GLAUCO é um adjectivo que quer dizer verde, verde marinho. Mas foi também um deus para os antigos... e um herói na guerra de Tróia. E foi um apaixonado incurável. E era adivinho também, predizia o porvir... 

Gente do mar, pescadores e marinheiros tinham muita fé em Glauco. Navegadores famosos da antiguidade foram socorridos pelo verde deus Glauco. Ainda hoje há vestígios dele no folclore de certas aldeias ribeirinhas do Mediterrâneo.

Era uma espécie de santo padroeiro de pescarias e viagens por mar. 

Vem também na nossa Epopeia Nacional, Os Lusíadas. Aparece no canto VI, convocado para uma reunião nos Paços de Neptuno. Mas, é claro que o pinga-amor do nosso Luís Vaz prefere o Glauco amoroso. Passa por alto as outras versões da mítica biografia do deus para o colocar num triângulo amoroso entre duas... mulheres.

E que mulheres!

Circe que amava Glauco e que Glauco detestava, e Cila que Glauco amava, mas que só o podia ver de longe... De perto... nem pintado.  Estes triângulos amorosos nunca dão bom resultado como se vê na versão da vida de Glauco preferida por Camões, e que em breves e simples linhas é mais ou menos assim:

Glauco era um pobre pescador que um dia foi pescar como acontece a todos os pescadores que se prezam. Naquele dia teve sorte e apanhou muito peixe. Uma canoa cheia de grandes e coloridos peixes. De volta da pesca, parou numa ilhota onde havia, mesmo à beira da água, uma relva viçosa, verde que era um consolo.  Encostou a canoa à ilhota e pôs-se a deitar na relva os lindos peixes que apanhara, possivelmente para os lavar e arranjar.

Com os peixes na relva verde, saltou da canoa e pôs-se a contemplá-los, muito orgulhoso da sua pescaria. Foi então que o milagre aconteceu. Os peixes, de mortos que estavam, começavam a agitar-se vivinhos como se nunca tivessem saído da água,  e pumba... um por um, saltavam de novo no mar e, barbatanas para que vos quero... nadavam por ali fora que nunca mais ninguém os via.

Glauco, coitado, entre perplexo e frustrado com tudo aquilo, pôs-se a examinar o local onde os peixes tinham estado, e notou, entre a relva viçosa, uma ervinha estranha. Diferente das outras, no feitio, no tamanho, na cor. Desconfiou que fosse o contacto com essa erva que tivesse ressuscitado os peixes. Não podia ser outra coisa... Nunca vira semelhante erva por ali... Arrepelou umas folhinhas, cheirou, provou... mastigou e quando deu por si estava possesso duma irresistível atracção pela água. Não era só sede e calor, e um grande desejo da frescura da água. Era uma necessidade de mergulhar de vez, de ficar sempre na água... Resistiu enquanto pôde, chegou-se, afastou-se, contorceu-se... mas finalmente não aguentou mais, e mergulhou!

Depois foi a metamorfose e a tragédia. As pernas de Glauco uniram-se em rabo de peixe e ele ficou assim meio homem, meio peixe. Ficou por ali confuso, cheio de medo, sem saber que havia de fazer. Fugia dos outros bichos do mar, escondia-se, tímido... Mas um dia acabou por ser apanhado e levado à presença de Neptuno, o Senhor dos Oceanos. Neptuno e sua consorte Tethys gostaram dele. Concederam-lhe a imortalidade e aceitaram-no na companhia dos deuses marinhos com todas as honras e privilégios.

E assim Glauco foi feliz no seu novo estado de génio das águas oceânicas e tornou-se num bondoso e prestante protector de pescadores e marinheiros. 

Andava um dia nadando pertinho da terra, para matar saudades dos velhos tempos, quando topou com Cila, a airosa e arisca Cila, a banhar-se numa enseadazinha fresca e meio oculta que o mar ali fazia. Que linda mulher! Aquilo foi vê-la e amá-la. Num momento, Glauco ficou doido por ela. Aproximou-se o mais que pôde e com as mais belas e humanas palavras de que ainda se lembrava falou-lhe. Disse-lhe coisas lindas. Falou-lhe de beleza, de amor, de juventude, mas quando se tentou aproximar mais, ela viu que Glauco era um monstro, meio homem e meio peixe. Fugiu aterrada para cima de um penedo e dali, de longe, ficou a ouvi-lo.

Apesar das muitas tentativas de Glauco, Cila nunca conseguiu vencer a repugnância que o corpo dele lhe causava. Gostava das palavras que ele lhe dizia, e amava-o por elas, mas de longe... O corpo dele, nem vê-lo... era um horror, um monstro.

Glauco, desesperado, recorreu aos serviços da grande bruxa Circe e foi o começo do fim. Circe apaixonou-se por Glauco e tentou convencê-lo a esquecer Cila e a amá-la a ela, Circe. Mas nada conseguiu. O amor de Glauco era genuíno, amor de verdade.

Então Circe, a terrível feiticeira, despeitada e furiosa, voltou as suas artes mágicas contra Cila, o verdadeiro amor de Glauco, e transformou-a num enorme rochedo que ainda hoje existe, no Mar Mediterrâneo, lá para os lados de Itália.