A gata

Ela apareceu no quintal da minha casa. Animal arisco, o que impedia que alguém se aproximasse e lhe fizesse um carinho. Magra, comprida, tinha uma facilidade de entrar em lugares que a maioria dos gatos não entrava.

Quando ela apareceu, jamais imaginei que ganharia meu coração. Com um filho pequenino, e os receios que toda mãe tem, não a queria por perto, e por isso toda vez que a via de longe fazia de tudo para que fosse embora. Jogava água, gritava, jogava a vassoura, e ela corria, porém ficava me espiando de longe. Aquilo foi me incomodando. Passei a colocar resto de comida debaixo de um pé de carambola. Pensava comigo: ela enche a barriga e vai embora, não sabia que ela já tinha escolhido minha casa para ser a casa dela. Casa para comer, dormir e parir.

Os dias passaram, quando fui arrumar umas caixas numa prateleira na área de serviço, e percebi que algo se mexia dentro de uma caixa. Temerosa, chamei meu marido e qual não foi nossa surpresa: a gata colocou a cabeça pra fora, deu um pinote, saindo como um foguete. Mas ficou de longe dando uns miados... Logo descobrimos seu segredo: três gatinhos mimosos, que ainda de olhos fechados estavam aos cuidados daquela mãe-gatona. Envergonhados, nos afastamos, e deixamos que ela voltasse para cuidar da sua prole. Dali em diante, meu esposo e eu nos revezamos para acompanhar o crescimento dos bichanos e reforçamos a alimentação da gata. Não tivemos que esperar muito. Logo ela os tirou da caixa e passou a andar com eles pelo quintal. Deixou que a tocássemos, e bastava que eu colocasse uma cadeira de balanço em baixo de uma árvore para se achegar ronronando, deitando-se debaixo da cadeira, porém sem perder de vista os filhotes.

Quando os gatinhos haviam sido desmamados, chamamos um velho agricultor e pedimos que ele levasse os gatinhos para a fazenda de dona Filomena. A mãe gata já os tinha abandonado, e andava a procura de namorados. Logo apareceu buchuda. Ficamos atentos, pois temíamos que ela escolhesse um local dentro da nossa casa para parir, pois quando não estávamos perto já arriscava uma passeada disfarçada e cautelosa pela cozinha e sala.

Um dia meu filho pisou no rabo da gata e ela abriu a boca para morder, mas parou como que um pensamento gatuno tivesse passado na sua cabeça: ‘Esse menino não posso morder, pois não me machucou por maldade. ’De longe olhei a cena sem acreditar. Temia pelo meu filho, mas mesmo se tivesse corrido não teria chegado a tempo de impedir aquela mordida. Fiquei aliviada. A gata cada dia ficava mais mansa.

Percebi que ela iria parir logo, logo. Reservei um local para que ela pudesse ter seus filhotes. Iria me mudar e estava preocupada, pois sabia que o novo inquilino tinha um cachorro que não gostava de gato, e para piorar a situação ele me mandou dizer que não gostava de gato, e que eu desse fim a bichana, senão... Chamei uma amiga, preparei uma caixa e pedi ao meu marido para colocar a gata e seus filhotes, dentro. Colocar os gatos foi fácil, o difícil foi pegar a gata. Conclusão: os gatos ficaram, a gata escapuliu antes de deixar uma bela mordida na mão do meu esposo.

Ele procurou o hospital, e minha amiga que é persistente, pegou a gata à força e dentro de um saco levou a bichana para longe. Quando meu marido voltou, me pediu para observar a gata, e eu tive que dizer-lhe que havia jogado a coitada fora. Grande foi a nossa preocupação. Quando já não tínhamos esperança, pois um mês havia se passado, a gata apareceu. Magra, toda encolhidinha, chegou para ficar. Como se ela entendesse sentei no chão, olhei nos seus olhos e pedi desculpas por ter-lhe causado tanto mal. Dei-lhe comida, e muito amor. Nunca mais deixaria de zelar por sua vida , essa foi minha promessa.

Mas ela me deixou uma lição: Minha mudança foi adiada, a gata voltou a ficar prenhe, e quando os móveis estavam desmontados, coloquei uma tela na grade para que ela não parisse dentro de casa. Um guarda- roupa estava no terraço esperando o marceneiro que chegaria em breve. Ela pariu na casa vizinha, e depois, trouxe gato por gato por uma brecha que mal passaria um passarinho, mas ela passou, e os colocou dentro do meu guarda-roupa. Até um gatinho morto. Percebi que ela tinha escolhido aquele local para me dizer algo. Entendi a mensagem, e até hoje tento colocá-la em prática.

Mensagem da gata: Todo animal, seja ele qual for merece ser respeitado e cuidado.

Minha gatinha já partiu, seus filhotes estão espalhados, e, sua lição tenho transmitido por onde passo.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 18/09/2009
Código do texto: T1818206
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