Miniatura de Gente

Tinha quatorze anos, embora parecesse ter nove. Era realmente muito franzina porque passou muita fome e privações. A vida daquela miniatura de gente não foi fácil. Sofria calada. Pais alcoólatras, agressivos, não tinham noção de limite. E foi assim que um dia levaram sua filha de oito anos para trabalhar numa casa, e ali a deixaram. Todo mês iam apenas receber o dinheiro do salário da menina. Não recebia um abraço, um beijo. Seus pais não queriam saber se estava bem, ou se lhe estava faltando algo. O que lhes interessava era o dinheiro que teriam em mãos para manter o maldito vício.

Um dia, sem querer quebrou um vaso da patroa, e esta não perdoou. Trouxe-a de volta, sem direito a nenhum centavo. A menina levou a maior surra, e depois obrigada a ir procurar emprego naquele mesmo dia, se não as coisas iriam piorar.

Ela tinha um sonho. Seu sonho era muito pequeno. Queria estudar para aprender ler e escrever, ser uma professora, fazer muitas crianças felizes. Ma seus pais nunca a deixavam ir à escola. Diziam que letra e papel não enchiam barriga de ninguém. Mas a menina acreditava que através das letras poderia descobrir caminhos mais largos.

Um dia soube que seus pais estavam com os dias contados. O álcool tinha feito mais vitimas. Afinal já tinha perdido uma irmã que fora assassinada em frente de casa por um homem bêbado, e agora seus pais seriam os próximos. Sozinha no mundo, sem casa, sem parente, foi morar na rua. Passou fome, frio. Foi agredida e humilhada. Chegou a brigar com os ratos, cães e gatos por um pedaço de pão. Ninguém a reconhecia. Cada dia mais suja, mais feia, mais molambenta.

O inverno chegou. Andou a procura de papelão, não encontrou. Bateu em algumas portas, nenhuma se abriu. Torceu para encontrar alguém que lhe estendesse um prato de sopa; afinal sempre aparece dentro da noite anjos em forma de gente, saciando a fome dos abandonados. Não teve sorte.

Cabisbaixa, encostou-se ao portão daquele prédio que fazia parte de seus sonhos. Era o portão de uma escola. Ali se enroscou para dormir.

Sonhou. No seu sonho entrava por aqueles portões, fardada e com uma sacola bonita cheia de livros e cadernos. Rodeada de amigas, sentava para assistir mais uma aula. A professora sorridente, chegando perto, deu-lhe um beijo na testa.

A menina sorria...

Pela manhã, quando o vigia fora abrir o portão vira aquela menina deitada. Chamou, mas ela não acordou. Abaixou-se, cuidadosamente tocou-a, percebeu com assombro que ela não estava dormindo. A menina morrera.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 14/04/2009
Reeditado em 14/04/2009
Código do texto: T1538845
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