Hunters Life - Capítulo 1
Depois de passar a noite correndo atrás de um bando de vampiros recém transformados, a única coisa que eu queria era tomar um banho quente e dormir. Mas meu sono não foi nem um pouco tranquilo.
Como em outras vezes, eu sonhei com a noite em que meu irmão morreu e mesmo fazendo um ano, me lembro de tudo o que aconteceu naquela noite. Relembrar me fez sentir a dor que estar sem ele me causava e o enorme vazio que ele tinha deixado.
Eu estava sentada numa das poltronas da biblioteca de costas pra porta, sozinha, folheando um antigo álbum de família, por mais que eu tivesse tentado controlar as lagrimas que se formavam nos meus olhos caiam sem desculpa. Ali estavam às fotos de todas as pessoas que eu amava e as mais queridas estavam mortas. Eu estava sozinha.
-Você deveria estar dormindo.
-Eu estaria se conseguisse.
-Teve outro pesadelo com Jake?
Alex deu um longo suspiro quando eu confirmei com a cabeça e se sentou na mesinha de frente pra poltrona.
-Olha Anne, eu acho que você devia tentar comer alguma coisa e descansar. Foi uma noite meio complicada
Ele fechou o álbum e o tirou das minhas mãos com tanto cuidado que parecia que minhas mãos estavam feridas.
-Eu não consigo... Tem um nó enorme na minha garganta e um vazio maior ainda no meu peito que não me deixa continuar. Uma dor insuportável que eu...
Como sempre acontecia, comecei a chorar e soluçar. Incapaz de terminar uma palavra.
Alex olhava pra mim do mesmo jeito de sempre, dava pra ver a preocupação, ele passava uma das mãos pela cabeça enquanto a outra sustentava sua face sobre um dos joelhos.
-Anne eu sei o quanto isso é difícil pra você, mas tem que tentar...
-Eu sei, mas simplesmente não consigo esquecer. Você não sabe o quanto dói.
-Anne... Eu não estou te pedindo pra esquecer. To pedindo pra voltar a viver.
Nos últimos meses já me disseram varias vezes o quanto eu estava mal, mas acho que essa era a primeira em que eu estava realmente escutando. Se Alex estava dizendo isso eu devia estar muito mal.
-Você não vive mais, não dorme direito, as vezes não sente fome, não faz mais as coisas que sempre gostou de fazer.
-Eu...
-Você não sorri, não fala quase nada.
-Eu to tão mal assim?
-Esta pior.
Limpei algumas lagrimas que ainda caiam.
Não dava pra continuar assim, era o que ele estava dizendo sem ter que ser direto.
Dava pra ver o quanto aquilo o incomodava.
-Eu vou tentar melhorar.
Ele deu um longo suspiro e olhou pra janela atrás dele por alguns segundos. Quando voltou a olhar pra mim sua expressão era totalmente diferente.
-Isso seria ótimo. Pra começar que tal tomar café?
-Foi uma pergunta ou uma sugestão?
-Nem uma das duas, um opção já que eu estou com fome e da pra sentir o cheiro de comida daqui.
Ele fez menção de levantar e antes que o fizesse eu segurei sua mão.Ele me olhou surpreso.
-O que...?
-Obrigada.
Ele abriu um sorriso e eu o abracei.
Depois do meu irmão eu sabia que ele era a pessoa que mais se importava comigo e agora por algum motivo a que mais me importava.
Não sei o que teria sido de mim sem ele por perto.
Quando chegamos à sala de jantar, já estavam todos sentados a mesa tomando café.
-Bom dia. Como foi ontem á noite?
-Bom dia. O de sempre, eles são sempre lesados no inicio.
Esse era Peter, sempre animado com tudo e sempre querendo saber como tinham sido nossas caçadas, por mais semelhantes que elas sempre fossem. Devia ser pela pouca idade que ele tinha. Era o mais novo entre nós, apenas 16 anos. E pouquíssima experiência em caçadas.
-E isso é ruim?
-É quando além de lesados eles são mais rápidos e mais fortes que os vampiros normais.
-Alex você tem sempre que ser tão...
-Comam logo eu preciso de ajuda.
Sue estava passando pela sala com uma caixa na mão. A mais de um semana que ela não parava de arrumar e separar coisas em caixas. A pergunta era pra quê?
Ela era mãe do Alex e minha tutora desde que meus pais morreram.Era quase uma mãe pra todos na casa.
