CASAQUINHO DE INVERNO

Era uma vez um casaquinho de inverno. O casaquinho do Rui.
Era um casaquinho comprido, quentinho, forrado de lã, com botões doirados, e uma gola fofinha que podia virar capuz.
Naquele país do norte onde o Rui vivia, fazia muito frio no inverno. Caía neve e a água dos lagos congelava. Todo o mundo tinha de pôr luvas e roupa de agasalho para não ficar congelado no meio da rua.
O Rui punha sempre o seu casaquinho comprido para sair.
Levava-o ara a escola, de visita à casa dos avós, quando ia patinar nas águas geladas do lago com os pais, quando ia brincar no meio da neve com os amigos...
Eram inseparáveis o Rui e o seu casaquinho de inverno.
Tanto que o casaquinho já tomara um pouco a forma do corpo do Rui. E até quase fazia sozinho os seus gestos mais habituais. No lago, a patinar, nem o Rui sabia se era ele que abria os braços para se equilibrar, se era o casaquinho que estendia as mangas para o ajudar.
Finalmente, depois de um longo e rigoroso inverno chegou a primavera. O tempo foi ficando mais quente e o Rui foi saindo, mais e mais sem o seu casaquinho. Agora o casaquinho ficava pendurado longos dias, a tentar imaginar onde teria ido o Rui. Dantes era só de noite, enquanto o Rui dormia, que o casaquinho ficava assim preso no cabide. Ufa! Que cansaço estar assim parado o tempo todo. Que tédio e que tristeza sentia o pobre casaquinho.
Um dia não pôde aguentar mais aquela insuportável situação e resolveu queixar-se ao Rui.
Foi de noite. Quando o Rui estava a dormir. Talvez a sonhar. O casaquinho mexeu-se para um lado e para o outro e deixou-se escorregar do cabido. Caído no chão, fez um grande esforço para se lembrar como se sentia no corpo do Rui e conseguiu endireitar-se.
Aproximou-se da cama, quase flutuando, e queixou-se.

—Não podias levar-me uma vez por outra? Só para matar saudades?
—Mamãe não deixa. Agora todo o mundo anda de roupinha leve. É o tempo quente...
—Oh, que pena o tempo quente! E vai durar muito?
—Até que vote o inverno com o tempo frio e a neve.
—E para onde foi o inverno?
—Mamãe diz que foi para o sul... eu não entendo bem... Acho que volta quando for Natal outra vez.
     —Ai, eu acho que não sou capaz de esperar tanto— disse o casaquinho abanando as mangas num gesto de desespero que aprendera com o Rui —olha, tens de me ajudar senão eu morro de tristeza, abandonado naquele cabide!
—Como? Como é que eu te posso ajudar?
—Olha, eu já sei ficar em pé sozinho, vês? Sei mexer com as mangas também, os gestos que aprendi contigo. Só não posso andar porque não tenho pernas...Se tivesse, até podia sair de noite um bocadinho... Depois sentia-me melhor e esperava que voltasse o inverno.
—Tenho uma ideia— disse o Rui sentando-se na cama —vou arranjar-te umas pernas.
—Como?
—Já vais ver!
Levantou-se e foi à despensa, voltando com uma vassoura na mão.
—Não se pode andar só com uma perna— disse o casaquinho.
—Tem outra na garagem. Espera que eu já volto.
Depois de algum tempo e muito trabalho, com o Rui a ajustar vassoura, ora dum lado ora do outro, o casaquinho ensaiou os seus primeiros passos, toc... toc... toc, no piso do quarto do Rui.
—Outra vez, vá!
—Toc... toc... toc... toc...
—Desta vez foi melhor. Outra vez...

E foi assim que o Rui ajudou o seu casaquinho de inverno a esperar pelo regresso do frio e da neve que só voltaram muito mais tarde.
Ainda hoje, naquele pais do norte onde morava o Rui se contam histórias de casacos estranhos a caminhar sozinhos nas noites de verão, mas acho que nunca ninguém viu nada.