AS DUAS FACES DE UMA FLOR

Personagens (em ordem de aparição):

1. Carmem, mãe de Adhalia, mulher amarga e cruel, dona de um passado misterioso;

2. Padre Jorge, pároco local, é tentado por um sentimento ímpar pela jovem Adhalia;

3. Adhalia, filha de Carmem, envolta em uma atmosfera de interesse e paixão;

4. Dimitri, homem inescrupuloso e vingativo, apaixona-se por Adhalia e mantém um caso secreto com Carmem;

5. Raimunda, criada da casa, depositário da família, é testemunha ocular desse drama.

Sinopse:

No final do século XVIII, numa aristocrática mansão residia Carmem, viúva matriarca à frente do seu tempo, vivendo uma paixão proibida por Dimitri, tendo idade para ser seu filho. Desvairada por essa paixão, força sua filha Adhalia a casar-se com este rapaz e viverem nessa casa para encobrir da sociedade sua paixão e viver esse triângulo amoroso.

Adhalia, sua filha, odeia o esposo por estar apaixonada por um padre, um segredo nunca antes revelado nem mesmo para sua fiel e confidente criada. Ao retornar de uma viagem, o esposo Dimitri descobre-se amando Adhalia e rompe seu romance com a sogra, assinando assim sua sentença.

Este texto demonstra diversas formas de amor e do que somos capazes de fazer quando somos tomados pela emoção. Um drama com final trágico e inesperado, cheio de emoções.

Roteiro de Ação:

Cena Um: Monólogo de Carmem I;

Cena Dois: Monólogo do Padre Jorge I;

Cena Três: Diálogo entre Adhalia e Carmem que estão à espera de Dimitri;

Cena Quatro: Diálogo entre Adhalia e o Padre Jorge que estão na frente da igreja;

Cena Cinco: Monólogo de Dimitri;

Cena Seis: Diálogo entre Adhalia e o Padre Jorge que é interrompido por Dimitri durante uma crise de ciúme;

Cena Sete: Monólogo do Padre Jorge II;

Cena Oito: encontro de Dimitri com padre Jorge na igreja

Cena nove: Diálogo entre Raimunda e Adhalia a respeito do pai dela e da viagem que fará com Dimitri;

Cena Dez: Diálogo entre Carmem e Dimitri durante um jantar íntimo;

Cena Onze: Diálogo entre Raimunda e Adhalia sobre o sumiço de Dimitri e Carmem;

Cena Doze: Dialogo entre Raimunda e o Padre Jorge a respeito do sumiço de Dimitri e Carmem

Cena treze: Monologo de Carmem II

Cena Quatorze: Dialogo entre Raimunda, Adhalia e o Padre Jorge sobre os destinos de ambos os três

Cena Quinze: Monologo de Cramem III

Cena Dezesseis: Monologo de Raimunda, posicionando-se como narradora da história, dando o desfecho dos personagens.

Cena Um: Monólogo de Carmem I – Cenário: Um vazio, vão livre.

CARMEM – (sentada ao lado do corpo de Dimitri) Se eu pudesse voltar no tempo, daria outro rumo na minha vida. Hoje tenho certeza de que a paixão, quando não controlada, explode como uma bomba reduzindo tudo ao caos. Não tive forças suficientes para lutar contra ela. A ausência dessa força transformou minha vida num vazio, atingindo também a quem verdadeiramente me amava. Hoje me encontro isolada do mundo, vivendo à procura de um sentimento que já não existe mais dentro de mim. Dentro do meu coração só existe escuridão e frio. Sinto que, se Deus não tiver misericórdia, não ouvir meu lamento, não aceitar meu pedido de perdão, perecerei... Tenho a certeza de que nunca mais terei uma segunda chance, pois só os puros conseguem amar verdadeiramente. Terei de ficar esperando um milagre e nem sei por quanto tempo suportarei... (olha para uma foto saudosista) Hoje aprendi que não se pode mudar o destino quando este está à mercê da vontade de Deus. A felicidade não só está na paixão, mas se confirma no verdadeiro amor. Fui fraca. Maldita criação que tive. Não me deram a chance de viver o amor que senti... A minha luta começou naquela procissão. Deveria ter resistido, talvez tivesse sido diferente... Hoje estaria feliz tendo ao meu lado meu único e verdadeiro amor. Fui fraca. Como fui fraca. Não tive forças nem ao nem os para amar minha filha. Fui fraca...

Cena Dois: Monólogo do Padre Jorge I – Cenário: ???