Todos voltaram a comer depois que ela saiu.
-Peter quando vai entender que tem que comer devagar?
Peter se engasgou com o susto depois que Sue reapareceu do nada na sala.
Ela sempre implicava com ele em relação a certas coisas, como os modos dela á mesa.
Um fato inédito e até meio irônico era que Peter era um lobo(lê-se lobisomem). Em duzentos anos ele era o primeiro a se juntar a um grupo de caçadores. Os motivos dele ter se unido a nós ainda não eram muito claros pra mim.
Conviver com ele não foi muito fácil, Blake teve uma reação alérgica assim que os dois se encontraram. Por sorte Phil conseguiu uma fórmula que fez a alergia parar.
Falando neles, Phil e Blake, os dois são praticamente opostos.
Blake é o mais irritável e sincero, por assim dizer. Tem sempre uma resposta pra qualquer pergunta, respostas que nem sempre agradam quem as ouve. Elas são sempre irônicas demais, cínicas demais, diretas demais ou até realistas demais pros ouvintes. E como ele mesmo diz, algumas pessoas não gostam de ouvir a verdade.
Já o Phil, eu poderia dizer que era o certinho, mas isso não é certo quando ele e Alex ocupam o mesmo espaço. Phil é uma espécie de médico e farmacêutico. É sempre muito calmo e acaba com qualquer discussão antes meso dela começar, mesmo que pra isso tenha que agir com violência. O que dificilmente acontece.
Depois da morte do meu irmão essa habilidade do Phil veio muito a calhar. O clima ficou tenso entre todos, três meses depois piorou com a chegada do Peter. Discussões começavam do nada e por nada.
Blake e Alex eram quase inimigos, mas logo isso passou. Nenhum de nós sabe porque, mas talvez tenha sido pelos avisos de Sue sobre nos mandar fazer terapia em grupo ou pra algum monastério pra nos redescobrirmos.É claro que era brincadeira.
Imagina a cara do terapeuta quando fizesse perguntas ao Blake sobre porque ele se irritava com o Peter entrando em casa molhado de chuva, “ Ah, o cheiro de cachorro molhado é horrível e se espalha rápido pela casa toda” ou se perguntasse ao Alex porque ele estudava tanto, “ Ah doutor, conhecer novas formas de se matar um vampiro é sempre bom.” Ou até mesmo se ele perguntasse ao Phil sobre as pesquisas dele, “Atualmente eu estou estudando a anatomia dos lobos e as células dos vampiros, o senhor sabia que eles tem mais plaquetas que nós humanos?Por isso se curam tão rápido.”
Provavelmente o terapeuta ia procurar um manicômio assim que saíssemos da sala e ia começar a tomar remédios controlados.
-Temos alguma coisa pra fazer essa noite?
Blake devia ta ansioso por alguma coisa pra fazer, ele não tinha ido nas últimas caçadas por conta de uma luxação no ombro esquerdo.
-É provável que não tenhamos nada pra fazer a semana toda.
-Isso é ótimo, meu ombro ainda dói um pouco.
-É mesmo. Mais tempo livre.
Sue tinha entrado novamente na sala segurando uma caixa.
Alex levantou e saiu da cozinha com a cara fechada depois de olhar pra mãe.
-O que deu nele?
-Sei lá.
Respondi por reflexo. Por que o Blake achava que eu sabia?
Alex estava estranho a semana toda, será que tinha acontecido alguma coisa com o pai dele?
-Eu vou falar com ele.
Sue colocou a caixa em cima da mesa e ia saindo da cozinha.
-Sue aconteceu alguma coisa?
Eu tinha que perguntar isso.
-Nada demais, só um pequeno desentendimento. Será que alguém pode arrumar a mesa depois.
Ela saiu calmamente da sala sem olhar pra trás.
-Acho que não foi um pedido.
Phil se levantou e saiu também.
Depois de ajudar Blake a arrumar a mesa e lavar a louça subi pro meu quarto, pretendia dormir um pouco.
Passei em frente ao quarto do Alex, ele e Sue conversavam. E ele estava sentado na cama com cara de poucos amigos.
-... Você podia ter me consultado.
-Não faria diferença. Você diria o mesmo que esta dizendo agora.
-Mesmo assim, você devia ter me consultado.
-Eu quero que você vá, é importante pro seu pai e pra mim.
