Pai, ainda há lugar no seu coração?
Essa história é uma história triste, mas também nos ensina muitas coisas.
Está escurecendo. Caio está sentado no chão do terraço, empurra um carro pra lá e pra cá, mas seu pensamento está longe. Ele está resmungando alguma coisa:
- Meus pais estão muito ocupados, diz com tristeza. Todos os dias quando acordo, eles já estão no trabalho; quando chega a hora de Naninha me colocar na cama, eles ainda não têm chegado. Mas hoje vou fazer força para não dormir, preciso dizer algo pra meu papai. Sei que ele vai me ouvir, pois me ama e todo pai quer o melhor para seu filho.
As horas passaram, Caio esperou, esperou, e nada. O sono chegou. Fazer o quê? Foi para a cama com uma dor no coração: a dor da solidão.
Acordou com um cheiro na testa. Ele pensou antes de abrir os olhos: Será que é meu pai que veio me dá um cheiro antes de ir pro trabalho?
Abriu os olhos bem devagar, mas não era seu papai. Era vovô Filipe que passara para levar os netos para o zoológico.
- Acorda preguiçoso. Hoje vamos andar bastante, quero mostrar todos os animais para meus netos queridos. Afinal, hoje é o aniversário de alguém muito especial.
- Hoje é meu aniversário vovô?
-Sim, Caio, você hoje está fazendo mais um ano de vida. Precisamos comemorar de verdade.
- Queria que papai tivesse aqui para comemorar comigo...Ele já saiu?
Vovô Filipe disfarçou como pôde, mas reconhecia que seu filho não estava dando à família o tempo necessário, só pensava em ganhar dinheiro. Quando o pai o chamava para conversar a respeito ele dizia:
- Pai, tenho dado aos meus filhos do bom e do melhor. O que eles querem mais? Alguém nessa casa tem que ganhar dinheiro. Quantas crianças gostariam de ter o que Caio, Júlia e Simone têm? Eles precisam é agradecer e aproveitar o tempo da fartura.
- Meu filho, você precisa descobrir que nem tudo nessa vida pode ser comprado com dinheiro. Há coisas que não tem preço. E uma delas é o tempo que você separar para estar com seus filhos.
Mas falar com o pai de Caio era o mesmo que falar com uma parede. É que ele não dava ouvido a ninguém. Só fazia o que achava certo. Ele ainda não tinha aprendido que nem todas às vezes o nosso modo de pensar ou agir é o mais correto. Antes é preciso aprender a ouvir os outros, fazer uma reflexão, pra depois descobrir se estamos ou não com razão.
Saíram para passear. O dia fora longo e cheio de descobertas. Mas para Caio faltara algo. Tentou esconder do vovô o que sentia, mas vovô Filipe conhecia as coisas da vida, e conhecia o neto muito bem:
- Caio, você não gostou do passeio?
- Gostei vovô, mas é que eu queria que meu papai tivesse aqui comigo para comemorar o meu aniversário.
Baixando mais um pouquinho a voz, acrescentou:
- Ele nunca tem tempo pra nós.
O vovô lhe deu um abraço, e tentou diminuir o quanto pôde a dor do coração do seu netinho. Mas não podia mentir, dizendo que a noite o seu filho estaria ali para comemorar o aniversário do Caio.
O final de semana chegou.
Pela manhã logo cedo quando todos estavam à mesa, o pai de Caio lhe dá um abraço e com voz alegre lança o convite:
- Filhão, vamos comprar um presente pra você? Afinal, meu menino já está um homem, e pode escolher o que quiser.Quantos anos você completa, meu rapaz?
- Papai eu completei nove anos. Mas a data não é hoje. Meu aniversário foi na quinta-feira...
O pai disfarçou, e com um riso meio sem graça, se justificou, dizendo:
- Ah, que cabeça a minha! Tinha esquecido. Antes tarde do que nunca.
Caio agradeceu, mas disse uma verdade que o coração de seu pai precisava ouvir:
- Papai, eu não preciso de nada. O que eu quero o senhor não pode me dar.
Papai, eu queria que o senhor tivesse tempo pra brincar comigo, passear comigo, conversar comigo, dividir segredos comigo...Pai, eu queria que o senhor me colocasse no colo, me olhasse nos olhos quando eu tivesse lhe contando algo... Queria sentir seus braços fortes me erguendo pra cima, feito eu vejo o pai do meu amigo fazer com ele. Queria que o senhor tivesse pronto para ouvir minhas perguntas, dando-me as respostas que eu preciso ouvir.
O pai sem voz, olhando para o filho teve que continuar ouvindo o grito de um coração ferido:
- Pai, não me bastam presentes, roupas, calçados...Pai não me bastam ter no meu quarto tudo que o dinheiro pode comprar: celular, computador, relógios, televisor, aparelho de som...Pai eu tenho tudo, mas não tenho você! Pai, ainda há lugar no seu coração para mim?
Na sala podia se ouvir uma agulha caindo. Todos choravam. O grito do coração de Caio alcançou fronteiras nos corações. Corações que não tinham consciência de que há coisas que devem e que precisam ser feitas hoje porque se deixadas pra manhã, talvez sejam tarde demais. Os pais caíram em si.
- Filho, erramos até hoje. Pedimos perdão a vocês. Olhando nos olhos de cada, percebemos que o grito de Caio, é o mesmo de vocês duas.
Num gesto, chamou um por um e os abraçou como há muito tempo não fazia. Naquele dia Caio recebeu o maior presente de aniversário do mundo, embora com atraso de dias. Não importava. O que importava realmente é que seus pais tinham lhe dado ouvido.