Desassossego

Laila senta na frente de seu PC, ela quer checar seus mais recentes e-mails. Espera a resposta de um concurso de letras de musica. Ela tem 4 endereços de e-mail, queria dividir prioridades, mas acabou misturando coisas. No fundo recebe mais spam e nunca sabe qual endereço passou pra quem.
O e-mail abre, mas não tem nenhuma mensagem nova, exceto a propaganda de um curso rápido de informática, em promoção do mês. – Já é o quinto esse ano, engraçado, é maio...
Laila repara, que sua caixa já tem 132 mensagens, tenta dar uma limpada, mas só consegue eliminar 6, o resto tem alguma coisa que ela ainda vai querer dar uma checada, mas não teve tempo. O que a faz pensar quando terá?
Desviada a atenção do email, ela entra nas suas outras caixas de mensagem, lê coisas, elimina spams e checa rapidinho seu orkut, mas a conexão não esta lá tão boa. Ela queria um notebook, mas por enquanto...
Baixa algumas musicas que escutou no myspace e desliga, passou mais de uma hora na frente da tela, não fez nada de útil.
Agora, Laila precisa pingar seu colírio, seus olhos tem tendência a ressecar e ardem muito.
Depois de pingadas as gotas, ela lembra. Não verificou suas faltas no site da faculdade, nem baixou o regulamento do festival de trilha sonora. Mas isso não é novidade, ela sempre esquece de fazer alguma coisa na Internet e sempre faz varias coisas que não tem muita utilidade.
Ela coloca seus fones de ouvido e vai dar uma volta com seu schnauzer. Era o dia de sua irmã, mas ela teve que sair, e Ziggy estava ficando impaciente, aproveitou a chegada da coleira para fazer coco no chão da cozinha. Laila ficou tão brava que quase não saiu mais. – isso porcão, super obrigada!
Na volta, Ziggy corre pelo apartamento e Laila tira os fones. Nota 3 chamadas não atendidas no celular. Andréia, sua irmã e Maísa, sua amiga.
Ela retorna para Maísa. – Vi sua ligação perdida, flor. Diga... hoje? A meu, to detonada... Num rockzinho eu até topo, puta aquele mala, meu não to afim disso... Cara porque vocês continuam saindo com ele? Não sei, Isa, então faz isso e me retorna, mas de carona com ele eu não vou. Beijo até.
Laila largo o celular na sala, revira paginas de seu caderninho de letras de musica, que compôs e complementa um trecho, da uma cantarolada. Pega sua guitarra e tenta transpor para melodia. – Nem rolou. – ela tenta de outra forma. – Ah, agora não to concentrada pra isso...
Ela se levanta coloca 1 cd no cd player e vai ate o banheiro, abre uma gaveta repleta de esmaltes coloridos, observa-os por um tempo e pega um frasquinho com roxo cintilante.
Senta no banquinho e começa a pintar suas unhas cuidadosamente, mesmo assim, deixa borrar umas partes. – Puta, eu não tenho coordenação mesmo!
Ela limpa as bordas e espera secar, chacoalha as mãos como se tentasse apressar o processo. Então levanta, vai dar uma olhada em seus livros, percebe que esbarrou em um e marcou uma unha. – Crap! – e pensa para si “xinguei em inglês... to incorporando muito isso”.
Seus pais chegam em casa, ela ouve a porta sendo destrancada. Abaixa o volume da musica em seu quarto. Seus pais aparecem na porta para falarem oi. Laila sorri, respondendo oi e em seguida, quando os pais vão á seu próprio quarto, ela fecha a porta e fica concentrada na musica. Pega o livro de Henry Thoreau e começa a folhear. Já esta quase no final, mas abre e fica um tempo grande na mesma pagina, ouve a musica, repete a leitura e então vira a página. – Cara, não prestei atenção em nada do que eu li... Depois eu pego. – ela guarda o livro de volta na estante, na exata mesma pagina em que o pegou.
Já são 20:30, o telefone toca. Laila estava se levantando para desligar o som, mas desiste e espera mais um pouco. Ouve uma batida em sua porta, vai abrir. Seu pai aguarda com o telefone sem fio. – Pra você, acho que é a Maísa...
Laila agradece, pega o telefone e fecha a porta. Atende, vai então ate o som desligá-lo.
