A Lição do Rouxinol
Pedro era um garoto inteligente e muito observador. Gostava de nas horas vagas sair pelo mato à procura de novidades. Tudo lhe chamava a atenção: uma borboleta, uma lagarta, um calango, um gafanhoto, um pássaro, uma formiga, uma rã, um sapo... Qualquer coisa que se mexesse lhe causava admiração e principalmente curiosidade. Mas ele não saia à procura desses animais e insetos com a intenção de matá-los ou maltratá-los, o que ele realmente queria era conhecê-los.
Era um menino tímido, de pouca conversa, tinha poucos amigos e algo lhe impedia de ser realmente feliz, segundo a visão que ele tinha da felicidade; ele era diferente, ou seja, nasceu com uma perna mais fraca do que a outra, e por causa disso não podia correr, pular, e fazer tantas outras coisas que as outras crianças faziam, e a maioria dos meninos não o queriam participando das brincadeiras. Diziam que ele contribuía para que eles já entrassem perdendo, ou com menos chance de ganhar. Isso machucava seu coração e para disfarçar dizia que preferia não estar onde os colegas estavam. E foi na busca de outras coisas para se divertir que encontrou um mundão cheio de alegria, cor, cântico e muito amor. Ele acreditava que não poderia ser feliz por ser rejeitado pela sua deficiência, porém recebeu lições de quem menos imaginava. Mas essa parte da história deverá ser contada mais à frente, porque é preciso conhecer o mundo de Pedro, como era sua família, do que ele gostava para que todos possam compreendê-lo, amá-lo e no final de tudo, guardar uma lição, que é chamada a Lição do amor. Essa lição nos adverte que amar ou deixar de amar as pessoas pelo que elas apresentam ser ou ter é a maior demonstração de que o nosso coração não tem compromisso com o próximo, que o nosso coração não conhece o verdadeiro amor e que por isso, devemos evitar fazer uma escolha precipitada, rejeitando ou aceitando as pessoas que estão à nossa volta.
A mãe de Pedro já o tinha advertido que a melhor maneira de vencer algo que o incomodasse era enfrentando-o de frente, pois fugindo, dizia ela, ninguém resolve nada, pelo contrário o problema tornar-se maior. Mas sua mãe já não estava ali para ajudá-lo nas suas inquietações e temores. Sua mãe o deixara.
Num dia quando voltava da escola, descobriu que ela havia partido. Deixara um bilhete para o esposo onde dizia que tinha cansado daquela vidinha e que iria para um lugar onde seria feliz. Disse ainda que ele não a procurasse, pois sua decisão estava tomada e não haveria volta. E no mesmo papel, acrescentou umas palavras que para Pedro não explicavam nada e nem aliviava a dor da separação. Ele se sentia abandonado pela própria mãe! As suas palavras foram essas:
_ Filho, mamãe ama você, mas não estou feliz e por isso tenho que partir. Tenho que deixá-lo com papai, pois pra onde vou você não ficará bem, achei que seria melhor você ficar e continuar sua vida onde sempre viveu. Não fique triste comigo. Vai ser melhor assim. Quando puder, mandarei notícia. Adeus.
Tristeza, raiva, dor, decepção, medo se mesclavam. Pedro não sabia o que sentia, mas tudo estava dentro do seu coração como um mar revolto a rugir. Como se um animal ferido estivesse debatendo-se nas profundezas. Era assim que ele estava.
Maior foi a dor que sentiu quando olhou para seu pai que ao voltar do trabalho, esperava ser recebido por sua esposa. Pior era o que estava por vir, pois pesava sobre seus ombros a responsabilidade de mostrar aquele bilhete terrível. Pôde contemplar em proporção que seu pai lia a transformação naquele rosto amado. Seu pai nunca disse uma palavra a respeito, fechou-se na sua dor, dia e noite vivia para o filho.
