Tesouros verdadeiros [devaneio]

O garoto entrou em casa, cantarolando. Sua alegria foi subitamente apagada ao ver as malas feitas às pressas, um "código" que ele sabia bem reconhecer. Seus olhinhos assustados se chocaram com os olhos sóbrios e misteriosos de Thomas, seu tutor e pai adotivo.

- A gente vai ter que se mudar? - perguntou o garoto.

- Dan, entenda...

- Entenda você! E os meus amigos? - interrompeu desesperado.

Em sua mente, essa pergunta era retórica. Lembranças de seu passado lhe voltaram. As vozes ecoavam em seus ouvidos e já podia ouvir Thomas repetir as mesmas palavras de seu pai: "Eu sei que você acha que é impossível se separar deles, mas lá você fará novos amigos, até melhores".

"Não sei se meu pai estava certo, mas não estava errado: era possível nos separarmos, tanto que acabamos nos separando. E de qualquer forma, tenho muito a agradecer a este homem, Thomas, que me adotou quando perdi meu lar, e me trata como seu filho legítimo. Por isso, mesmo que eu não goste, se ele precisa se mudar eu não irei relutar", decidiu-se Dan.

O homem observava a luta interna do garoto, em silêncio.

- Dan - pôs a mão sobre a cabeça do garoto, que apertava os olhos para segurar o choro -, seus amigos são seus tesouros, certo?

Dan balançou vivamente a cabeça.

O homem continuou:

- Na vida, você vai encontrar vários tesouros. Eles podem ser de dois tipos: aqueles que você pode tocar e aqueles que você pode carregar. Os seus amigos são do primeiro tipo: você pode tocá-los, vê-los, brincar com eles, mas não pode enfiá-los na mochila e carregá-los pra todo lugar. Por outro lado, a amizade que vocês cultivam é do segunto tipo: não é algo palpável, mas você sempre carregará consigo, não importa o que aconteça.

Dan sentiu lágrimas lhe escaparem, surpreso. Havia se preparado para qualquer bronca, mas não para aquilo. De certa forma, sentiu-se aliviado e consolado, sem entender o porquê.

O homem continuou a falar:

- Não se preocupe, você voltará a encontrar seus amigos, pois vocês sempre compartilharão esse tesouro da Amizade. No entanto, é importante que você conheça outras pessoas, outros lugares, mesmo que no momento você não perceba o valor disso.

Nessa hora, Dan abriu os olhos. Não apenas os da face, mas também os do coração, tentando entender o que seu tutor lhe falava:

- Eu não vou dizer que vai ser fácil, e nem que você não vai sofrer. Você vai ter que ser forte. Não poderei estar o tempo todo com você, fisicamente, e não sei se conseguirei aliviá-lo. Não posso fazer a chuva parar, mas posso emprestar uma capa para se proteger. E depois da chuva posso levá-lo para o jardim onde o arco-íris é mais bonito.

- O arco-íris é mais bonito depois da chuva...?

Thomas sorriu.

- Só há arco-íris depois de uma chuva. E sabia que no fim dele há um tesouro?

- Um pote de ouro?

- A ganância dos homens faz com que tesouro seja associado a ouro, mas não se iluda. Os verdadeiros tesouros são aqueles que não podem ser deixados pra trás, que devemos carregar. Nunca te contei a história do arco-íris?

O garoto fez que não.

- É a história de alguém que suportou a chuva, e, vindo o arco-íris, sabe reconhecer sua beleza. E não amaldiçoa a tempestade, pelo contrário, sente-se grato porque, sem a chuva, não haveria arco-íris para admirar. E seguindo-o com os olhos, percorrendo todas as cores, encontrou um baú de tesouros. Não apenas um tesouro, mas um baú.

Dan sorriu.

- Não entendi totalmente, ainda sou muito criança, mas suas palavras são um baú de tesouros trancado, que eu carrego até encontrar a chave para ele. Não conheço muita coisa desse mundo, preciso que segurem na minha mão para mostrar o que vale a pena ser visto, mas eu quero algum dia encontrar o baú de tesouros no fim do arco-íris!

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(nota: escrito em 2005, este é apenas um trecho de uma história)

Voo do Corvo
Enviado por Voo do Corvo em 22/10/2009
Reeditado em 23/10/2009
Código do texto: T1880566
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