PADRE JORGE – (Abrindo um baú e tirando de dentro um sapato de cetim, olhando para o horizonte) Que linda moça por ali passava acompanhando o andor, pura e imaculada como a Virgem Maria. Vestia de azul... O sol escaldante não abalava sua fé, a poeira não apagava o esplendor de sua beleza. Seus lindos olhos marejavam de emoção e irritados pelos grãos de areia trazidos pelo vento. Não enxergando mais nada a sua frente, tropeça e cai. (silêncio) O decote de sue vestido deixa vir à tona sua sensualidade, sendo por muito pouco pisoteada pela multidão. Ajudei-a a tempo sem notar nem me dar conta de que perdera um dos sapatos. Lembrou-me a cena sacra “Jesus e a Sete Quedas”... Lembrou-me Maria Madalena todo o seu pranto, clamando remissão dos seus pecados. Aquela cena despertou-me um desejo proibido, carnal, impuro... (junta um punhado de pedrinhas no chão e ajoelha sobre elas) Pai, afasta de minh’alma esse sentimento, esse desejo de minha tão fraca carne... Dai forças para desfazer-me desse sapato, pois ele desperta em mim obscuras lembranças, desejos impuros...

Cena Três: Diálogo entre Adhalia e Carmem que estão à espera de Dimitri – Cenário: a sala do casarão.

ADHALIA – (olhando para o horizonte como um animal preso na gaiola) O tempo se encarregará de devolver-me as tuas noites e teus dias ao teu coração... Nosso amor será sempre como o despertar da vida, o amanhecer que se renova a cada dia... É como o vento que segue sempre sem importar-se com o que deixa para trás...

(Adhalia pensativa; Carmem entra com uma xícara de chá numa das mãos, bebendo lentamente aos goles, desafiando-a ironicamente)

CARMEM – Bom dia! Parece-me distraída. Assustei-a?

ADHALIA – Não me encontro num dia feliz, estou indisposta a prosas (sofrendo contida) Bem, na verdade não me assustas em nada! O que vem de ti não me causa mais pavor ou assombro...

CARMEM – Deverias estar feliz, pois vosso marido volta hoje de viagem. Precisa acalmar-se! Aceitas um chá de camomila?

ADHALIA – Prefiro uma dose de veneno! Não acredito que exista chá que reconstrua o que destruiu e que não podes consertar... Deixa-me só!

CARMEM – O que queria então?? Um duelo de espadas na pretensão de obter o teu amor, assim como teu pai fez para comigo? (Batem a porta) Acho que ele chegou... (Corre e abre)

DIMITRI – Bom dia senhoras! (para Carmem) Como estás bela!

CARMEM – Agradeço o lisonjeio. (vendo Dimitri olhando para Adhalia, puxa-o) Preparei seu banho e após o término servirei o café de imediato.

DIMITRI – (sem deter-lhe a atenção) Como está minha amada esposa? (pega em sua mão) Trouxe-lhes agrados... A cada retorno você está mais linda que antes!

ADHALIA – (Adhalia toma o charuto da mão de Dimitri, traga-o diante de todos e sai) Guarde seus agrados para a mamãe. Ela sim é uma mulher que se entrega fácil a qualquer galanteio.

CARMEM – O que disse, menina?? Seu pai deveria estar vivo para presenciar suas afrontas! Não hesitaria em dar-lhe um corretivo.

ADHALIA – Bom apetite a todos!

CARMEM – Volte aqui,menina!! (Dimitri a segura) Solte-me!!

DIMITRI – Calma, deixe-a sozinha. É bom às vezes nos isolarmos para reflexão, foi assim que fiz (vira-se) Raimunda!

RAIMUNDA – Sim, senhor...

DIMITRI – Já pode nos servir. Tomarei meu banho e descerei em breve. (sai; Raimunda fica estática)

CARMEM – (falando sozinha) – É desta forma que esta ingrata me agradece por todo o bem que lhe fiz! Não ouviu?? (vira-se para Raimunda) Vamos, mova-se!

Cena Quatro: Diálogo entre Adhalia e o Padre Jorge que estão na frente da igreja – Cenário: na frente da igreja.

ADHALIA – Sua benção, Padre Jorge...

PADRE JORGE – (olhando-a surpreso) O que faz aqui sozinha?

ADHALIA – Vim confessar-me...

PADRE JORGE – Estou de saída, minha cara. Além disso, não seria de bom tom uma senhora casada andar sozinha pela rua. O que vão pensar de ti minha filha??

ADHALIA – Não pode me negar esse pedido, lhe suplico!! O senhor é meu único socorro no momento, estou com medo de cometer uma loucura!!

