O MENINO QUE TINHA MEDO DO ESCURO

Flávio era um menino esperto que gostava de escutar “causos” e de assistir a filmes no vídeo cassete. O detalhe negativo é que tinha preferência por aqueles que envolviam fantasmas, assombrações e lobisomem. Não adiantava a mãe proibir, aconselhar, ralhar com ele, porque não abria mão desse hábito. Apesar disso, não se revelava corajoso, porque morria de medo do escuro. Para dormir, pedia à mãe que não apagasse a luz, até que pegasse no sono. E, apesar de repetir na oportunidade que deveria desistir de ouvir as estórias e de ver tais filmes, atendia o filho enternecida e amável, como de outras vezes. Toda a noite era a mesma ladainha. E a mãe repetia a mesma repreensão, mas atendia com a mesma doçura, segurando-lhe ternamente uma de suas mãos entre as dela.

O medo começou a se transformar em pânico, e o menino, apesar de não parar de ouvir estórias tenebrosas e assistir aos filmes de suspense e horror, contra a vontade da mãe, continuou a pedir pra que ela não apagasse a luz, antes que ferrasse no sono. O pior é que, quando acordava no meio da noite, no quarto escuro, ia de olhos fechados até a porta, abri-a, seguindo tateando pelos corredores e a chamava para que lhe viesse ao socorro.

A mãe não sabia mais o que fazer para resolver aquele problema e as notas da criança só pioravam, porque seu sono era perturbado por visões de bruxas, vampiros, mulas-sem-cabeça, passando a se desinteressar pelas lições de casa e por estudar. Algumas pessoas recomendavam que fosse levado a fazer um tratamento, fizesse uma terapia, para que abandonasse o gosto pelo terror e retomasse uma vida normal.

Um belo dia, a tia da capital contou à mãe de Flávio que resolvera um problema semelhante ao de seu filho, colando no teto alguns decalques, verdadeiras alegorias fosforescentes, em forma de meia lua, sol, bichinhos que, no escuro se tornavam radiosos e bonitos, como uma linda noite de luar e que, com ele havia funcionado e não mais sentiu medo de escuridão e deu-lhe algumas dicas.

Assim foi feito. Na claridade, os contornos eram quase imperceptíveis, mas, quando a luz se apagava, um manto estelar tomava conta do espaço inteiro, parecendo um sonho de uma linda noite de verão, ou um fundo de mar sob raios de sol. Eram figurinhas luminosas, adesivas, que funcionam graças a uma substância chamada sulfeto de zinco, que tem a propriedade de emitir um brilho amarelo-esverdeado depois de expostas à luz, causando um belíssimo efeito.

A mãe, com todo carinho que lhe era próprio, deitou-se do lado do filho e explicava cada uma daquelas figuras, dando um toque a mais de sonho e fantasia. O menino admirado não parava de fitar cada uma delas, com os olhos presos no alto, sem querer descolar e soltar-se delas, como se fosse possível.

O menino ficava aflito para que a noite chegasse, para que a mãe viesse deitar-se a seu lado para fantasiar cada detalhe incrustado no teto de seu quarto, um milagre fantástico que tornava sua noite agradável e feliz.

Flávio encantava-se com cada detalhe e divagava com sua mãe em torno de cada figura e recriava aquela realidade com as cores mágicas que somente a infância é capaz de aceitar.

Numa noite, pedia a estória da estrelinha solitária, no dia seguinte queria saber a da lua que brigou com o sol, a do peixinho que queria se mudar para o mar, a do cometa que queria correr mundo, do cavalo marinho que sonhava andar de quatro, do polvo que queria tocar piano, entre outras.

Aos poucos, mesmo quando a mãe não podia, por algum motivo, se deitar ao lado dele, sozinho, apagava as luzes e tentava recordar cada estória, como se contasse carneirinhos, até adormecer.

Hoje ele é um homenzinho, dorme numa cama sem a proteção de madeira e se diz muito valente, e que o passado hoje é uma sombra que ficou para trás, bem longe da lembrança luminosa que ainda povoa a sua cabecinha nas noites em que necessita do brilho dos seus amiguinhos daquelas noites de medo e solidão.