O CAIS DAS ALMAS
PERSONAGENS:
1. Carlota Joaquina, nora de D. Maria I, foi casada com D. João VI; era forte, destemida, além de ser muito libertina;
2. D. Maria I – a louca, mãe de D. João XVI; louca, fanática, lucidez momentânea;
3. Bôbo-da-Côrte, um disfarce do Diabo para iludir Carlota e D. Maria no cais;
4. Luís de Camões, ídolo de D. Maria e que desperta o interesse de Carlota; galante, sedutor;
5. Xica da Silva, figura pungente que aparece a mando do Bôbo-da-Côrte (o Diabo) para titubear com Carlota e D. Maria; conhecida por ter sido cruel e ardilosa;
6. Negros, em número de quatro, são a escolta de Carlota e D. Maria até o Purgatório; másculos, fortes, viris.
SINOPSE:
Depois de serem expulsas do Céu e banidas do Inferno, Carlota Joaquina e D. Maria I – a louca, são atraídas para o Purgatório pelo Bôbo-da-Côrte (que é o Diabo disfarçado). Ele usa de malícia para atrair as duas pecadoras, para que de lá seus destinos sejam traçados.
O ditoso envia uma barca com quatro negrões fortes e robustos para conduzi-las até o cais, onde fica o Purgatório. Com medo de perder o trono para essas impulsivas senhoras, o Bôbo-da-côrte cria um qüiproquó, usando como isca o interesse de ambas pelo epopéico e galante Luís de Camões, que usa seus corpos devido a um feitiço que uma delas – D. Maria – aplicou para prende-lo numa pequena urna funerária.
Carlota e D. Maria começam uma disputa quase que interminável pela posse da urna que contém as cinzas do finado poeta, atordoando assim a expectativa do Bôbo-da-Côrte, que diante de tal desavença entra em pânico e invoca o fantasma da implacável e eufórica Xica da Silva; esta, incorporada em D. Maria, acaba com a farsa, entregando o Bôbo-da-Côrte à Carlota.
Enfim, elas são abandonadas à própria sorte, enquanto o esperto senhor dos Infernos as deixa a ver navios, voltando para sua morada.
ATO ÚNICO:
CARLOTA E MARIA PREPARANDO-SE PARA EMBARCAR; D. MARIA CANTANDO ÓPERA DE IGREJA; CARLOTA TENTANDO TOCAR CASTANHOLA; PREPARATIVOS DO BÔBO-DA-CÔRTE PARA RECEPCIONÁ-LAS:
BÔBO-DA-CÔRTE – Lá vem um barco surgindo,
Lá longe no horizonte e nele, Maria e Carlota,
Comendo e enjoando aos montes.
Já viajaram três anos
E agora é que estão chegando.
Maria raspou as sobrancelhas
Com a cara de caveira de tanto chorar,
Levou uma pisada do pé de Carlota,
Que era uma belezura de menina
Até suas pernas quebrarem
E suas verrugas lhe tomarem.
Partiu para o outro mundo com um caroço na beira
De tantos negrões lhe pegarem.
Tomou um chá de ervas que trouxe da Amazônia
E tanta gente matou.
Agora está no Purgatório
Porque, da porta do céu, São Pedro as expulsou.
Chegaram lá no Inferno,
O Diabo ficou com medo.
Mandou seu mensageiro livrar-se,
Logo, bem ligeirinho.
“Aqui, vocês duas não entram,
Já chega de competição!
Vão para o Purgatório receber punição!”
CARLOTA E D. MARIA DESMBARCAM A BRIGAR; VISUALIZANDO O CAIS, AS DUAS COMEÇAM A SE TOCAR QUE ESTÃO PRÓXIMAS DE ACHAR CAMÕES; ALVOROÇO:
CARLOTA – Até que enfim cheguei, uffa!! Nada como sair da rotina da vida de uma rainha. Não tenho do que reclamar, eu acho uma beleza! Desde criança sempre fui tão bem tratada... Não podia pisar no chão com os pés em contatos com a terra para não pegar germes... Brincar com outras crianças para não pegar doenças... (pateta) Como se os adultos não as transmitissem! Sem falar nas aulas de piano e etiqueta para não fazer feio com os parentes e em festas na Corte. Quando fiquei mocinha, os meus carocinhos começaram a despontar... Aí é que a coisa melhorou. Foi quando passei a ter contato com mulheres; não vi um bigode ou costeleta por muitos anos. Meus pais odiavam a idéia de um pobretão fogoso, gostoso, disposto a fazer vários filhos, forte e rude como um touro, uuui! Eles idealizaram um homem pra mim: esse rapaz seria ocupado, delicado: D. João VI, príncipe-regente e mais tarde, Rei de Portugal... Vocês o conhecem muito bem: é um cagão covarde, que até tinha medo de trovões! Dos nove filhos que tivemos, só quatro eram dele. Me lembro como se fosse hoje das muitas trepadinhas que dei escondido dele...