PADRE JORGE – Seja breve minha cara, não desejo que nos encontrem aqui a sós... Vamos ao confessionário. O que deseja falar-me?

ADHALIA – Meu marido retornou de viagem, estou apreensiva. Não permiti ainda que desfrutasse da minha pureza. Sabendo eu que tem uma amante, desta vez ele está disposto a tirar minha castidade a qualquer preço! Não quero que ele me toque novamente como na lua-de-mel não quero reviver este pesadelo. Tenho nojo deste homem. Casei-me sob ameaça de minha mãe, propondo mandar-me para a Europa caso não aceitasse este casamento. Amo outro homem! Minha pureza e meu coração pertencem a ele. Aceitei casar-me com Dimitri, porque não suportava mais estar longe do meu grande amor!!

PADRE JORGE – Agora é tarde! Fizeste um juramento diante de Deus e da Igreja, fica quase impossível voltar atrás. Tudo agora depende de uma anulação, estando em comum acordo ambas as partes... Só desta forma estarás livre, caso contrário terás de conformar-se estando casada. Sinto muito!

ADHALIA – Ele nunca aceitará, não voltará atrás!

PADRE JORGE – Agora precisa ir, já é tarde! Tenho tarefas por fazer... Reze, reze bastante minha cara; Deus te mostrará o caminho certo a percorrer.

ADHALIA – Desculpe a invasão, não queria lhe atrapalhar. Sua benção, padre...

PADRE JORGE – Deus a abençoe, minha filha! (Adhalia vira-se e caminha) Não acredito, Senhor, que serei tentado novamente. Seu rosto angelical trás a moldura da tentação refletida em seu corpo, o que me deixa descontrolado... Tenho que resistir a essa difícil provação...Dai-me forças, ó Pai! Resisti há tantos anos, tenho suportar a eternidade!!

Cena Cinco: Monólogo de Dimitri – Cenário: um dos quartos do casarão.

DIMITRI – (Olhando para um quadro com a fotografia de seu pai) Pai, sua benção...Os ventos me trazem sua lembrança... Sei que estás aqui em espírito, por isso o convido a estar sempre em minha casa. Estou em falta com o senhor; perdoe-me, mas estou tentando recuperar o que perdemos. O que o senhor perdeu em vida numa mesa de jogo, vou recuperar numa cama... Aceitei as condições de Dona Carmem para atingir meus objetivos. Ela tem um instinto perverso, vadio, não tem medo de dar ou sentir prazer. Tenho muito medo que a engravide, pois posso acabar com minha felicidade. Estou amando Adhalia apesar do temperamento difícil, mas consigo ver a sua pureza... Ela quer mostrar uma segurança que não tem, na verdade é uma flor muito delicada... Tenho medo que minha brutalidade a machuque, mais do que já se encontra machucada! O que me deixa entristecido é a certeza de nunca obterei sei perdão, tendo eu açoitado-lhe durante a lua-de-mel e mesmo assim, falando-me em alto e bom som

ADHÁLIA – desejo a morte que ceder aos teus caprichos.

DIMITRI – Arrependo-me... Mas deixei cicatrizes irreparáveis!A viagem ajudou-me a pensar e decidir reconquistá-la, mesmo que para isso tenha que me humilhar. Tenho de ir... Viajarei amanhã... Farei de tudo para leva-la. Talvez a distância a faça esquecer o que passou... Adeus, pai! Faço um brinde a nossa vitória quando retornar!

Cena Seis: Diálogo entre Adhalia e o Padre Jorge que é interrompido por Dimitri durante uma crise de ciúme – em frente à igreja.

ADHALIA – (escondida, jogando pedra na igreja) Por que demora tanto? Não deve estar longe...

PADRE JORGE – Estou aqui, menina! (vira-se surpresa) Então é você... Há quanto tempo faz isso?

ADHALIA – Não sei a que se refere Padre Jorge. Quase me matou de susto!

PADRE JORGE – Da décima telha e das duas vidraças que quebrou na capela...

ADHALIA – Estava procurando amoras, não idade para tal astúcia.

PADRE JORGE – Sei... (desconfiado) As amoras parecem doces nesse tempo. Posso provar uma? (Adhalia põe as mãos fechadas para frente) Vamos, abra as mãos!

ADHALIA – (abre as mãos deixando cair as pedras) Desculpe-me, padre! Não foi minha intenção dar-lhe prejuízo. Faço questão de corrigir meu erro!

