noite. É que ele nunca muda. Para mim, está sempre igual. Pensando bem, acho uma coisa bem idiota ficar observando um grande manto negro cheio de pontinhos brilhantes. Às vezes a Lua está lá, outras vezes não.
Eu poderia ver o céu pela TV ou por fotografia, dentro do meu quarto com o ar-condicionado ligado ao máximo para fugir desse calor. Nem durante a noite refrescava um pouco, fala sério.
Ele virou pra mim e falou: “Olha quantas estrelas!”. Caramba, às vezes eu acho que deveria dar um toque nele. Tipo, tudo bem que a gente já namora há alguns meses, mas ficar admirando estrelas? Na boa, isso é meio gay. Tipo, nada contra os gays. Mas eu não preciso que o cara que está comigo tenha esse comportamento com estrelas, sinceramente.
“É, muito legal.” Eu menti, pode querer me condenar. Mas se você quiser seguir em frente me julgando vai quebrar a cara no final. É que eu preferiria não ver tantas estrelas. Quanto menos estrelas, maior a chance de chover no dia seguinte. E talvez a chuva diminua o calor, entende?
“Você sabia que muitas dessas estrelas nem existem mais? É que estão tão longe, que a luz demora a chegar.” Ah, ta, to muito interessada nisso.
“Sério? Que máximo! Então a gente ta aqui vendo estrela morta?”
“Uhum” ele sorriu. Desisto, ele é muito idiota. Como que não percebeu a ironia no que eu disse?
Olhei meu relógio. “Caramba, tenho que ir, senão minha mãe me mata!”.
“Mas ainda é cedo”, ele disse. Que era cedo eu sabia. Não eram nem dez horas. E minha mãe não iria me matar. Infelizmente, a minha mãe é boazinha demais. Deixa eu ficar fora de casa até a meia-noite. O que seria muito legal, se meu namorado não estivesse se revelando um chato. Além disso, eu só tenho 14 anos e ele 18. Onde minha mãe está com a cabeça?
Eu vi que ele iria falar alguma coisa, mas interrompi. “Eu sei que é cedo, mas minha cabeça ta doendo muito. Acho que é o calor.”
“Ah, tudo bem.” Ele ia me beijar, mas eu virei o rosto e fingi tossir. “Quero ir logo. Eu posso estar com uma doença mortal e não quero passar pra você.”
É óbvio que eu não estava com nenhuma doença mortal. Eu só estava, como posso dizer, estressada. Não, revoltada. Assim, de saco cheio, querendo gritar até todos os vidros de todas as janelas de todas as casas quebrarem. Depois dar uns bons socos num saco de pancadas. Mas se ele soubesse, não iria entender. Homens, nunca entendem o que é a raiva feminina.
Voltei pra casa e o pior é que a minha cabeça começou a doer. Doer muito. E comecei a tossir. No dia seguinte, fui para no hospital. Agora estou internada, porque tive a grande sorte de pegar pneumonia em pleno verão. Pelo menos é uma doença. Não realmente mortal, mas eu posso ter salvado a vida dele, certo? Graças às estrelas. Estrelas estúpidas.