E o Louro Ficou

O velho pai foi até a usina verificar o andamento das coisas. Sabia que os bóias-frias estavam insatisfeitos e precisava saber do Luizão se as ordens estavam sendo cumpridas ao pé da letra. Chegando às Serras da Pedra Grande encontrou um parente que estava com um louro no braço, e percebendo que o Zé estava de mudança, se interessou pelo bichinho. Colocou preço, e o Zé que não podia colocar olho em onça, aceitou na hora. Vendeu com tudo: louro, gaiola. E se insistisse comprava até o jumento. Êta, Zé olhudo.

Encontrando tudo em ordem,voltou pra casa satisfeito da vida. A safra ia ser boa. Daria para pagar os trabalhadores, comprar peças para os caminhões, reparar a Casa Grande, mandar o filho pra capital. Família grande sinônimo de bocas pra sustentar, sabia que enquanto as forças não lhe faltassem ele seria como mourão, pau pra toda obra. Estava com oitenta anos, mas não se trocava por certos moleques com a metade de sua idade. Bando de frouxo, isso é que eram.

A mulher ficou surpresa com a volta tão rápida, mas logo compreendeu que seu velho estava de coração caído por um louro. Bicho desengonçado, que nem falar falava. Mas o velho era assim, fazia o que dava na veneta. De vez enquanto aprontava, e era pra todo mundo ficar de bico fechado, senão a casa caia.

Passava horas tentando ensinar o bicho, e nada. Louro, me dá o pé, dizia ele. O bicho olhava, e saia rebolando a calda, com os pés achatados a procura de formiga. Não dava atenção a ninguém. Tinha personalidade papagaiana.O velho bem que insistiu, viu que aquilo não ia dá em nada.

Mas uma coisa o bicho aprendeu. Na verdade o louro aprendeu a ir pra frente de casa, bem na hora que os carros passavam cheios de estudante. E gritava pra todo mundo ouvir: Fiu, fiu, vamos namorar?A garotada ria. Os estudantes graúdos escandalosamente gritavam e assobiavam, e o louro, claro, adorava. A dona da casa ficava morta de vergonha. Resmungava pra si que queria saber quem foi o troço que ensinou o louro a falar besteira. Ela queria que o louro aprendesse cantar, mas não esperava que ele aprendesse aquelas macaquices. Sua casa havia se transformado em palco, o louro a figura principal e o mané do marido achando tudo muito hilário.

Certo dia o velho amanheceu de veneta, parecia que havia chupado limão. Esse seria o último dia do louro em casa, se ele não aprendesse a falar direito, iria morar nos cafundós, mas ali não ficaria mais. Os filhos correram contra o tempo, tentaram o dia todo ensinar músicas e frases pro louro, e nada. À noite, antes de dormir o velho virando-se pro verdinho penado disse:

- Como é Louro, vai falar ou não? O louro permaneceu de bico fechado. O velho insistiu: Vamos Louro diga alguma coisa? Esse louro só me deu prejuízo, comeu do bom e do melhor, e agora não quer me dá uma última alegria.

Falava como se o louro entendesse. Será que não entendia, mesmo? Os filhos vendo que o velho estava decidido, chorando falaram: Ô Pai, não leve o bichinho, não! O pai não deu atenção. Botou todo mundo pra dormir, e deu ordem a mulher para acordá-lo às duas horas da matina, pois tinha que sair cedo.

Pela madrugada acordou sem esforço, pois o sono estava revoltado com ele. Bateu a noite toda, pra lá e pra cá, já pesaroso pelo que tinha dito. E palavra dele era carta selada. Tinha que ir até o fim. Depois do banho, roupa trocada e trouxa arrumada, foi tomar café. Estava sem apetite, um nó no gogó dificultava a comida que entalava na goela. Mas resoluto gritou:

- Mulher coloca o louro na gaiola! A mulher alegre e bem disposta foi atender o marido, e nessa hora uma coisa se deu. Uma voz fanhosa, mas com firmeza remendou:

- Ô pai, não leve o bichinho, não!

Para surpresa geral o louro abrira o bico naquela hora e a meninada que estava no quarto pulou pra cima do pai, dizendo:

- Ô pai, não leve o bichinho, não! Ele falou o senhor não ouviu? O velho sem acreditar foi pra junto do louro e ordenou:

- Fala louro, diz de novo? E parecendo compreender que sua vida naquela casa estava por um fio, respondeu:

- Ô pai, não leva o bichinho, não!

Dali em diante, ninguém mais duvidava que na casa do velho houvesse um novo rei.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 07/10/2009
Código do texto: T1852732
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