PADRE JORGE – Aonde quer chegar com isso?? Se queria confessar-se, por que não entrou na igreja? Assim o prejuízo seria evitado...

ADHALIA – A verdade, é que às vezes eu procuro a forma mais difícil de conseguir as coisas...

PADRE JORGE – Não se pode querer o impossível. Sou um homem de Deus, fiz juramentos e não nasci par desfrutar dos prazeres do mundo!

ADHALIA – Trouxe-te, pois achei que a igreja não é o lugar adequado pra falar o que sinto! Sei que me ama também! Teus olhos me falaram isso no dia do meu casamento!

PADRE JORGE – Não me obrigue a fazer o que não quero. Nunca serei teu marido e meu amor por Deus supera o desejo que sinto por ti... Nunca irei te fazer mulher! Não posso te fazer feliz! Esqueça-me e viva em paz com teu marido... (sai)

ADHALIA – Nunca estarei feliz com a tua ausência!

(Dimitri aproxima-se e entra)

DIMITRI – O que conversa com o padre?? Espero que não tenhas falado de nossas intimidades...

ADHALIA – Fique tranqüilo, meu marido... (irônica) Não posso falar do que não existe. O que fazes aqui? Aprendeste a vigiar-me?? Vieste bater-me novamente?

DIMITRI – Não me aborreças!!Se cederes a te tratarei como uma rainha, uma mulher de verdade. (beija sua nuca como se quisesse devora-la)

ADHALIA – (afasta-o) Não podes fazer isso! Na o trairei meus sentimentos, não sou obrigada a fazer o que queres! Casou-se comigo sabendo dos meus sentimentos e das conseqüências.

DIMITRI – Quais são seus desejos e sonhos? Eu posso realizá-los, Há pouco tempo percebi que a amo. Tenho um caminho longo e estranho a trilhar. És diferente de todas, doce, pura, mas muito arisca... (analisando seu rosto) Absoluta, igual a você não existe. (ela se afasta) Por que se afastou de mim? Não me amas agora, mas um dia me amarás. Dê-me uma chance! Dê-me ao menos um sorriso!

ADHALIA – Pedi ao padre que me arrumasse um convento. Não quero continuar casada com um homem que não amo. Não me mereces! Por isso te dou total liberdade pra desfrutar tua vida com tua amante. Não precisas mais sair todas as noites às escondidas para esquentar a cama dela!

DIMITRI – Não deverias fazer questão. Se me quisesse cederia aos meus desejos e não insinuaria coisas sem sentido. Poupe-me!! Vamos pra casa. Sua mãe está muito preocupada, precisa descansar.

ADHALIA – Largue-me! Conheço bem o caminho.

Cena Sete: Monólogo do Padre Jorge II – Cenário: parte interna da capela.

PADRE JORGE – Não imaginei que depois de tudo o que disse, ela sumiria. Queria que entendesse que a queria perto dos meus olhos, não como mulher. Quero que esteja ao meu lado, mas pela fé em Cristo. Procurei-a pelo vilarejo observando tantas vezes. O amor que ela sente por mim deixava-me feliz, mas tenho medo dos meus desejos... O tempo foi passando e ela parecia alguém sem perspectiva, destruída, perdida. Pensei até que não queria viver, não olhava as pessoas a sua volta, a dor a fez calar e não sorrir. Não poderia ter revelado o meu amor. Ela não entendeu, pois tenho medo de tê-la contagiado com meus indecentes pensamentos. Queria muito poder falar-lhe sobre essas sombras, pois elas lhe impediram de trilhar um caminho melhor. Sei que seu amor é como uma árvore frondosa que cresce apesar dos golpes, que não desiste e continua tentando alcançar a luz. E as fendas no tronco causadas pelos golpes ficarão marcadas e se tornarão uma armadura capaz de suportar tudo. Posso viver uma eternidade ao seu lado, mas não posso renunciar à minha fé, minhas tradições, a meu Deus...

Cena Oito: Encontro de Dimitri com Padre Jorge na igreja

DIMITRI – Bom dia Padre, sua benção!

Posso saber no que pensas?

PADRE JORGE – Na vida, preciso tomar grandes decisões.

DIMITRI – Posso saber qual? Poderia te ajudar, ou é um segredo que vem contra seus juramentos?

PADRE JORGE – Penso em reformar a capela, sou um homem santo, exijo respeito.

DIMITRI – (RI) Enquanto não deixar de encontrar-se com minha esposa não serás digno do meu respeito, ou pensas que não sei que estais a arrastar asas pra ela, seu padre de meia tigela!