- meu ces vão aonde? Cara, nem sei se to afim de ir lá... E ainda que não posso voltar muito tarde, porque amanhã eu tenho treino de manha. Ta, faz isso então, to esperando, beijo. Mas não me avisa que ta chegando em 15 que não vou estar pronta. – ela diz rindo.
Na cozinha Laila prepara um hambúrguer vegetal e pega uma porção de legumes da geladeira para esquentar. O telefone toca e ela atende. – Oi, Isa. Ta, dez eu desço então... Até, beijo.
Ela pega seu prato. Na mesa tem frango, arroz e salada. Laila não come carne, ou mais especificamente, qualquer animal, nada que tenha um rosto, seja em qual forma. Na porta de seu quarto há um pôster da SVB (sociedade vegetariana brasileira), esta lá há 3 anos. Ela se arruma e desce, espera na frente do prédio a carona dos amigos.
Eles chegam em um barzinho um pouco lotado, em uma rua movimentada de barzinhos. Pegam uma mesa para seis, estão em quatro, três meninas e um menino, logo chegam mais dois garotos que sentam junto. A maioria pede algo alcoólico. Maísa olha para Laila.- Quer dividir um suco, La?
Laila olha para o menu. – Beleza, mas nada acido...Melancia?
Maísa acena afirmativamente, sabe que Laila quando não pode acido é porque esta com algo relacionado à gastrite, que ela desenvolveu no estagio, no começo do curso universitário.
Chegam as bebidas. Um dos garotos, que Laila não conhecia até então olha para as meninas e pergunta para ela. – Você não bebe?
Laila da um gole no suco. – Cerveja? Não.
Ele olha com curiosidade. Denis, o amigo que deu carona para as meninas complementa. – Ela também é vegetariana...
O garoto curioso, também conhecido por Ferreira sorri. – Que diferente? Você não sente falta?
Laila desacredita. – Não, em nenhum momento.
A conversa flui desinteresantemente para Laila, que não faz muito esforço em manter, apenas discorre um pouco sobre as dificuldades do mercado de trabalho no Brasil, alimentação natural e a influencia da propaganda. Maísa demonstra interesse no outro menino. Laila olha de vez em quando para ela, boceja. Passado mais um tempinho as porções pedidas acabam, as pessoas sentadas na mesa vão olhando umas para as outras e Laila vê no relógio 1:47. Alguém decide pedir a conta, todos concordam e logo Laila e Maisa já estão novamente no carro de Denis.
Chegando em casa com sono, reparando que os pais ainda vêem tv. Laila coloca um pijama, retira cuidadosamente sua maquiagem, com atenção especial para a região dos olhos e vai se deitar. Mesmo com sono, ela sabe bem de sua dificuldade em adormecer, então da uma folheada em uma revista não muito recente de futilidades e quando já não consegue assimilar nada e não agüenta ficar em posição de ler, apaga a luz e adormece em cerca de 5 minutos.
Manha cinza de domingo. Dez horas. Laila se levanta em meio a um quarto bagunçado, com as cobertas e lençóis enrolados por cima da cama. Ela lava o rosto, pinga uma gota de colírio anti-ressecamento em cada olho e vai ate a cozinha para preparar seu café da manha.
Há uma jarra de suco de maracujá sobre a mesa, pãezinhos frescos da padaria e um pacote de pão integral de forma. Ninguém esta na sala nem na cozinha. Seus pais devem ter ido à caminhada dominical. Quando não chove, saem domingo de manha para andar no parque que fica a três quarteirões de sua casa. Mas com a mesa posta desse jeito, Laila sabe que há mais gente a caminho, ela costuma comer o pão integral e frutas, ou cereais com leite de soja, que prefere, mas varia. Pega um pouco do suco, gosta, mas sente que esta muito adoçado para seu gosto. Quando termina, lava sua louça. Pensa um pouco se deve tomar alguma cafeína, mas acaba optando por não, ao menos por enquanto. Volta para seu quarto, sem animo algum de arrumar as cobertas enroladas.
Acaba deitando mais uma meia hora, então se levanta com o telefone tocando. Fala altos palavrões e quando chega ate a sala para atender, ele para de tocar. Ela bufa, mas resolve ir tomar banho, não vai mais dormir.
