O Desenrolar de um dia enrolado-capítulo3

“Cheirosinha agora?”

Ele falou com naturalidade, como se me conhecesse há muito tempo e como se ele tivesse ficado me cheirando... Bem que não seria mal,mas não era o caso.Não sabia o que respondia.Ainda estava com vergonha por ter falado mal do pai dele,mas era minha opinião (e de mais 99,9% do colégio).

Fingi que não era comigo e continuei andando.

Ele me seguiu.

-Acho que você me deve algo.

Eu virei e o encarei com ar interrogativo.

-Olha só,é só o q pens...

-Meu dedo.

-Que?

Meu dedo-ele levanta a mão direita- tá inchado.

Eu abri a boca e fechei novamente como uma retardada, ele deve ta me achando uma idiota,pois riu de mim.

-Aaaah! Seu dedo- me aproximei e peguei sua mão,e olhei seriamente do dedo para seus olhos verdes- é.Acho que não há mais solução.Teremos que amputá-lo.

Ele riu até chorar.

-Eu sei que não é nada comparado ao que te aconteceu hoje, mas ta doendo, pô!

De repente meu rosto começou a queimar e eu apertei a mão dele.

-Nossa!Eu sou mesmo uma idiota, te contar tudo aquilo e...

-Ai!Meu dedo, você ta apertando ele!

Dei meu melhor sorriso e...

-Vem, vamos colocar gelo nisso.

Fomos andando pelo colégio para irmos a enfermaria. Continuei segurando o dedo inchado dele. De vez enquanto ele gemia,eu perguntava “o que foi?” e ele com cara de vítima:”nada não,vamos indo”.Chegamos a enfermaria,estava vazia.Entramos.

-Senta ali- disse apontando a cadeira.

-O que você vai fazer?

-Cuidar do seu dedo, uai... Você não ta reclamando tanto?!

Ele não respondeu. Fui até o congelador, peguei alguns cubos de gelo e coloquei em um saco plástico, amarrei. Entreguei a ele.

-Que eu faço com isso?

-Como “o que eu faço com isso”?Coloca no seu dedo, oras!

-Ah... - disse ele com um ar esperto- mas como eu coloco tipo, em qual área?Coloca para mim!

Aí ele já estava me zuando,ele podia ser o cara mias perfeito,uma mistura de Bruno Gagliasso,Orlando Bloom com charme do Justin,mas ficar me tirando não dava também.Ele percebeu meu olhar de “você ta muito idiota com essa tentativa de mascada” e colocou o gelo no dedo inchado.

Abri o armarinho para pegar uma faixa e um esparadrapo para enfaixar aquela bola de dedo na mão do garoto.

-A propósito – ele disse- nem curiosidade para saber meu nome você teve, não é?

-Poxa, você falou como seu pai agora, Bernardo!

Ele ficou surpreso, deu uma risadinha e disse:

-Ele não é tão mau assim, Rafaela.

Como ele sabia meu nome eu não tinha noção, mas também não perguntei apenas falei:”Achei” quando vi a faixa e, do lado o esparadrapo.

-Pra quê isso?

-Para enfaixar seu dedo, vai doer menos se paralisar.

-Que coisa gay...

-Pára de se queixar e deixa eu tentar “reparar” meu estrago.

Ele fez uma cara de quem estava fazendo doce.

Sentei-me na cadeira do lado dele.

-Deixe-me ver o seu dedo. Ah, já está um pouco melhor, mas deve ter quebrado.

Comecei a enfaixar o dedo anelar da mão direita dele. Era grande. Percebi que ele me olhava enquanto eu passava cuidadosamente a faixa pelo dedo. Não encarei os olhos dele pela certeza de que se olhasse ficaria constrangida.

De súbito deu algo em mim, uma sensação estranha,levantei minha cabeça bruscamente o surpreendendo.De repente, não mais que de repente ele saiu de maneira indescritível,mas saiu e não pude evitar. Espirrei bem na cara dele!Tudo ficou em câmera lenta e parecia que eu podia ver cada gotícula indo direto para a cara dele.