PADRE JORGE – Se não fosse um homem santo até que não seria má idéia,até porque você não combina com ela, você e sua vidinha mascarada, pensas que não sei?

Casaste com interesse de roubar a fortuna dela.

DIMITRI – Não roubei, recuperei o que meu pai perdeu para o marido de Carmem no jogo, recuperei a fortuna da minha família.

E isso não te interessa, vá cuidar de suas galinhas e vacas e deixe minha mulher em paz, eu sou o único homem da minha esposa, sempre a terei em minha cama se satisfazendo.

PADRE JORGE – (ri) Verdade!

Cuidado, se isso que fala for mentira seu casamento pode ir por água a baixo!

DIMITRI – (dar um soco no padre) Cale a boca padre desgraçado!

PADRE JORGE – Saia da minha igreja seu demônio!

Você pagará muito caro por isso (chorando) eu te odeio, eu não posso, mais eu te odeio!

Cena Nove – Dialógo entre Raimunda e Adhalia a respeito do pai dela e da viagem que fará com Dimitri – Cenário: o quarto de Adhália.

RAIMUNDA – Dona Adhalia, sou eu, menina! Raimunda. Estou preocupada, não comeu o dia inteiro.

ADHALIA – Estou sem fome.

RAIMUNDA – Vai ficar fraca desse jeito. Prometo que, se for boazinha, te conto as novidades. (silêncio) Tudo bem, não vou forçá-la a nada. (vira-se)

ADHALIA – Espere!

RAIMUNDA – Sabia que sua curiosidade não deixaria que eu me recolhesse, é sua franqueza.

ADHALIA – Tudo bem. Farei por você para que não pague pelas minhas atitudes. (pega a bandeja) Agora seja rápida, não quero perder o sono. Tenho que estar de pé bem cedo.

RAIMUNDA – Sendo a senhora, acordaria tarde, pois vosso marido quer leva-la consigo e não pretende deixar que volte. Faz questão que desça, jante com eles e pediu-me para que arrumasse suas coisas. Sua mãe interveio e me pediu que trouxesse algo para você comer. Está convencida que não descerá.

ADHALIA – Ele não me arrancará daqui nunca!

RAIMUNDA – Não é mais a menina de antes, isso me deixa mais tranqüila. Se parece muito com o vosso pai, que era um homem muito bom e não tinha medo de encarar o mundo. Era infinito o amor que ele tinha... Lembro-me de quando você nasceu: encheu o jardim de dálias e fazia questão de cuida-las. Sua mãe não se preocupava com essas coisas e muitas flores morreram. Hoje restam poucas.

ADHALIA – Que tenha paz o seu espírito. Se estivesse aqui, não deixaria que eu sofresse tanto. Lembro-me quando ficávamos em frente à lareira e me contava histórias até que eu adormecesse.

RAIMUNDA – Ficava desesperado quando você sumia. Eu sabia que gostava de ficar brincando no porão com os velhos vestidos de sua mãe. Eu te trazia e te colocava nos seus braços. Sua mãe não podia nem sonhar que você estava lá...

ADHALIA – Não gostava que tocasse ou usasse nada de dentro daquele baú, sua vida é um segredo. (mudando) Seus olhos brilham quando fala de papai, Raimunda. (risos)

RAIMUNDA – Não é o que pensas... Eu o admirava como ser humano, uma personalidade difícil de encontrar em um homem, mas se quer saber de meu desejo, tudo bem! Só conto se prometer não falar pra ninguém, carrego isso comigo há anos!

ADHALIA – Vamos! Fale logo... Estou ansiosa.

RAIMUNDA – Sempre desejei que fosse minha família.

ADHALIA – Você, foi e sempre será uma mãe que sempre quis ter, à você devo muito, obrigada por tudo! Sempre esteve disposta a me ouvir e me aconselhar para o bem, me educou... (mudando) Volte para a sala e avise que estou indisposta. O resto deixe que eu resolvo.

RAIMUNDA – Tenha uma boa noite e com licença. (sai)

ADHALIA – Tenho que pensar em algo antes que amanheça. Esse verme asqueroso não vai fazer comigo tudo o que deseja, não terei paz. (assustada) Talvez tenha tramado com sua amante a minha morte... Não posso deixar que isso aconteça... Se não tomar cuidado, estarei perdida!

Cena Dez: Diálogo entre Carmem e Dimitri durante um jantar íntimo – Cenário: a sala de jantar do casarão.

DIMITRI – Vejo que caprichou em tudo. Parece até que vai a um baile.