D. MARIA - Cansei, acabou!! Depois da morte do meu marido e do meu filho, enlouqueci... E conheci Camões, com a ajuda de um feitiço que aprendi a fazer lá pelas bandas da Bahia e o prendi numa pequena caixa... (virando os olhos) Não troco ele por dez vivos! Ele faz comigo tudo o que sempre desejei... Cansei de ser rainha; quero levar uma vida de plebéia ao lado da felicidade que mora aqui... Por falar nisso, já era para ele ter aparecido para cumprir sua missão eterna! Muito me estranha, pois é sempre pontual... Cacá?! Cacá?! Luis de Camões, se você não aparecer neste cais agora mesmo, eu sumo, entendeu?! E daqui para frente volto de vez para meu Portugal e te deixo aqui, sozinho... (os grilos cantam) Onde será que ele está?? Talvez tenha encontrado uma amante com um corpinho mais quente que o meu para incorporar e usar como quiser... Cachorro, ele me paga!! Então, ele está preso aqui, ou melhor, estava. Pelo que vejo, está com outra; como queria saber de quem se trata, pois, mandaria decapita-la! Já sei: lembrei-me de uma maneira infalível para ele apareça (vira-se e abre a mala)
CARLOTA – O que está fazendo, que alvoroço! Contenha-se! Você é uma rainha!
D. MARIA – Olha quem fala, até parece que é uma santa! Poupe-me de suas críticas! Não me venha falar que morreu pela Espanha. Você morreu mesmo foi pelo negrão!! Está sossegada, porque não os deixou quieto na viagem. Deixa passar uns dois dias pra sua santidade acabar!
CARLOTA – Estava me distraindo para que a viagem não se tornasse longa e monótona...
D. MARIA – Sim, sei... (guardando a caixa)
CARLOTA – O que está fazendo?
D. MARIA – Escondendo um objeto pessoal, não posso?!
BÔBO-DA-CÔRTE ENTRA E LANÇA UM FEITIÇO EM CARLOTA E D. MARIA; AS DUAS ADORMECEM AOS POUCOS; ENQUANTO DORMEM, O BÔBO-DA-CÔRTE TIRA A CAIXA DA MALA E ESCONDE DEBAIXO DO BANQUINHO ONDE SE ENCONTRAM A DORMIR:
BÔBO-DA-CÔRTE – O cansaço tomou conta geral!
Enquanto Carlota dormia e mexia,
Maria ficou de butuca com medo
que a rapariga pegasse sua trouxa.
A cada coçada, a cada abanada,
Maria olhava.
Cansada e sem sono,
abre sua mala...
Tira de dentro dela uma garrafa de cachaça
que trouxe do Brasil.
Empolgada e arretada,
bebeu, bebeu, até que caiu e dormiu.
Carlota no raiar do dia,
levantou com calor nas beiras,
sumiu descendo a ladeira
atrás de uma coisa comprida.
Maria acordou com uma larica,
sentiu a ausência da outra
e foi procurar nas suas trouxas
a caixa que já estava sumida.
D. MARIA – Puta que pariu!!! A desgraçada levou a caixa; mas ela me paga! Agora o que será de mim?!! Mas ela está presa também, não vai conseguir fugir! Estou a pagar todos os meus pecados! Só em vir junto com esta puta para cá e ainda, tê-la presa aqui do meu lado; ou pensas que não sei que estás a dar teu furico pro estas bandas, vagabunda-manca-de-uma-figa... (pega uma garrafa e bebe; senta sobre um banco ou cadeira) Ai, ai... (incorporando Camões) O que queres comigo, meu amor? Aaai... Não me bate assim que fico looouca! Fica louca, hã... Sei... O que disseste, querido?? Nada... Por onde começo? Por onde começo?? Os peitos... (sendo apalpada) Comece pelos peitos!! (citando um poema):
No mar, tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida;
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
A BARCA INVADE A TERRA MOSTRANDO-SE TOMADA PELO ENCANTO DE CAMÕES; SURGE DOIS PERSONAGENS DE MARIONETES DE DENTRO DA BARCA, QUE SE POSICIONA COMO QUE REPRESENTANDO UM TEATRO DE BONECOS; OUVE-SE A VOZ DE CAMÕES A RECITAR OUTRO POEMA:
Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-me que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Co’um tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que parecem sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.
