Desenrolar de um dia enrolado-capitulo 5

Pude sentir toda excitação emanando do corpo dele

- Nunca pensei...

- Que poderia existir esse paraíso tão perto do inferno que é o nosso colégio – completei sorrindo – gosto de vir aqui para pensar.

Andei, e me sentei ao lado da fonte. Não há palavras que descrevessem aquele lugar. Conversamos por horas e até esquecemos que o mundo lá fora existia, apenas lembranças vagamente familiares. Era como se eu pudesse sempre confiar nele e sempre esteve comigo.

- Mas ele não é assim tão mal como todos pensam – Bernardo disse sem graça.

- Ele quem? – perguntei sem entender

- Meu pai.

- Ah... – não sabia o que falar. Não queria magoá-lo, mas aquele homem já havia sido tão injusto comigo! – acho melhor mudarmos de assunto.

Mas ele não tinha me dado ouvidos.

- As vezes ele só quer que você seja melhor, sei lá.

- os outros professores também querem que eu seja melhor e não são como ele! Ele me odeia e faz tudo para que eu me dê mal!

- Não é isso, cada um tem seu jeito, e ele não te odeia. Sei disso porque sou filho dele.

- Ok, cada um com sua opinião, agora vamos mudar de assunto, por favor?

Lançou seu olhar para mim e ficou me olhando por algum tempo. Fiquei sem graça e desviei meu olhar do dele. Fui em direção a fonte, sentei-me no andaime e comecei a brincar com a água .

Havia ainda um pequeno chuvisco que não molhava direito e o céu continuava nublado, sem o mínimo sinal do Sol.

Bernardo continuava me olhando e de repente começou a falar:

- Sabe – ele falou com ar de quem iria concluir algo surpreendente.

Olhei para ele esperando o resto da frase, mas ele se calou.

- O que foi?

- Não... nada não.

- Ah... agora você termina.

- É que, eu estava pensando como aconteceram tantas coisas hoje, e tipo, o dia ainda esta na metade.

- É... eu que o diga – concordei. A minha vontade era continuar, falando: “ Realmente, e a melhor delas foi ter encontrado você, gatinho” mas me contive.

No instante seguinte ele solta:

- E a melhor das coisas que aconteceram foi ter conhecido você! – e sorriu, com aquele sorriso de garoto tímido que conquistaria ate uma freira. Andou em minha direção, sentou ao meu lado e já se aproximava sua boca da minha quando...

“ If I could fall, into the sky, do you think time would pass me by.”

Eu realmente não estava afim de atender minha mãe.

“ Cause you know I’d walk a thousand miles…”

Ele fechou os olhos forte, como se estivesse se lamentando muito.

- Acho que você deveria atender.

- Oi mãe...

- MINHA FILHA!!! VOCÊ PERDEU O JUIZO?! ACASO VOCE QUER ME MATAR DO CORAÇÃO? COMO VOCÊ SOME ASSIM? E EU PENSANDO QUE VOCÊ TINHA SIDO SEQUESTRADA!!! A DIRETORA ME LIGA E ME PERGUNTA SE ESTAVA TUDO BEM COM MINHA FILHA, E EU NÃO FAZIA IDÉIA DE ONDE ELA ESTAVA!!!

- Calma mãe, eu posso te explicar...

- VOCÊ NÃO TEM IDÉIA DO QUANTO EU SOFRI, MINHA ÚNICA FILHA!

Resolvi fazer o mais sensato na hora, desliguei o celular.

- Nossa, quanto desespero! – disse recuperando meus tímpanos – é... para o colégio eu não vou voltar, então eu acho melhor ir para casa. A gente se vê por aí, certo?

- De modo algum, eu te levarei até em casa.

- Eu moro longe.

- Não faz mal, do jeito que você está com azar, vai acabar caindo em algum buraco, é bom ter alguém por perto para te tirar de lá.

Fingi estar ofendida:

- Ora, eu sei me defender!

- Sei... anda, vamos logo.

Saímos daquele lugar maravilhoso com relutância e fomos andando ao ponto de ônibus. Nosso ônibus demorou séculos para passa, quando veio, estava lotado. Então tentamos nos espremer entre braços fedorentos e objetos não-identificados. Para quebrar o silêncio ( que fique claro que silêncio é uma palavra empregada de modo errado, pois poderia fazer de tudo naquele ônibus na hora, menos silêncio) eu falei:

- E você? Mora perto do colégio?

- Para falar a verdade eu moro até bem perto e você. – ele disse com ar entediado. Talvez estivesse apenas tentando não respirar muito e acabar inalando o fedor de podridão vinda do homem ao seu lado. De repente me veio um flash e me visualizei me escondendo atrás de umas prateleiras quando vi o professor de biologia comprando pão na padaria perto da minha casa.

E então um solavanco e me vejo espremida entra um barrigudo e a bundinha linda do Bernardo. E foi aí que eu escutei os últimos suspiros de vida no ônibus. As pessoas começaram a se lamentarem e ainda mais quando o motorista confirmou que o ônibus havia enguiçado.

- Aff! – reclamei entediada

- Falei... você é uma garota de muita sorte - ele falou ironicamente.

Dei de ombros. O motorista surgiu e pediu para que os passageiros saíssem do automóvel enquanto ele e o trocador tentariam arrumar. Esperamos alguns longos quinze minutos para ver se o concerto progredia ou se outro ônibus passava, como não aconteceu nenhum dos dois e eu estava faminta, resolvi ir a pé.

- A pé?!

- É, estou com fome e esse bairro é pertinho lá de casa. Por que? Tem medo de andar alguns quarteirões?

- Não... é só que... ah, deixa pra lá! – ele parecia confuso

- É só que o quê?