Depois de arrumada, com os cabelos ainda um pouco úmidos, depois de vinte minutos em baixo do secador, que fez com que ela suasse quase o suficiente para tomar outro banho. Laila se observa no espelho. – Não importa, ele nunca seca direito, e fica todo com ondas bizarras... Sem contar os constantes quilinhos extras. Se contar eu fico louca...
Ela vai até seu quarto, começa a mexer nos livros e papeis jogados pelo chão. Ela separa uma pequena pilha e vai jogar fora, no lixão do hall de apartamentos, mas toma cuidado para não encostar nele, abrindo-o com ajuda dos papeis.
Retorna ao quarto, conecta seu mp3 à caixa de som e liga. Ao som de Three Days Grace e Papa Roach, ela senta no chão encostada em uma grande almofada roxa que tem em seu quarto. Presta atenção nas melodias, na composição dos instrumentos, ouve as letras e imagina situações diferentes da que se encontra, sentada em seu quarto.
Laila se estica meio de lado depois de poucos minutos, abre uma gaveta de seu criado mudo, coberto de adesivinhos com frases irônicas e tira um caderninho com capa azul e algumas estrelinhas. Vai folheando, até achar a primeira pagina em branco lá pela metade. Começa a anotar algumas das idéias e pensamentos que tem enquanto esta parada, ouvindo musica. Musica é sempre uma boa inspiração. “Parece que as coisas só acontecem quando eu escrevo”. Pensa consigo e continua a escrever. “Eu olho para a minha vida, e parece que não sou eu que a estou vivendo. Porque não é possível que seja só isso”.
Ela se levanta para guardar o caderninho.
“Porra, eu podia estar esquiando nos Alpes, dançando no deserto, plantando minha comida e saindo em protestos pelas ruas... Cara, eu podia tocar nos palcos, nem que fosse em barzinhos. Publicar livros... mas eu to sentada no chão do meu quarto, ouvindo musicas baixadas de Internet, (ela senta-se meio de lado na cama), sentindo as batidas do meu coração e me segurando pra não sair por ai reclamando com todo mundo. Porque eu já sei das conseqüências desastrosas disso.
Eu sempre penso comigo mesma que não posso mais fazer isso, mas quando me pego já estou fazendo outra vez”.
Batidas na porta do quarto, Andréia pergunta se Laila pode abrir. É a irmã mais velha, estava trabalhando em Santo André no final de semana. Faz filmes publicitários para uma agencia. Laila diz que ela pode abrir a porta, pensa consigo mesma que não gostaria de trabalhar assim. “Eu vejo ela fazendo isso e não tenho vontade nenhuma. Disponível pra quando eles te chamam, você fica amarrada a eles. E acredite os caras gastam filme, negativo pra fazer comercial, velho! Eles tem dinheiro. Nos compramos os produtos que eles vendem. Nem pagam bem.”
Andréia entra no quarto, Laila pergunta da viagem. Andréia afirma que foi como as outras, trabalho. Continuam conversando ate Andréia sair para tomar banho.
Laila reflete. “Ela perguntou o que eu estava fazendo. A resposta que eu queria ter dado era: - Ouvindo musica, arrumando umas coisas...
Mas a que saiu, foi: - Pensando no quanto minha vida é inútil...
E ai começou o turbilhão de coisas que eu não devia dizer, mas disse.
Eu falo isso às vezes pra ela, porque é a pessoa que nesse momento, eu acho que mais pode entender e eu mais confio no que pode dizer. Mas ela não pode resolver o que eu não consigo. Também é quase dez anos mais velha, pensa diferente sobre vários assuntos.
Eu me odeio quando faço isso, mas ás vezes preciso falar com alguém.” Se levanta e vai jantar.
São 23:55, Laila deita em sua cama. Revira, mantém os olhos fechados por uns 15 minutos, mas nada de dormir, não consegue relaxar. Tenta novamente, abre os olhos, pensa em livros empilhados para serem lidos. Lugares que deve comparecer, o emprego que ela precisa ir atrás para descolar a grana que precisa para financiar seus projetos e gastos pessoais. Quando vê, já são 00:47 e ela nem começou a dormir.