A BARCA SE VAI; D. MARIA VOLTANDO A SI MESMA; CARLOTA REAPARECENDO; CONFRONTO; RICHA:
BÔBO-DA-CÔRTE – Lá em riba, surge Carlota
Com um monte de flores nas mãos;
Na outra mão a banana,
Preparada para a luta que vai travar com o cão... (aponta para D. Maria)
D. Maria se levanta com a gota,
Tira a poeira da roupa
E vai para cima da besta... (aponta para Carlota)
D. MARIA – Cadê minha caixa, sua maldita?!
CARLOTA - Não sei do que estás falando?! (mostrando as flores)
D. MARIA – (Poe a mão no nariz e puxa um saco com os peitos; Carlota põe a mão nos peitos) Você vai lembrar quando eu te mandar para o Brasil!
CARLOTA – Não, tudo menos isso! Do Brasil não trouxe nem se quer o pó!!! Eu não sei, eu não sei... Juro!! (senta-se numa cadeira ou banco; incorporando Camões) Dá pra parar de cacarejar?!! Vocês falam de mais!! (sente algo diferente; olha para os peitos apalpando) Que mamões!! Que delícia de corpo!! (dá um tapa nas nádegas)
D. MARIA – Pare de bater nela, maldito!!! Nunca traí meu marido, sempre fui fiel também a você... E você fazendo esses atos insanos na minha frente!; não agüento ver este tipo de comportamento... Sou uma mulher temente a Deus!!
O BÔBO-DA-CÔRTE TRANSFIGURA-SE NUM ANJO; CLAMORES CELESTIAIS; D. MARIA SURTA COMO QUEM VÊ UM SINAL DIVINO:
CARLOTA - (incorporando Camões) Vem cá, vem, meu amorzinho! Que biquinho mais lindo! Bote esta tua lobinha-guará, toda arrepiadinha, na minha mão, põe, põe, belezura!!!
D. MARIA – Hummm... (briga iniciando-se; puxando a outra de cadeira ou banco; a cena congela para a entrada do Bobo)
QUADRO ROMÂNTICO; MOVIMENTAÇÃO LENTA; CARLOTA E D. MARIA ESTÃO QUASE SE BEIJANDO; O BÔBO-DA-CÔRTE RETIRA CAMÕES DO CORPO DE CARLOTA; ALVOROÇO; BRIGA; INTERRUPÇÃO DO BÔBO-DA-CÔRTE:
BÔBO-DA-CÔRTE – Para ficar com Camões,
Tem que perguntas responder.
Exame público é importante;
Vocês terão que fazer!
Respondeu quatro dias,
Quando dez anos fez...
Só tem algumas mais,
Você vai se f...
CARLOTA – Pode perguntar o que quiser, porque de corno, eu entendo! Você é chifrudo, eu sei... Fale agora, não tenho tempo!
BÔBO-DA-CÔRTE – Você é muito afoita,
Não é à toa que virou puta;
Se errar cada pergunta,
Vou arrancar-lhe uma verruga!
CARLOTA – Mas, se eu acertar, vou relembrar o passado; vou te chicotear nú e depois te dar um trato! (mostra uma enorme pimenta vermelha)
BÔBO-DA-CÔRTE – (pondo olhares desafiadores pra Carlota)
Posso aceitar sua prenda,
Mas vou deixar claro, então:
Vou agüentar a pimenta,
Porque sou um valentão!
D. MARIA – Enquanto vocês decidem, vou à cadeira sentar; que é para não ouvir chorumelas, nem cantigas para boi ninar!
BÔBO-DA-CÔRTE – Vamos lá, então,
Começar o interrogatório!
Dona Carlota, onde fica o Brasil,
Comece o falatório!