CARMEM – É tudo pra você. (põe uma musica) Fiz questão que tivesse tudo o que gosta.

DIMITRI – Não precisava se preocupar tanto, minha sogra!

CARMEM – Não dirija-se a mim dessa forma, eu odeio! (irônica) Você não me trata assim quando estamos na cama...

DIMITRI – Fale baixo! Pois a partir de hoje será assim... Quero que esqueça o passado. Adhalia já está desconfiada e eu não provei de suas carícias, de seu corpo perfumado... Ela ainda é virgem e isso me deixa louco! Adoro mulheres difíceis e você já deu o que tinha a me oferecer. Confesso que foi uma ótima diversão.

CARMEM – Então, quer que eu aceite ser rejeitada??

DIMITRI – (irônico) Não fale assim, sogrinha! Você vai servir sim... Vai servir par cuidar dos netos que virão.

CARMEM – Não acredito que tenha mudado tanto, e tudo que combinamos?

DIMITRI – Quando os sentimentos mudam, mudam os planos. Não tenho culpa se sinto pela sua filha o que nunca sentirei por você

CARMEM – Você é igual a todos os outros. Adhalia não pode continuar casada com você. Tenho que contar tudo a ela.

DIMITRI – Contando isso, revelarei a toda a sociedade que foste minha amante enquanto estive casado com tua filha e propuseste-me que casasse com ela par viver ao teu lado sem que ninguém notasse. Que vergonha! Será enforcada em praça pública...

CARMEM – Fiz tudo isso por amor. (tentando acalmar-se) Mas tudo bem, tudo bem... Estamos nervosos, não faço questão que se delicie do corpo de minha Adhalia. Só quero um pouco de você pra mim de vez enquando, pois não será fácil esquecer as noites de amor que passamos juntos...

DIMITRI – Assim está melhor, estamos começando a nos entender. Não gosto de mulheres impondo o que devo fazer. O homem desta casa sou eu.

CARMEM – (sorri disfarçando sua raiva) Vamos jantar? Amanhã nos entenderemos e quero que assine alguns documentos. Preciso de dinheiro pra comprar jóias novas e vestidos, tenho certeza que não quer ver sua sogra e sua esposa aos trapos por aí, o que irão pensar de você?

DIMITRI – (assinando) Se é pra você ficar de bico calado assino, ela irá descer?

CARMEM – Está indisposta. Mandei a Raimunda levar o seu jantar.

DIMITRI – A partir de amanhã não quero ouvir mais cobranças suas, certo? (devolvendo-lhe os papéis)

CARMEM – Como quiser. Aceita salada?

DIMITRI – Sim!

CARMEM – Bom apetite!

Cena Onze: Diálogo entre Raimunda e Adhalia sobre o sumiço de Dimitri e Carmem – Cenário: o quarto de Adhalia.

ADHALIA – Já é tão tarde e nada... Será que desistiu? Acho que bebeu muito e esqueceu a hora. O que me deixa mais ouça é esse silêncio.

RAIMUNDA – Adhalia, filha! (aproxima-se) Encontrei essa carta, é pra você...

ADHALIA – É do Dimitri... (abre e sorri feliz) Meu Deus, eu não acredito! Vou contar a novidade à mamãe!

RAIMUNDA – (puxa-a) Não pense que vai encontrá-la, Encontrei essa carta na mesa de jantar e fui chamá-la para tomar café da manhã. Estranhei, porque ela nunca acorda tarde. Não a encontrei e suas roupas também não estão lá. Eles fugiram filha... Estamos sozinhas!

ADHALIA– Eles eram amantes, por isso fugiram juntos. Isso reforçou uma decisão que há dias tento tomar. Arrume minhas malas, Raimunda! Preciso cumprir meu destino!

RAIMUNDA – Vai me deixar só?

ADHALIA – Saberá cuidar de nossa casa e de si própria. Abrace-me, preciso me sentir forte!

RAIMUNDA – Daria tudo para saber o que aconteceu ontem durante o jantar...(Raimunda sai)

ADHALIA – Eu também, Raimunda... Eu também...

Agora tenho a certeza que terei paz, mesmo sem ter vivido meu grande e verdadeiro amor, represento pra ele pecado e danação, nunca o terei de verdade.

Mais agora estou livre e posso escolher o que fazer com o que ainda me resta, minha única saída.

Cena Doze: Diálogo entre Raimunda e o Padre Jorge a respeito do sumiço de Dimitri e Carmem – Cenário: parte interna da capela.

RAIMUNDA – (desesperada) Bom dia, padre! Sua benção...