Então pega o controle remoto e liga a tv. Zapeia um pouco, semi deitada, com apoio de sua almofada gigante. Deixa em um canal de variedades. Esta cansada, por isso não faz nada mais produtivo, mas pensa, “Tem muita coisa acontecendo no mundo pra eu ficar parada dormindo”.Zapeia mais um pouco, pois o programa terminou. “Mas sei que com sono, nada sai direito.”
Ela se levanta para ir ao banheiro. Retorna e assiste mais um pouco de tv, finalmente às 3:11, ela desliga, já fechando os olhos.

If you want it all... Skid Row, toca no som do quarto de Laila. Ela acorda com um baque, vai se aproximando sem pressa do aparelho para desligá-lo. Começa a se arrumar num humor ainda indescritível. Derruba algumas coisas no caminho até a sala, fecha a geladeira com força ao perceber que não encontrou o que queria, assustando sua mãe e sai num seco tchau a quem pudesse ouvir.
O elevador não colabora e ela chuta violentamente ate obter resposta. Entra ajeitando o cabelo no espelho, sem muita esperança de um bom dia.
Logo que sai do prédio, percebe que esta chovendo. – Puta! Fantástico, era bem o que faltava...
Ela volta para pegar um guarda chuva. “Considerando seriamente a possibilidade de não ir mais...”.
Laila pega o guarda chuva atacando tudo pelo quarto e sai esbaforida. Caminha depressa pelas ruas até chegar na faculdade.
Ela corre pelos corredores, entra na sala, apenas quatro pessoas estão sentadas em carteiras. O professor espera a chegada de mais alunos. Passa 20 minutos do horário previsto. Laila escolhe uma carteira perto da parede tira sua mochila e apóia o guarda chuva no chão, respira fundo, recuperando o ar, ajeita os fios de cabelo molhados. Olha para os colegas, um deitado sobre sua mesa, outro com fones de ouvido. Os outros dois, uma menina e um menino conversam, fazem um comentário qualquer com Laila e continuam sua discussão sobre Heroes. Mas Laila não acompanha a serie.
O professor olha para os alunos, o de cabeça abaixada levanta todo despenteado. – Nossa ninguém mais apareceu? – olha para trás. – Ah, oi, Laila. – ela sorri e responde.
O professor enfatiza que vai esperar mais cerca de cinco minutos para ver se chega mais alguém. Afinal a sala tem 35.
No fim do período letivo Laila se despede de sete colegas. Já não esta mais uma chuva muito forte, só um capuz protege o necessário, para ela caminhar de volta para casa.
Entrando na sala de seu apartamento, Nancy, mãe de Laila esta sentada na poltrona lendo as manchetes sensacionalistas do jornal. Vê Laila entrar. – Como foi a aula hoje?
Laila larga suas coisas na mesa central, abre o casaco. – Inútil. Não tinha a mínima necessidade de eu ter ido.
Nancy faz uma chacoalhada de cabeça, como quem diz paciência e continua lendo o jornal. Laila caminha ate seu quarto. Entra e vê sua guitarra, roxa com preto e adesivos AdBusters apoiada de uma forma surreal sobre o criado mudo, prestes a cair. Prontifica-se a resgatá-la. Xingando de todas as formas possíveis. Ajeita a guitarra em seu local apropriado. Senta em sua cama, da uns socos na almofada e se levanta. Volta para a sala.
De forma como vem correndo, Nancy já tira os olhos do jornal. Laila solta. – Quem mexeu no meu quarto? Foi a Silmara? Já falei que não gosto que ninguém mexa nas minhas coisas, mas na guitarra!!!
Nancy só olha. – Eu nem entrei lá. Você sabe, a Silmara limpa a casa, mas eu falo pra ela não mexer.
Laila quase soca o ar enfurecida. Resolve dar um tempo até entrar na cozinha e dar uma de rock star em fim de show com a cabeça de Silmara.
Ela volta para seu quarto pega a guitarra, da uma limpada e resolve tocar um pouco. – Humm, precisa afinar...
Ela afina rapidinho e começa a tirar uma melodia pesada, logo ela perde o acorde – Preciso continuar. – Ela faz algumas tentativas, depois de um tempo faz uma seqüência, com a qual parece satisfeita. Toca de novo duas vezes e coloca a guitarra novamente para descansar.