Ele deu um suspiro de conformação. Não dava pra discutir com a Sue.
Ela se virou pra sair do quarto e seus olhos se fixaram em mi e depois voltaram pro Alex.
-Porque não leva a Anne com você.
Isso não tinha sido um sugestão. Ela usou o tom calmo e direto que usava pra dizer que fazíamos algo errado.
Ela se voltou pra mim, me deu um beijo na testa e saiu do quarto.
-Do que ela esta falando?
-Uma festa. A condessa de Metz vai fazer uma em homenagem ao meu bisavô e meu pai não pode representá-lo. Minha mãe quer que eu vá.
-E você não quer ir, por quê?
-Eu não conheço nenhuma daquelas pessoas, e não sei se você as tocou, mas eu vou ser a atração principal.
-Alex fala serio. É uma festa em homenagem ao seu bisavô. É claro que você vai ser o centro das atenções.
-Você não ta entendendo. Eles não querem saber de mim ou do meu bisavô. Querem saber sobre um caçador na minha família.
-Pelo visto você precisa sair mais de casa. É o que acontece quando você...
Ele me olhou com uma expressão diferente e levantou uma das sobrancelhas.
-É impressão ou você ta me chamando de anti-social?
-Não só to dizendo que você passa muito tempo trancado em casa e quando sai é sempre pelo mesmo motivo. Uma obrigação.
A cara de choque dele com o que eu disse chegava a ser engraçada. Tive que me segurar pra não rir.
-Você iria comigo?
-Ah. Claro. Quando vai ser?
-Nesse fim de semana. Partimos amanhã.
Outch. Não acredito que me meti nessa. Como eu ia arrumar um vestido de festa em um dia?
-Que tipo de homenagem vai ser?
-Não sei direito, tem a ver com uma das descobertas comprovadas pelo meu avô.
-É tipo um Nobel?
Ele deu uma risada debochada.
-Não. Nesse caso é mais uma festinha bolada pelo sobrinho da condessa. Ele adora fingir que entende do assunto e bancar o intelectual.
-Ah, Berwick?
-Não. Lorde Berwick morreu há uns três anos. É o irmão dele, Evan.
-Fala do mesmo Evan que queria ficar comigo e meu irmão depois que nossos pais morreram?
-Esse mesmo.
Que legal. Estávamos indo a festa de um cara que eu nem conhecia, mas não gostava.
-Ah. Bom eu vou arrumar umas coisas e procurar algo pra vestir.
-Não precisa, a condessa mandou um vestido.
Ele se levantou e foi ate a escrivania que tinha no quarto, só agora eu tinha reparado na caixa azul sobre ela.
-Ela acha que você é uma mulher?
Levei um susto, ou ela era doida e realmente achava que o Alex era uma mulher ou era muito esquisita.
-Não. Ela sabe que eu sou homem.
Ele respondeu olhando pra mim indignado.
-Ta bom então. Mas pra quem ela mandou então?
-Pra minha acompanhante. Minha mãe disse que eu levaria alguém. E ela mandou o vestido como um presente.
-Simpática ela.
E muito estranha.
Alex sorriu e me entregou a caixa.
-Sue disse que era muito bonito.
-Deve ser mesmo. E o que é aquilo?
Apontei pra outra caixa perto da escrivania.
Ele me olhou com mesma expressão de quando falou sobre a festa.
-Você não ia arrumar umas coisas? Acho melhor começar, saímos cedo amanhã.
Ele me colocou pra fora do quarto.
O que devia ter dentro da caixa? Seja o que for ele não quer dividir.
Fui pro meu quarto meio inconformada e comecei a arrumar o que pretendia levar. Duas caças jeans, umas três regatas e um suéter de lã.Coloquei tudo numa mochila e fiquei parada pensando se devia levar mais alguma coisa.Foi quando reparei na caixa branca com laço azul sobre minha cama.
Abri a caixa e tirei o vestido devagar. Era lindo! Longo feito de seda azul marinho, não era muito decotado e tinha alças finas e corte reto. Devia ser colado ao corpo ate os quadris. Dentro da caixa também tinha um par de sapatos combinando.
Fiquei maravilhada com a roupa, era linda. Guardei tudo de volta na caixa depois de esperimentar.
-Acho que é hora de dormir.
Depois de alguns bocejos tirei as coisas de cima da cama e deitei. O cansaço da noite passada estava começando a pesar.