O Desenrolar de um dia enrolado-capítulo1

Abri os olhos assustada. Na verdade abri o olho. Acho que nunca tinha reparado como abria meus olhos pela manhã, mas esta manhã abri o esquerdo primeiro e reparei... estranho!Estranhei o despertador não ter tocado mas resolvi olhar o relógio.Foi aí que senti meus dois olhos se arregalando.Estava 20 minutos atrasada.Levantei-me e, mais uma esquisitice:pé esquerdo primeiro a pisar no chão...ah...bobagem Faela, pensei.Enquanto vestia o uniforme e escovava os dentes correndo estava tentando lembrar porquê o despertador não havia tocado.Não tive tempo para chegar a uma resposta ; tinha que pegar o ônibus para ver se não chegava tão atrasada e aquela emburrada da professora de Artes me deixava entrar.Sorte que o ponto ficava logo no quarteirão de baixo.Bastou eu colocar o pé para fora do prédio e o ônibus passar.E o pior:ninguém naquele ponto de ônibus lotado parou aquele 2109 que ia em direção ao meu colégio.Tive que esperar o outro ônibus, que só passaria dali a vinte minutos.

Paciência.

Depois desse tempo que para mim pareceu uma eternidade passou o ônibus. Subi já irritada e irritei-me ainda mais depois que constatei que não havia lugares para sentar.Fiquei no cantinho em pé me segurando para não cair de sono nem por causa das curvas que o motorista fazia sem o menor cuidado.Estava até me animando quando lembrei que na correria não tinha separado os cadernos para a aula do dia e apavorei-me ao lembrar que o professor de Biologia iria avaliar em quatro pontos o maldito caderno e, adivinhe só?!No dia anterior não houve aula de biologia.

Ai meu Jesus Cristinho! Tá tudo ficando escuro, pâni, vou ter um enfarte. Aquele gordo velho me odeia! Só porque eu converso toda aula e fecho suas provas. Não posso deixar de sorrir. Não é tão mau assim. Pedirei para meu maninho levar. Como ele me ama, fará isso feliz da vida!

Nossa Senhora! Agora eu tenho certeza. Meu coração parou. Foi muito boa a minha vida. Sentirei falta da minha cama, do meu cachorrinho, mas agora estou indo... direto para o inferno!!!

Mas se eu for para o inferno não vou me arrepender nenhum pouco do que farei em seguida.

É ele. Só pode ser ele; aquele idiota.

Assim que desço do ônibus me deparo com um casal se esfregando na frente do ponto. A princípio eu nau o reconheci, mas quando ele passou a mão pelo cabelo não tive dúvidas. Fiquei parada e boquiaberta. Não sei quanto tempo durou até ele reparar que aquele diabo loiro do lado dele estava abafando risadinhas e olhando na minha direção.

Ele arregalou os olhos e...

“Rafa, eu...eu...”

“Rafa não! Para você é Sra. Estranha.”

Cheguei bem perto do casal e cuspi. Isso. Cuspi bem nos olhos dele, no direito para ser exata. Não sei como, pois ele só tem 1,80 de altura e eu mal passo de 1,60.

Saí de lá indignada, mas ainda ouvi um “Rafa...” fraco.

Idiota, canalha, estúpido!

Não sabia o que fazer...tipo, a gente namorava há 4 meses! E ele me apronta uma dessas?Aquele cara de anjinho me enganou! CACHORRO!Comecei a ouvir sua voz “Rafa!...”. Não queria relembrar aquilo, mas ele realmente estava atrás de mim: “Deixa eu explicar.”. Mas eu não queria explicação.

Comecei a chorar. Uma chuva forte começou a cair... com tanta pressa acabei tropeçando e caindo em uma poça de lama! Meus jeans, novinhos, sujaram de marrom! Eduardo estava atrás de mim e me levantou. Dei um salto de suas mãos e nisso chegaram dois caras estranhos, altos, e me pediram dinheiro. Desesperei! Como assim?! Aquilo era um assalto? O palerma continuou ali, olhando com cara de pavor na minha frente.

Pô! Ele tinha 1,80, podia muito bem bater naqueles caras para eu fugir. Se ele apanhasse seria merecido também! Mas o pamonha continuava me olhando com cara de apavorado.

“O que?”, perguntei por impulso.

“É isso mesmo baixinha: passa o que você tem e você também aí ô grandão”, um dos caras falou, me mostrando um canivete.

Eu poderia muito bem correr, mas com a sorte que estava era capaz de ser alcançada. Coloquei a mão no bolso... um real.

“O outro bolso.”, falou o outro cara.

Coloquei a mão que tocou algo que eu simplesmente não fazia idéia que havia. Lembrei-me de súbito que era uma pedrinha que um amigo me dera um dia. Ele a havia achado no chão e falou que parecia preciosa, então me deu. Tirei a pedrinha brilhante do bolso e dei pra o cara que me perguntou o que era. “É uma amostra de Azefita, uma pedra muito valiosa por parecer diamante. Tem excelentes aplicações químicas e...”

“E aplicações financeiras?”

“Quase tão valorizada quanto o diamante.”

“Hum...ok!”

“Ah...vou indo, tô atrasada para a escola...”

O primeiro cara começou a rir. “E você pretende entrar em algum lugar assim?! Conta outra!”

Já era demais: zoada por um ladrãozinho de 6° que realmente acreditava que existia uma pedra preciosa chamada “Azefita”! Virei- me e saí andando rápido. Cheguei à escola e me lembrei do sonso do Eduardo. Ah... ele se vira!Continuava chovendo e eu estava ensopada! Entrei no colégio e dei de cara com o professor rabugento de Biologia saindo da sala dos professores. Verifiquei meu relógio. Estava trinta minutos atrasada. O que ele estava fazendo ali? Ele me encarou e perguntou com um ar de reprovação: “Chegando a esta hora, mocinha? E ainda desse jeito? Acho que uma advertência e o caderninho de exercícios especiais vai fazer você pensar mais vezes antes de matar aulas.

Ah...era o que me faltava. Bastava tudo aquilo, aquele velho ainda pegando no meu pé.

“Venha até aqui, para eu te dar o que você merece.” Entrou na extensa sala bem iluminada. Fui atrás, revoltada. Poxa, aquele cara não tinha coração?! Eu ali, toda ensopada, pingando água e lama, com os olhos vermelhos de choro e o rosto pálido de susto e ele pensando em advertência?! Qual era o problema dele? EU? Tudo bem, mas se minha existência incomodava tanto assim, ele poderia pelo menos me ignorar ao invés de pegar tanto no meu pé.