Depois de uma sessão d suas musicas favoritas, para socar a almofada, pular insandecidamente e começar a sonhar um pouquinho. Laila com fome vai até a cozinha e retira seu almoço da geladeira.Não sem antes derrubar um pote de azeitonas no chão e deixar o cheiro impregnado o resto do dia. Até seu pai chegar no fim da tarde e perguntar o que era o cheiro estranho na cozinha.
No fim do dia, depois de ficar um bom tempo olhando seu texto traduzido de Adorno e só conseguir ler e compreender três parágrafos, já que sua concentração estava comprometida com uma musica que escrevera no dia anterior e pensava em novos acordes, se imaginava tocando, mas insistiu em ficar com o texto na frente. Mesmo sabendo que com concentração, leria mais que três parágrafos em quinze minutos.
Laila liga o pc para checar e-mails. Antes de logar no MSN, ela resolve empilhar seu já estufado e gastricamente comprometido estomago, com doce de leite de soja e um pacotinho de biscoitos orgânicos sabor chocolate. – Cara, eu definitivamente não devia fazer isso- olha para a barriga – Como se já não estivesse gorda o bastante, ainda contribuo pra porra da gastrite!

Eu queria ir pra Terra do Rock’n Roll, onde toca Ska, HC e Rock’n Roll, ao vivo todos os dias.
Em uma parte é sempre noite, na outra, sempre ensolarado.
O clima nunca é quente o suficiente para que baixe a pressão, nem frio o bastante para usar agasalhos. É só calor o suficiente para aproveitar a praia e usar shorts, e frio o bastante para ser abraçado ou tomar chocolate quente.
Todos são veganos e nenhum alimento engorda.
Tudo é descartável para não precisar limpar, mas não polui. É tudo biodegradável.
Todos os garotos tem maxilar quadrado, ombros largos e cabelos claros, ou são morenos com piercing e jeitinho punk.
Red Rockets de carne e osso são sete e o original também mora lá.
Não há marcas, só idéias.
Se acorda e dorme quando se quer. Dinheiro não é problema. Há também muito espaço para qualquer atividade artística.
Sexo não é casual, mas chegando lá te apresentarão seu parceiro ideal. Depois do tour de apresentação.
Não há alergia e a água por si só, tem alto poder hidratante.
Não existe menstruação, para ter filhos é só seguir certos passos.
Não é necessário dirigir. Quem quiser, tem disponível carros automáticos com direção hidráulica, não poluentes, para utilizar em ruas livres e largas. Os sentidos são simples.
Talvez pessoas morram, mas ninguém fica velho e com problemas.
É tudo orgânico, nada é testado em animais e todas as vitaminas necessárias existem em abundancia no sorvete e nas balinhas de menta.
Basta encostar o pincel do esmalte e as unhas se pintam por inteiro.
Da para trocar a cor de cabelo inúmeras vezes ao dia, eles também nunca armam e secam rápido.
Um pão de melado pós-refeição é suficiente para limpar os dentes.
Aulas de dança, ginástica e luta, rolam ao longo dos dias gratuitas. Os músculos não precisam de aparelhos para ficarem definidos.
Três horas de sono são suficientes, só para sonhar sem interferência, abraçadinho com seu escolhido.
Todos os bateristas jogam as baquetas para garotas roqueiras que tocam guitarras roxas com preto.
Insetos não picam.
Todas as produções são independentes, nunca comerciais, nem acadêmico intelectualizadas.
Há um grande parque temático das obras do Tim Burton.
Tatuagens saem quando o dono se cansar e piercings cicatrizam de forma simples.
Ninguém é grudento, mas as pessoas estão sempre lá quando você precisa.
Terminando de escrever, ela se levanta e vai almoçar. Sua mãe preparou um prato de cogumelos com tofu temperado e de sobremesa sorvete vegano. – Maravilha! Só falta não engordar e limpar os dentes com pão de melado...

Laila entra no MSN e vê pessoas online com quem não quer teclar. Coloca-se offline e vai checar e-mails. Se perde no myspace, com pedidos de add de bandas novas. Algumas ela curte. Só mais de uma hora depois ela desliga, seu pai esta aguardando para checar e-mails.
Ela toma banho rápido, e demora mais que o dobro do tempo para passar cremes e fazer limpeza do rosto. Então vai para sua batalha noturna agravada pelo estomago irritado.