PADRE JORGE – Deus te abençoe. O que faz aqui tão cedo? Tem suas obrigações em casa... Dona Carmem é muito exigente, pode reclamar!

RAIMUNDA – Não tem ninguém em casa...

PADRE JORGE – Creio que este não tenha sido o motivo da sua visita.

RAIMUNDA – Vim pedir-lhe pela menina Adhalia, ela foi embora.

PADRE JORGE – Se foi com o marido, fez bem, pois tem que viver ao seu lado e construir sua família.

RAIMUNDA – Ela partiu sozinha.

PADRE JORGE – E Dimitri (surpreso)

RAIMUNDA – Tenho vergonha de falar, padre.

PADRE JORGE – Preciso saber... (silêncio, depois desesperado) Vamos fale!

RAIMUNDA – Sua mãe a traiu, fugiu com Dimitri, ele eram amantes. A menina pediu-me que cuidasse da casa e disse que voltaria. Não sei que destino tomou... Interceda por ela, padre! Não quero que aconteça nada de ruim com minha menina.

PADRE JORGE – Oremos por ela, sei que voltará sã e salva. Ela é inteligente e forte, não enfraquecerá facilmente. Tenha paciência e fé. Ajoelhe-se e reze comigo. (ajoelharam-se e rezaram)

Cena treze: Monólogo de Carmem II – Cenário: o jardim de dálias do casarão.

CARMEM – (totalmente suja de terra com dálias nas mãos) Você não me deixou escolha. Não suportaria vê-lo fazer minha filha infeliz e quem sabe até sofrer o que sofri... Amo-te e vou ter forças para superar o sofrimento que está por vir. Infelizmente, não deu chance de falar do filho que estou carregando em meu ventre. Das lembranças que viverão aqui no jardim entre as flores que eu te sepultei... Espero encontrar-te um dia pra contar a história do meu sofrimento e do fim que mereci ter. E já que desejou tanto a minha filha, planto em teu sepulcro uma dália. Flor que deu nome ao teu desejo. Você a terá dentro de você em forma de esterco terra fria, nada mais justo, não acha?? O amor que sinto pela minha Adhalia é infinito e ajudou-me a romper as correntes que me aprisionavam a você... Estou aliviada por ter poupado a minha filha de um mal que pus em sua vida. Morrerei feliz... Sozinha... No escuro da solidão... No frio, por não ter seu corpo... Colherei o que plantei. Adeus, meu amor, adeus... (levanta-se lentamente com o olhar perdido) Que a tua alma encontre a salvação e a luz eterna...

Cena Quatorze: Diálogo entre Raimunda, Adhalia e o Padre Jorge sobre os destinos de ambos os três – Cenário: o jardim do casarão.

RAIMUNDA – (de cócoras, cuidando das flores) Gosto de lembrar o que passou, tantas coisas boas aconteceram. São momentos que não voltam mais... O tempo em que minha menina veio ao mundo com a ajuda de minhas mãos. Corria pela casa sorrindo sem se preocupar com o mundo, pois eu a protegia de seus medos. Onde estará agora? Não quero pensar o pior. Estarei paciente até que volte, pois seu umbigo foi enterrado aqui...

ADHALIA – Não precisa esperar tanto... (Raimunda fica para como se estivesse ouvindo um suave som) Estou aqui e já não posso voltar a ser criança. Trouxe-lhe uma das centenas de crianças que ocupará nosso lar e nossas vidas...

RAIMUNDA – (emocionada, abraça-a) Por que demorou tanto? (olhando com as mãos acolhendo seu rosto) Como mudou...

ADHALIA – Tive um encontro com Deus. Ele pediu-me que tomasse sua direção. Falou-me que meu destino é servi-lo e confesso, foi a forma que encontrei também de fugir do matrimônio imposto pela sociedade e viver ao lado do meu verdadeiro amor.

PADRE JORGE – (entra devagar) Raimunda! Vejo que encontrou uma nova confidente. (Raimunda sorri, ele olha para Adhalia) Irmã, vejo que errou o caminho da capela!

ADHALIA – Sei de todos os caminhos que irei seguir, não me sinto mais perdida. Não fique surpreso, eu voltei e agora é para ficar. Deixe-nos a sós, Raimunda. (Raimunda pega a criança e sai) Surpreso, Padre Jorge? Não duvide do que vê, é tudo real!

PADRE JORGE – Mas, e o nosso... OU melhor, seu amor?

