A Pedinte
Ela passava todas as tardes. Trazia um sorriso nos olhos e nos lábios. Carregava um saco quase do seu tamanho. Ninguém sabia o que tanto levava, pois não parava para pedir. Por onde passava deixava um rastro; numa voz melodiosa e com emoção
transmitia sua mensagem através da música.
As pessoas se acostumaram com aquela figura que não fazia mal a ninguém, além disso, transmitia alegria através do seu sorriso, do seu canto, do seu jeito de andar e falar. Mas um dia ela sumiu.
Começaram as indagações. As respostas surgindo desencontradas, porém um dia chegou uma triste notícia: mataram a pedinte, aquela que passava cantando e sorrindo! Como? Esse mundo está mesmo perdido. Como é que isso aconteceu? Quem faria mal aquela criatura?
Quem ouviu a história foi passando à frente. E como quem conta um conto aumenta um ponto, chegou aos nossos ouvidos a seguinte narração:
Ela vendera seu barraco e comprara um outro numa favela lá pras bandas de Toritama. Pagara uma parte e a outra pagaria após trinta dias. Numa noite, invadiram seu barraco e a espancaram muito. Queriam o dinheiro que ela guardara em casa.
E acrescentaram dizendo:
Bateram tanto na coitada, pra depois matá-la a paulada...¨
Ficamos assombrados com tanta malvadeza. Mundo cão, esse! As opiniões surgiram. Os detetives experientes não ficaram atrás.
- Acredito qui foi genti daqui mermo. A vizinha da casa amarela deu a sua experiente resposta.
- Eu acho qui foi o próprio pessoá da casa qui ela comprou. Num apariceu um causo paricido e a pulícia discubriu qui foi desse mesmo jeitu. Acrescentou dona Mimosa, a vó de dona Filomena.
Dona Filomena também deu seu palpite: Acho que foi algum vizinho que ela chegou a confiar o assunto.
Seu Juarez e seu Heleno concordaram numa coisa:
- Isso foi coisa acertada em mesa de bar ou em roda de gente envolvida com droga, pois a coitada foi comprar seu barraco numa favela, e só tem gente ruim nesses lugares.
- Êpa, lá seu! Heleno! Que negócio é esse que em favela só tem gente que não presta? Assim o senhor está colocando tudo no mesmo saco de farinha. E não é bem assim. Falou Garibalde, moço pobre, mas distinto.
Depois de tudo esclarecido, é que foi feita uma avaliação do que foi dito com tanta precipitação e insensatez. Favela também é lugar de gente descente. Todos concordaram.
Confesso que passei dias lembrando da pedinte. Meu coração sofria, e os olhos davam sinal de querer chorar.
Os meses passaram, de repente ouço uma voz conhecida. Era ela? Não pode ser. Maria estava mortinha da silva!
Corro para o portão. Lá vem ela, mais magra, mais pequenina... Um sacolão às costas. Cabelos curtos e caracolados, pele alva. Um grande sorriso nos olhos e nos lábios. Cantava como cantava! Passou por mim olhando-me nos olhos. Dei-lhe um sorrisão em troca. Como eu estava feliz! Maria estava de volta! Mataram Maria, mas resolveram ressuscitá-la!