Duas Histórias. Dois Caminhos.

Éramos inseparáveis. Para onde ia um o outro também ia. Nas horas vagas e nos finais de semana, estávamos sempre aprontando porque imaginação e energia não nos faltavam.

Só numa coisa éramos diferentes: a forma que nossos pais nos educavam. Eu reclamava, achava ruim, mas obedecia porque lá no fundo percebia que meus pais queriam o melhor para mim; já os pais de Juarez eram mais complacentes, e facilmente o filho conseguia enganá-los, pois eles criam que o filho era um santo. E de santo não tínhamos nada. Aprontávamos e muito.

Jogávamos pedra nos telhados, nos cães e gatos; colocávamos os meninos menores para correr e melávamos as roupas das meninas que achávamos dondocas. Mas nossos momentos de verdadeiro prazer eram quando íamos nadar no açude, jogar bola ou peteca, apostar corrida de bicicleta, montar nos cavalos da Fazenda do seu Mané.

Juarez e eu, depois de largarmos mais cedo, pedimos a professora pra ficarmos na biblioteca da escola. Ela deixou, e como estava ocupada, nos deixou ir e ficarmos a sós. Não pretendíamos fazer nada de errado, mas ali se deu o início de duas histórias e de dois caminhos.

Vimos alguns brinquedos novos, ainda na embalagem. Eu tive a idéia, e passei pra o Juarez, e daí foi só um passo colocamos na bolsa e sairmos como se não tivéssemos feito nada. Quando cheguei em casa, contei pra minha mãe que tinha sido premiado com aquele presente por ter sido o melhor em comportamento. Minha mãe ficou feliz, e me deu um abraço. Eu suspirei aliviado, porque minha mãe não deixava passar nada. E nessa...

No dia seguinte, encontrei com o Juarez e numa briga por uma besteira qualquer, me chamou de ladrão. Eu furioso disse que ladrão era ele, e a professora nos chamou e Juarez me dedurou. Fiquei uma fera com ele, e garanti que nunca mais o queria como amigo. Pus a culpa nele, e ele em mim. A professora se calou. Temi que ela mandasse um bilhete pra minha mãe, mas ela foi mais sabida do que eu imaginava. Ela me conhecia, e sabia que eu mesmo iria abrir a boca.

Foi o que fiz, chegando em casa, de cara amarrada, meu pai percebeu e perguntou o que tinha acontecido e eu disse que meu melhor amigo tinha me chamado de ladrão. Minha mãe veio me receber como de costume, me deu um beijo e foi me perguntando como tinha sido a aula, e por que eu estava tão enfurecido. Disse tudinho. Como minha massinha imaginou, eu falei. Minha mãe parou, olhou-me nos olhos e disse:

- Meu filho, você nunca mentiria pra sua mamãe, mentiria?

- Não, mamãe, nunca!

Respondi com meu coração aos pulos. Parecia que queria sair pela boca, mas eu já estava enrolado e não poderia fazer minha mãe sofrer.

Minha mãe se calou. E a noite passou rapidinho.

No dia seguinte tive uma surpresa. Minha mãe iria comigo ao colégio. Quando a vi colocar a caixa do brinquedo que eu trouxera dentro de uma sacola, pensei: Tô perdido.

Minha mãe olhou-me nos olhos, e vi tristeza e muita dor. Senti que meu sangue fugia, tentei dizer alguma coisa e a voz havia sumido. Pedi:

- Mamãe, coloque a sacola dentro da bolsa.

Ela com voz firme, disse:

-Não! Essa sacola vai balançando para que todos vejam o presente que você ganhou por bom comportamento.

Quando chegamos lá, entrei na frente, e passei rapidamente pela professora sem responder sua saudação. Vi minha mãe chamar a professora, e ambas irem para um lugar a parte.

Quando retornei no final da tarde, minha mãe me recebeu como de costume. Olhei para ela, mas nada pude perceber.

Mas depois que ela cuidou da janta, e tudo estava pronto, ela me chamou para sentarmos à mesa. Pediu que eu a olhasse nos olhos, e segurou minhas mãos. Carinhosamente foi me dizendo:

- Filho, somos amigos, e nos amamos, não é verdade? Você percebeu que fez sua mamãe chorar?

Baixei minha cabeça. Ela me pediu que voltasse a olhá-la nos olhos, e com voz suave e tristonha, continuou conversando:

- Filho, você sabe por que os presídios estão cheios de pessoas detidas? Elas começaram pegando algo que não lhes pertenciam, não tiveram uma mamãe ou um papai para lhes advertirem. Continuaram cada dia mais praticando coisas erradas. Um dia Papai do céu ficou tão triste que saiu do coração deles, e aí é que passaram a fazer um mal maior. Passaram a roubar e a matar.

Eu não conseguia piscar. Vi minha mamãe olhar-me preocupada, e as lágrimas correndo por seus olhos.

- Filho, conte para mamãe a verdadeira história desse brinquedo. Você vai me contar a verdade?

- Sim, mamãe.

Comecei colocando a culpa no Juarez, àquele filho de Judas, mas ela me falou:

- Filho, a verdade...

- Tá bom, mamãe.

- Diga: A idéia partiu de quem?

- Foi minha mamãe. Fui eu que chamei o Juarez pra pegar os brinquedos.

Ela soltou um longo suspiro, e acariciou minhas mãos. Contei tudo, tim-tim por tim-tim.

- Meu filho, você sabe que fez algo errado? Quando meu filho vir algo e achar bonito, diga pra mamãe ou papai. Se tivermos condições, compraremos pra você, se não tivermos, juntaremos dinheiro e depois poderemos comprar; e quando chegarmos numa loja se você desejar algo, e pudermos comprar, compraremos... Mas nunca pegue nada de quem quer que seja sem que lhe seja oferecido. Porque o que você fez deixou triste, a mim, o seu pai e o Papai do céu também.

Como me senti feio diante daquele olhar de amor que minha mãe me dava naquele momento. Senti que ela estava me jogando uma corda para que eu saísse de um abismo.

Convidou-me a conversar com Papai do céu. E ali oramos juntos. Pedi perdão a papai do céu, e disse que nunca mais faria aquele negócio que deixou o coração Dele tão triste. Mamãe me pediu pra ir até papai, e dizer que estava arrependido pelo que tinha feito e que já tinha falado com Papai do céu.

Senti alívio. Decidi que nunca mais mentiria pra minha mamãe. Já o meu amigo Juarez... Continuou aprontando, pegando coisas dos outros.

Crescemos. Precisei mudar de escola. Seguimos caminhos diferentes. Mas aquela experiência vivida, e a forma que minha mãe reagiu fizeram a diferença entre a liberdade e à prisão.

Juarez largou os estudos, passou a roubar e a ser temido no lugar que vivera desde a infância. Hoje, depois de uma tentativa de assalto acabou preso, e já sentenciado, cumpre pena num presídio.

Eu continuo minha vida de rapaz pobre, mas que tem algo de valor: o nome de um rapaz honesto. No rosto da minha mãe e no de meu pai nunca mais vi aquela tristeza que lhes causei naquele dia. Neste final de ano estarei prestando vestibular para Psicologia. Sei que não vai ser fácil, porque preciso trabalhar e estudar, mas conto com a ajuda de meus pais, e é isso que importa.

Naquele dia, minha história foi mudada, e um outro caminho me foi apontado.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 24/04/2009
Código do texto: T1558012
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