No inicio da madrugada, um pesadelo faz Laila acordar de sobressalto. Um pouco suada, joga as cobertas para a beira da cama e senta. Seu coração bate como uma locomotiva.
Ela respira pesadamente, sentindo as batidas e tentando superar o súbito desespero ao se dar conta que “Já passei da metade da faculdade, penso na banda, nos livros há tempos, e nada... e se eu não conseguir?”
Ela deita tentando se acalmar, mas as batidas, como socos pulsando não deixam com que ela descanse.
Na manha seguinte ela pode acordar um pouco mais tarde, ir à aula para anotar o conteúdo até a mão doer, em seguida almoçar um suco de polpa de melão (única opção não acida) e passar às duas horas seguintes discutindo ética jornalística.
Na quarta piadinha seqüencial da leitura do texto de base, Laila, com a cabeça apoiada sobre as duas mãos, deixando sua franjinha lateral cair para a frente, nem mais consegue se concentrar no texto. “Por que eu tenho que precisar de nota justo dessa matéria?”.
Nesse momento toca a musica tema de Os Simpsons em seu celular, sinalizando a mensagem enviada por sua mãe. “Vai demorar?”.
Ela ajeita os cabelos castanhos lisos e compridos para trás. Olha para os cinco colegas de grupo – Vamos agilizar pessoas. O lance de ler em conjunto não ta rendendo. Melhor tentarmos as perguntas.
Uma hora mais tarde, tendo descascado as pontas de quase todas as suas unhas, Laila chega em casa.
Nancy não gostou de ter duas chamadas ignoradas. Mas depois da seqüência de assaltos na região, Laila evita atender o celular em certos trechos. Discorre “É surreal que estas sejam as condições em que temos que viver. Me submeter a toda essa possibilidade de violência, em vida estressante, sem ter uma merda de um retorno”.
Laila passa pelo quarto de Andréia, que acena um oi, ocupada com seus mil telefonemas. Chega então em seu quarto, fecha as cortinas, persianas... Entra em baixo das cobertas, por duas horas.
Perdida em pistas e palcos internacionais, Laila fashion e com penteados elaborados e muitos acessórios, fala com alguns de seus músicos prediletos. Eles têm a mesma turnê, vão do Japão para a Austrália. Laila esta quase ficando em pé na prancha, mas tudo vai ficando embaçado e ela acorda.
- Po, nem no sonho eu to acompanhada? – ri.
No fim de semana, Laila tentou aproveitar para recuperar o sono. Tinha leituras extensas, alem das oito mídias que tentava semanalmente acompanhar, fora as noticias da Internet. Ta só às vezes. Em alguns momentos ela queria era se afastar de tudo aquilo.
Por adorar escrever escolheu jornalismo. Fazer criticas interessava, gostava do intercambio de meios e coberturas do mundo artístico (musica, cinema, quadrinhos...) mas as noticias sensacionalistas diárias, ela dispensava.
Já no quinto semestre, lendo suas inúmeras fontes de informação, Laila se questionava. Em que doze versões diferentes da mesma iriam ajuda-la a formar uma banda.

Na tarde chuvosa de um domingo cinzento, horas depois de ter decidido não comer nada, pois seu estomago estava zuado, Laila quase chorava com o fim de um livro importado que encomendara ha um mês, mesmo que já aguardava ha sete.
Acabou a leitura e resolveu seguir até a cozinha e comer um pote de geléia de maça, sem pressa até se sentir satisfeita. – Ah, bem melhor! Jejum não é comigo... – seguiu então até o banheiro, para pintar suas longas unhas de roxo. Pensava no que esperar do futuro.
Na verdade pensava em seu próprio futuro, sim, se preocupava em manter o planeta nas melhores condições possíveis, gostava de achar que de certa forma estava contribuindo com isso, sabendo que era pouco. Mas achava difícil conseguir mudar coisas em grandes escalas, se mal conseguia resolvê-las para si mesma.
Achou melhor se concentrar em outra coisa e marcar de sair com os amigos, pois essa não era a forma que funcionava para resolver nada.

Um semestre letivo, e três meses sofríveis de estagio depois. Laila se sentia gorda (mesmo estando no peso adequado), despreparada e irritada.