ADHALIA – Não morreu. O amor verdadeiro nunca acaba. (Padre Jorge vai falar e Adhalia cala-o com as mãos em seus lábios) Não podemos fugir da realidade. Ninguém nunca perdeu a dignidade por amar. Tenho certeza que Deus nunca me abandonou por isso e que não há lugar para o medo se estamos com Ele. Não se pode fugir do amor, sei que ainda me ama.

PADRE JORGE – O coração é um trai dor que infelizmente temos dentro de nós. (riem)

ADHALIA – (coloca a mão sobre o peito do padre) Sempre estarei dentro de ti em oração, ouvi a voz de Deus. Pediu-me que distribuísse o amor que sinto com os pequeninos e os acolhessem. Vou fazer de minha casa o lar deles.

PADRE JORGE – Assim, também farei isso, se você quiser minha ajuda, claro...

ADHALIA – As portas sempre estarão abertas para o senhor.

PADRE JORGE – E seu marido?

ADHALIA – Não voltará mais. Antes de ir quero entregar-lhe isso... (tira a carta e o entrega)

PADRE JORGE – (devolvendo a carta) Sei de tudo o que aconteceu, sinto muito. Só tenho medo que ela não aceite sua decisão.

ADHALIA – Oremos por ela. Precisa do perdão de Deus e, que neste exato momento está vivendo sua vida. A partir de hoje passarei uma borracha no passado, todas as mágoas. Assim viverei mais feliz. Fique ao meu lado cuidando dos pequeninos e minha felicidade estará completa.

PADRE JORGE – Não a deixarei mais sozinha. Serei um pai presente. Cuidaremos juntos de nossas crianças de nossa fé em Cristo. Teremos forças para suportar qualquer provação.

ADHALIA – Que assim seja, padre... E será!

(Abraçam-se)

Cena Quinze: Monólogo de Carmem III – Cenário: Um vazio, vão livre.

CARMEM – O que mais me preocupou esses meses foi o esconderijo do corpo... A cova era pequena, tive que decepar as pernas e enterra-lo melhor. Não posso mais voltar e meu filho atrapalhará minha jornada. Descobri onde estava minha filha e pedi para que cuidasse dele e que me perdoasse. Ela respondeu que isso eu conquistaria com o tempo. Contei-lhe toda a verdade... Meu filho estará seguro, saberá educa-lo. Tudo o que fiz foi para salvar sua reputação e deixa-la ser feliz realizando seus sonhos. Sei que saberá fazer a melhor escolha para sua vida. Que Deus a abençoe e que me entenda. Se fracassei, foi por minha culpa e não poderia puxa-la para o mesmo buraco onde estou. Ela não merece. Voltei às minhas origens. Minhas amigas me aceitaram mesmo depois do abandono e cada vez mais procuro amar as pessoas e me convenço de que perdão é uma virtude que deveria ter descoberto bem antes. Quero apagar todo o meu passado e seguir minha vida a partir de hoje, cultivando virtudes e amor verdadeiro. Quero esquecer o meu passado negro para que uma nova e boa jornada inicie-se agora, pois meu passado ficou plantado no jardim, na lembrança impensada que não voltará mais...

Cena dezesseis (Final): Monólogo de Raimunda, posicionando-se como narradora da história, dando o desfecho dos personagens – Cenário: o jardim do casarão.

RAIMUNDA – Após criarem mais de duzentas crianças e terem ampliado a casa para aumentar o orfanato, Dona Adhalia adoeceu e morreu vítima de tuberculose. Padre Jorge não durou mais de um mês. Depois da morte de sua companheira de jornada, ficou muito triste, sem alimentar-se. Como cuidou até o fim de seu amor, contraiu a mesma doença. A capela já tem um novo padre que se propôs a ajudar colhendo donativos da comunidade. Dona Carmem me escreve de vez em quando. Sempre que leio uma carta mandada por ela, queimo... Tenho medo que alguém descubra seu paradeiro. Ela está morando num curtiço onde cria vários gatos. Falou-me que seu Dimitri morreu em um acidente na estrada. Quando soube da morte de Dona Adhalia e do Padre Jorge pediu-me que os enterrasse no jardim, juntos... E que se morresse antes de mim, que eu a enterrasse no canteiro de dálias... Que o testamento fosse entregue a Jonas, a criança trazida por Adhalia... Creio que tudo está em seu nome. É um rapaz maravilhoso, toma conta de tudo aqui. A mim só resta esta cadeira, continuando o sonho de minha filha que hoje viverá eternamente no jardim entre as flores.

ADIMILSON CAMPOS
Enviado por ADIMILSON CAMPOS em 03/08/2009
Código do texto: T1735144
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