CARLOTA – Brasil? Não sei onde fica esta terra de índios e de macacos! No lo sé! (sente uma verruga sendo arrancada; grita) Hijo de una puta!!!
BÔBO-DA-CÔRTE – (rindo) Esqueci de um pequeno detalhe,
Um detalhezinho de nada!
A cada pergunta errada,
Uma verruga será arrancada... (arrancando outra verruga de Carlota)
Só pra não perder o costume...
CARLOTA – (gritando e insultando novamente)
D. MARIA – (surtando e gritando)
CARLOTA – Que pasa!!!!!
D. MARIA – Doeu até em mim...
CARLOTA – Merda!!!
BÔBO-DA-CÔRTE – Dona Carlota, onde já se viu?!
Não pense que estou de brincadeira!
Quem descobriu o Brasil;
Pare logo com essa leseira!
CARLOTA – Brasil?? Foi... (interrompida por Maria)
D. MARIA – Foi o meu filhinho querido, esposo dessa vadia! Foi meu querido D. João VI, Rei de Portugal, quem descobriu essa terra de índios, bananas e de raparigas assanhadas como ela!
CARLOTA – (sentando-se no banco, incorpora Camões) Raparigas?? Quem falou em raparigas?? (visualiza uma alma e atrás para declamar um poema) Sinto cheio de uma bela fêmea a léguas de distância... Vem e senta-te! Vou te recitar um poema:
Ó ninfa, a mais fermosa do oceano,
Já que minha presença não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada?
Daqui me parto, irado e quase insano
Da mágoa e da desonra ali passada,
A buscar outro mundo, onde não visse
Quem de meu prato e de meu mal se risse.
D. MARIA – (enciumada, em direção à alma) E tu? Satisfeita com o poema?? Vai de reto, sai daqui, porque agora é comigo e este sem-vergonha! (a Camões) Que pensas que eu sou, seu cretino? Teus galanteios a outras raparigas vão acabar me tirando dos eixos... Se tu não sabes o que é uma mulher como eu fora dos eixos, então me provoques... Aliás, o que fazes de novo no corpo desta vagabunda-manca-de-uma-figa??? Em mim tu nem encostas, enquanto nessa “asinha” aí tu deitas e rola... (toma nas mãos um chicote) Vou te mostrar agora com quantos grãos se faz um cacete!!
CARLOTA – (incorporando Camões) Calma minha pretinha, que tal mais um versinho, hã?!
D. MARIA – (chicoteando a esmo) Nem mais um testículo... E pretinha é a puta que te pariu, seu, seu... seu patife-sedutor-de-quinta!!! (chicoteia nos pés de Carlota)
CARLOTA – (voltando a si mesma) Hã?! O que é isto? Enlouqueceste de vez? (fugindo de Maria, que continua a chicotear a esmo) Socorro, acudam-me!! Tem uma louca querendo me matar!!!
BÔBO-DA-CÔRTE – (sons de trovões) Chega!
Parem essa discussão!
Agora vou tomar providência,
Escutem com atenção!
Vou escolher com competência
Para não errar na petição...
(sons de tambor)
Eu quero a alma mais sebosa,
A mais forte e a mais viçosa!
Apareça-me sem demora!
Xica da Silva venha agora!!!
O BÔBO-DA-CÔRTE BALANÇA SEU CAJADO SOBRE D. MARIA; OS TAMBORES SOAM MAIS FORTES; OS NEGROS COMEÇAM A DANÇAR AFOXÉ:
D. MARIA – (incorporando Xica) Mas eu não tou acreditando no que meus olhos tão vendo! É impressão minha ou o cão agora está usando vestido e pintando a boca de batom??
CARLOTA – (tentando falar; Xica interrompe)
D. MARIA – Psiu! Fica quieto, estrupício! Ou eu mando meu capataz esfregar suas fuças no chão desse cais até essa tua cara ficar em carne viva, entendeu? (vira-se para o Bôbo-da-Côrte) E tu? Chamasse eu pra quê?? Toda vez é isso! Não consegue dar conta de um estrupício desse, pra que estais aqui então? Vá, diga logo, quem é essa triste?!
BÔBO-DA-CÔRTE – Onde você está, é D. Maria I:
Ela é louca, só fala besteira!
Aquela que calou o beiço,
É Carlota Joaquina, a trepadeira!
Ande logo dê nelas um jeito...