Seu computador pegou vírus. Acabara de discutir com Andréia e Maisa, que ficou de combinar de sair, não retornou.
Acima de tudo, Laila estava puta, porque sua mãe não deixou ela ir ao show do No Use For a Name. – Quando a banda já vem pra cá! Tomara que tenham uma melhor estadia na cidade do que eu...

Depois de uma semana cheia de avaliações, chegam dias vazios, três telefonemas de Maisa e um de Denis.
Andréia saiu , com suas calças largas, que à deixavam ainda mais magra. Só não parecia modelo porque não gostava ou não tinha paciência para se produzir.
Laila até gostava de se produzir, com moderação, mas se achava incapaz. Se olha no espelho com suas recém adquiridas mechas coloridas, fininhas, espalhadas pelo cabelo, nas cores magenta e deep red. Em duas semanas já estavam desbotadas e sua tentativa de retoque deixou o banheiro mais colorido que seu cabelo.
Exausta depois de semi-secar o cabelo e tentar deixar o banheiro mais parecido com o que já fora, sem sucesso. Menos de três minutos depois, Andréa entrara e de cara soltou – Nossa, quem jogou paintball no banheiro? – que fora a deixa para Nancy entrar, falando no telefone sem fio e anotando algo em um bloquinho e avaliar por si a situação. Ela logo foi reclamar com Laila, que retrucou algo sobre limpara melhor mais tarde (o que ela realmente fez, mesmo não deixando 100%) e foi assistir a um seriado na tv.
A nova série britânica sobre estudantes universitários dava expectativas. “Queria muito fazer um curso fora do país... A merda é que é muito caro”.
No dia seguinte, na faculdade, faltara sem aviso, um professor. Os alunos então, tiveram que aguardar uma hora e meia até o inicio da próxima aula. Conversavam no C.A. A tv estava ligada, passava um noticiário, para o qual todos fizeram cara feia e alguém decidiu trocar de canal.
Mais um seriado americano. Laila observava um pouco, sua colega, Ângela, olha para a tela e fala – Nossa, que tosco. Nunca assisto isso!
A ação do seriado, se passa em um típico High School. Laila senta ao lado dos colegas e assiste um pouco. Vê as cenas em corredores cheios de armários, cheer leaders e ginásios enormes.
Alguém comenta – Meu colégio era bem menor que isso. Não tinha armário também, os amigos eu tenho desde o prezinho...
Ângela retruca – O meu colégio era grande. Eu praticava vários esportes, sem essas babacas de saia. Mas o melhor eram as festas e as feiras para projeto, mo saudade...
Laila escuta os colegas com um sorriso simpático. – Não são bem essas as lembranças que eu tenho do colégio...
Escadas intermináveis sendo subidas, para todos os lados, há alunos uniformizados conversando, apressados... Laila, com a mochila nas costas e mais três livros nas mãos, sobe super apressada. No final da rota (segundo andar, considerando que a partida é no menos um), ela tem a respiração ofegante, e o coração acelerado. Passa pelo corredor escuro e largo. Ali, algumas panelinhas conversam, riem... Próximo à porta de sua sala, garotos discutem banalidades.
Laila vai passando por todos com olhar de indiferença e pensamentos críticos. Da garota desafinada sem senso melódico, sentada na primeira fila, ao menino com pose de gostosão que quase bloqueia sua passagem.
-Putz, velho! Já são quase 11:30 – Fala Ângela.
Lucas, outro colega, retruca. – Vamo pra aula do professor Tiburcio...
Todos se levantam. Laila olha para a tv, com o seriado já em créditos finais.
Depois da aula ela volta para casa. Compra uma revista de musica no caminho. Assim que chega, ela começa a ler, fica empolgada com as novidades de instrumentos, bandas, shows. Toca um pouco sua guitarra roxa com preto. Ela gosta de tocar todo dia, nem que seja por dez minutos.
Laila revê suas canções favoritas, se arruma como roqueira, smokey eyes, franja caindo de lado, cabelos bagunçados, botas. Sai com Maisa e Denis para um barzinho que toca rock.

-Continua-










sonhadora insone
Enviado por sonhadora insone em 29/06/2009
Reeditado em 05/04/2010
Código do texto: T1673898
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