UM TELEMÓVEL PARA MILENA


Milena ia fazer 12 anos a nove de Abril, e o mês de Março já estava no fim. A mãe de Milena é que planeava as festas de anos de toda a família (menos dos seus, claro). O Pai fazia anos em Junho e o Filipe em Agosto — tinha muito tempo para pensar nisso. Agora Milena... faltavam só duas semanas. Era preciso planear tudo já, senão chegava-se ao dia e não havia festa, nem presente de anos, nem nada.

A festa de anos era fácil de organizar. Ou fazia-se em casa ou no salão do clube a que a família pertencia... Conforme o número de convidados. Se fossem poucos, fazia-se em casa, se fossem muitos, no clube. Preciso de combinar isso com Milena, pensou a Mãe, e à tarde, quando voltou do trabalho e Milena da escola, perguntou.
—Além dos teus primos e da Inês, quantas pessoas queres convidar para os teus anos?
—Não sei bem, a Inês, claro... e lá da escola, espere, talvez cinco... Não, seis.

A Inês era a vizinha da casa ao lado e eram muito amigas, quase como irmãs. Tinham sido criadas em casa uma da outra a bem dizer. Desde pequenina a mãe de Inês deixava-a em casa de Milena e vice-versa, quando era preciso. As duas mães, às vezes até brincavam com isso:
—Olha, porque é que a gente não as troca? Tu ficas com a minha, e eu fico com a tua. Tenho a certeza de que elas não se importavam...
—Não. Trocá-las não resolvia nada! Dava tudo no mesmo. O que dava jeito era ficarem sempre juntas, uma semana em tua casa e outra na minha...
—Não! Credo... que eu não dormia descansada sem a minha Milena em casa — e riram-se as duas mães.

É claro que Inês não podia faltar aos anos de Milena... Mas colegas da escola ela não sabia ainda. Milena e Inês tinham mudado de escola. Agora estavam na Middle School e ainda não tinham muitos amigos. Talvez quatro ou cinco.
—Amanhã eu digo, Mamãe.

Mas o mais difícil não era a festa, era os presentes. Este ano está tudo tão difícil, pensava Mãe. Não há dinheiro para nada, que tristeza. Eu nem trabalho todos os dias, o Pai esteve desempregado. Inês também andava preocupada. Na escola ela e Milena não tinham as mesmas aulas, mas sempre se encontravam no refeitório para lanchar juntas e conversar.
—Qual era o melhor presente que tu gostavas de ter para os teus anos?
—Não sei. Olha, talvez... não sei. O que eu realmente gostava já sei que não vou ter. E tu sabes também. É o telemóvel. Toda a gente tem telemóvel. Tu tens o teu e quase toda a gene tem. Tanto que eu gostava de ter um. Minha Mãe já tinha prometido pelo Natal, mas não pôde ser. Paciência! O meu pai esteve dois meses sem trabalho... Agora é a minha mãe, só tem trabalho três dias por semana. Está tanta gente desempregada...

À hora do jantar, em casa de Inês falou-se também das dificuldades da crise e de como as pessoas tinham de se ajudar umas às outras. O pai de Inês contou como, lá na sua fábrica, os trabalhadores se ajudavam uns aos outros.
—Formámos um fundo. Cada um dá o que pode... e depois ajuda-se os que ficam em casa sem trabalho — dizia ele.
Foi então que Inês teve uma ideia: organizar um fundo para os anos de Milena. É isso... vou tentar. Primeiro falou com a sua mãe, que primeiro hesitou, mas depois achou bem, se tudo fosse feito com muito cuidado.
—Olha, Inês, primeiro tens de, em segredo, perguntar às pessoas se querem participar. Claro que Milena nunca pode desconfiar. Nem os pais dela, nem o Filipe. Para eles tem de ser surpresa. Não vai ser fácil. Tens de ter muito juízo...
—Está bem, Mamãe, eu vou fazer uma lista secreta. Ninguém vai saber... Não deixo ninguém ver a lista. Cada um só sabe de si.
Ao outro dia Inês já tinha uma lista com várias pessoas e algumas já tinham dado a sua contribuição. Inês pediu à mãe para ir guardando o dinheiro.
—Tu ficas tesoureira, Mamãe.
—Está bem, Inês, mas nunca te esqueças de ir anotando, na lista, o que cada um dá.
—Eu sei Mamãe, eu sei. Não se preocupe, vou fazer tudo direitinho.
E Inês trabalhou durante aquelas duas semanas com a maior dedicação. Muita gente colaborou em segredo. Amigos das duas, tios e primos de Inês e de Milena, todos deram.
A avó de Inês ficou emocionada e deu quinze dólares, o primo dela esvaziou o mealheiro e juntou três dólares e trinta e cinco cêntimos...

No dia sete de Abril Inês tinha arrecadado 96 dólares e trinta e cinco cêntimos. Mas o telemóvel que ela queria para Milena era um, muito bonito, que custava cento mais trinta e nove dólares e noventa e nove cêntimos. Meu Deus, que faço agora. Só tenho vontade de chorar... E chorou mesmo. Na aula de matemática, as lágrimas não paravam de lhe encher os olhos. A professora, Mrs. Nunes, que era miga dela, notou e no fim da aula, pediu-lhe que ficasse porque queria falar com ela.
—Mas eu tenho outra aula agora mesmo, Mrs Nunes.
—Eu dou-te um passe, Não te preocupes. Diz-me cá, porque estavas a chorar.
Inês primeiro não quis dizer nada, mas depois Mrs. Nunes insistiu e ela contou-lhe tudo. Quanto tinha, quanto faltava... A professora ficou impressionada com a amizade das duas meninas e disse à Inês.
—No fim de dia, passa pelo meu escritório. Eu vou falar com os professores de Milena. Eles vão ajudar. Agora não te preocupes. Que aula tens a gora?
—Inglês.
—Toma um passe para a aula de Inglês e não vás para lá chorar. Tudo se arranja , vais ver.

A festa de anos foi no clube. A Mãe de Inês é que convenceu a Mãe de Milena a fazer a festa no clube:
—É mais espaçoso, deixa lá...
—Mas não é preciso. Não vai ser assim tanta gente. Somos só nós, no fim das contas...
—Ah, nunca se sabe. Às vezes aparecem surpresas...
E apareceram. Apareceram Mrs. Nunes e os outros professores de Milena, outras pessoas que tinham colaborado na compra do telemóvel, enfim, um montão de gente. A princípio a mãe de Milena ficou aflita porque ela não tinha planeado comida para toda aquela gente. Mas quando viu que as pessoas traziam travessas com comida, bolos e até bebidas ficou mais calma.
Milena, por sua vez, ao ver aquela gente toda, estava admirada, especialmente porque ninguém trazia embrulhos, não se viam presentes senão os do pai, da mãe e do Filipe...
Milena apagou as velas e abriu os presentes da família, lembrou-se do telemóvel que já sabia que não ia ter e quase começou a chorar de pena...
Foi então que todos os olhares se concentraram em Inês que se levantou para ir entregar a Milena uma caixinha branca com um lindo lacinho vermelho. E enquanto Milena, muito surpreendida desfazia o lacinho vermelho e abria a caixinha, toda a gente se pôs a bater palmas e a cantar parabéns a você.
Na caixinha estava um lindo telemóvel ainda melhor do que o da Inês. Milena ficou tão emocionada que não conseguiu agradecer. Só se abraçou a Inês, chorando de alegria.
E a festa de anos de Milena continuou até muito mais tarde.