D. MARIA – Hummm... Eu acho que já ouvi falar nessas duas marmotas. Uma é doida e a outra dá mais do que chuchu na serra... Em pensar que eu deixei meu Contratador, minhas mocamas, meus luxos e meus perengüenqüens pra aturar uma coisa linda como essa... Tá bom, cansei dessa lorota; vou dar logo um jeito nessas duas... (para Carlota) Pra essa tronxa, vou rogar uma praga...
“Tronxa vai continuar
E de tanto negrão lhe meter,
Tua passarinha vai inchar
Homem nenhum vai te querer,
Porque teu ninho vai coçar
E não vai parar de feder!”
CARLOTA – (sentindo um mal cheiro) Mas o que você fez, sua galinha-preta-desgraçada!!! Tá vendo só o que você fez... (choramingando)
D. MARIA – (para Maria, com uma erva na mão):
“Essa macumba é porreta,
Eu sei que vai funcionar!
Vou lhe fazer uma careta,
Vou essa erva vou queimar
E quando ela ficar preta,
Doida pra sempre vai ficar!”
(para o Bôbo-da-Côrte) Pronto, agora eu vou é embora desse lugarzinho que meu Contratador tá é me esperando... (para Carlota) E vê se acorda, ô fedorenta, que tu não tá dentro das tuas carnes, não... Isso aqui é um Purgatório e aquele sujeitinho lá, não é o mensageiro do Diabo, não! Ou você acha que o Diabo tem um troco de réis pra pagar um mensageiro? (olhando para o Bôbo-da-Côrte)
CARLOTA – (olhando para o Bôbo-da-Côrte desconfiada e surpresa)
BÔBO-DA-CÔRTE – (disfarçando cinicamente)
Sai, sai, ligeirinho!
Sai, sai, bicho imundo!
Volta pr’o teu cantinho
Que por aqui eu me arrumo!
(apontando para Xica, que desincorpora)
SONS DE TAMBOR PARA MARCAR A SAÍDA DE XICA; D. MARIA TORNA A SI:
D. MARIA – O que está acontecendo? (sentindo cheiro ruim vindo de Carlota) Mas que fedentina é esta?? Que inhaca desgraçada!! Está vindo de ti, vagabunda-manca-de-uma-figa! Agora estás a tomar banho de mijo, é?!
CARLOTA – Nada disso! (olhando para o Bôbo-da-Côrte) Tem uma coisa que você precisa saber... (vai até Maria e cochicha em seu ouvido)
D. MARIA, ESPANTADA, VIRA-SE RAIVOSA EM DIREÇÃO DO BÔBO-DA-CÔRTE; CARLOTA FAZ O MESMO; CONFRONTO E RAIVA:
CARLOTA – Seu Bobo miserável,
Você quer nos enrolar!
Vem logo aqui pra baixo,
Que a gente quer te capar!!
BÔBO-DA-CÔRTE – Pensei que vocês fossem bobinhas,
Mas vocês não são moles, não!
Se nem o Diabo lhes agüentam,
Estou caindo fora, então!
D. MARIA – Não pense em fugir agora,
Antes que de aflição, eu morra!
Diga logo onde está esta caixa,
Diga logo, ora porra!!!
BÔBO-DA-CÔRTE – Por que não falaram logo?
Por que não notou?!
A caixa está sob o banco,
Foi Carlota quem colocou!
ELAS CORREM E PEGAM A CAIXA PUXANDO DE UM LADO PARA O OUTRO, ENQUANTO O BOBO FOGE.
BÔBO-DA-CÔRTE – Depois de tanta algazarra,
Muito choro, muita risada,
Gulodice, reinação e presepada,
Cagaram tudo e não se restou nada!
Não deram cabo, nem deu efeito
E o Brasil continua a ver navios;
Que nem reza, nem feitiços
Consegue dar jeito...
Vou me embora para o Inferno,
Não mais volto para este Cais,
Pois lá eu descanso eterno
E não lhes vejo nuuunca mais!
O BÔBO-DA-CÔRTE REVELA SUA REAL IDENTIDADE, DEIXANDO A PONTA DO RABO CAIR PRA FORA DE SUA ROUPA; ELE FOGE, ENTRA NO BARCO AOS RISOS E VAI EMBORA; DESESPERADAS, SAEM A GRITAR, CLAMAR E BRIGAR POR ELE.