Alguém!Pelo Amor de Deus!Alguém me arranja um saco para poder me esconder!Ele simplesmente limpou o rosto e disse:

-Aqui ta mesmo fazendo frio!

Sorriu para mim e se levantou.

-Seu dedo!Não acabei de fazer o curativo!

-Esquece isso – e rasgou o esparadrapo- estou com fome, vamos comer algo.

-Me desculpa, mas nem todo mundo é a toa que nem você, eu tenho aula, sabia?

-Claro!Aula de filosofia com um professor que joga xadrez durante a aula é mesmo muito importante para a sua vida.

Fiz cara de indignada e falei:

-É importante sim!Ta?!

-Não estou duvidando...mas saiba que o professor "Malmir" ficará sabendo dos “elogios” que sua querida aluna anda soltando sobre ele para qualquer estranho.- ele me lançou um olhar que juro que não sei com não pulei no pescoço dele.

Mas não iria ficar para traz, usando meu olhar sedutor, falei:

-Acaso está me chantageando,Sr. Bernardo?

-É. - se aproximou de mim de modo que nossas cabeças estavam centímetros de distância (o que eu acho difícil já que ele tinha só 20 centímetros a mais que eu – Estou.

Sorri.

-Então terá que fazer melhor que isso.

Eu podia sentir ele próximo,nossa!Meu coração aqui ta disparado,será que ele consegue ouvir?Eu podia sentir a respiração dele em mim,o hálito muito próximo,minhas mãos começaram a suar e minha perna começou a tremer, mas era apenas o celular vibrando e tocando aquela musiquinha “a thousand Miles”.Tinha que ser,né?!Peguei aquele aparelhinho no bolso e no visor estava escrito “Eduardo” .Olhei do visor para o Bernardo que me olhou apreensivo.

-Ah Rafa,você que sabe- ele disse como se tivesse lido meus pensamentos.

-O que foi?...Não,não tem nada o que explicar não,eu vi...conversar o que?temos mais nada não!...haha,idiota,lógico que acabou né?!...Cê tem lepra?!Já falei que não tem o que explicar...some Eduardo!

Desliguei na cara dele.Que cara-de-pau!Ainda me pergunta se acabou mesmo! Quem ele tava pensando que eu era,uma idiota como as outras?

Por um momento toda aquela cena passou de novo na minha cabeça.Eu saindo do ônibus,ele agarrando uma garota loira,eu cuspindo no olho direito dele.Poxa,que falta de respeito e consideração comigo...tinha me enganado muito com ele.

Nesse momento meus olhos se encheram d’água e ,sem perceber estava chorando.Bernardo,que agora estava mais longe de mim se aproximou e me abraçou.Ficamos por um tempo assim.

-Calma tem cara idiota mesmo, ele não te merece- ele sussurrava no meu ouvido, até que ele, assim mesmo,abraçados como estávamos ,resolveu virar o rosto na direção do meu.Se aproximou muito de mim.Foi aí que o Sinal para o terceiro horário tocou.E onde a gente estava?Bem debaixo do sinal que tinha um barulho muito alto e estridente. Assustei-me e dei um salto para trás. Ele deu uma risadinha e disse:

-Zuou, né?!-baixinho, mas eu ouvi.

Pegou minha mão, me puxou e falou:

-Vem, estou com fome.

-Uai, compra algo na cantina e come. Agora eu tenho aula.

-Ah..não vai não!

-Não?!Por quê?

-Como você acha que eu vou conseguir comer com o dedo machucado?

-Mas você come com a boca- brinquei.

-Nem vem, você vai ter que vir para me dar comida já que causou um estrago com meu dedo.-me lançou aquele olhar irresistível.

Mas se ele achava que seria fácil assim, muito se enganava. Joguei na mesmo moeda:

-É mesmo?! Me obriga!- e olhei intensamente nos olhos dele, e quando ele não disse nada me virei e fui embora para minha aula de matemática.