Pedrito, nome carinhoso pelo qual o pai o chamava, procurou compensar a dor que seu pai estava vivenciando não revelando o quanto se sentia só. Quando sentia desejo de chorar, o fazia escondido. Durante a noite percebia que seu pai muitas vezes ficava na varanda, curvado como se tivesse um peso muito grande sobre as costas. E por muitas vezes na noite entrava no quarto do filho e o acariciava, dizendo: Filho, papai nunca vai te abandonar. Certa vez, ele achou que o filho estava dormindo um sono pesado, no que disfarçou bem, e pôde assim perceber que seu pai chorava. Os vizinhos tentavam ajudar da maneira que sabiam. Uns mandavam uma torta salgada, outros mandavam umas frutas ou verduras, todos de alguma forma queriam transmitir o seu gesto de solidariedade. Outros chegavam a aconselhar seu pai a procurar outra mulher para ficar no lugar da esposa que se fora, mas aquele pai, dizia que não era tempo, e assim se passaram anos e ele nunca tomou esse conselho, pelo contrário, decidiu ficar só. Não sei se foi por ainda amar a esposa ou por medo de entregar o coração e sofrer outra decepção. Ou talvez por temer que a nova esposa chegasse a causar mais sofrimento ao seu filho. Só sei que aquele pai recolhido na sua dor, envelheceu prematuramente e o homem de outrora desapareceu pra nunca mais voltar.
Pedro nas suas andanças encontrou muitos animais e insetos, e sempre na sua curiosidade procurava descobrir como eles viviam. Quem era o pai, quem era a mãe, quem era o filho, quem era amigo de quem, e daí ele pôde fazer grandes amizades, pois os animais se afastam dos seres humanos e chegam até evitá-los por medo de serem molestados, mas quando percebem que não correm perigo, se tornam grandes companheiros, e até transmitem grandes lições.
Foi assim que tudo começou: Um dia, logo cedo Pedro saiu para caminhar um pouco. Estava muito triste porque no dia anterior um colega lhe tinha chamado de aleijado. Quando Pedro tentou se aproximar do grupo que discutia quem seria o que numa partida de futebol no campo ali perto de sua casa, um menino viu quando ele se aproximou e foi logo dizendo que ali não haveria lugar para um aleijado, que se ele quisesse poderia apenas olhar e pronto. Olhando atentamente para os demais meninos, Pedro percebeu que todos concordavam ou não abriam a boca para lhe defender, e isso foi como se alguém tivesse lhe dado uma bofetada. Sentiu um gosto amargo na boca e saiu dali para chorar suas mágoas num lugar bem distante daqueles olhares zombeteiros, onde não havia misericórdia.
Quando estava num lugar bem escondido, se jogou entre as ramas de uma planta rasteira e ali se pôs a chorar e perguntar a Deus o porquê Dele tê-lo deixado vir ao mundo daquele jeito? E ainda acrescentou dizendo:
_ Se Deus fosse bom, como meu pai diz que é não me teria deixado nascer diferente dos meus amigos. Eles não me querem ao seu lado!_ Continuou soluçando.
Foi justamente nesse dia que Pedro percebeu um cântico todo especial. Logo acima da sua cabeça estava um rouxinol cantando a plenos pulmões, e em sua candura expressava tudo que estava no seu coraçãozinho de passarinho. Ele estava feliz.
Não sei se você já viu um rouxinol. Ele é um pássaro pequeno, sua cor é marrom, tem um bico muito fininho, e um cântico lindíssimo. Pedro gostava de pássaro e aquele cântico bem acima da sua cabeça lhe fez por um momento esquecer sua dor e tentar descobrir quem era aquela ave que pulava tanto. Parecia estar com pressa. E logo foi descoberto o segredo daquele pula-pula. É que Pedro estava bem juntinho do ninho do rouxinol, e ele pensou com certeza que Pedro iria fazer mal aos seus filhotes. Olhando melhor, percebeu que ali no ninho havia três filhotes, com os bicos escancarados a espera da comidinha que ainda não chegara. Pedro, consciente de que precisava se afastar ficou a uma distância onde poderia ver o que acontecia sem que o pássaro se sentisse incomodado. E assim pôde presenciar uma cena tão enternecedora que lhe fez deixar de lado suas queixas e curtir um momento tão especial.
Mas não ficou só nisso, Pedro ganhou a confiança daqueles pais tão cuidados. Todo o dia Pedro ia observar o ninho, e ali nasceu uma forte amizade entre um menino solitário com três filhotes e um casal de pássaros. Os filhotes que já estavam saindo do ninho vinham comer bem perto do lugar onde ele deitava para conversar com seus novos amigos. E foi assim que descobriu que um dos filhotes tinha um pé tortinho, igual a ele. Chegou a pensar consigo mesmo: Todos os pássaros têm razão para cantar, menos esse. Pois como ele nasceu desse jeito os outros pássaros irão rejeitá-lo. Como vai ser triste a vida desse rouxinolzinho! O que Pedro não sabia iria aprender a partir desse dia.
Todos os dias ele ia visitá-los e percebia que estavam mais inquietos para alçar vôo. Mas ainda era cedo. Precisavam ficar mais forte.
Chegou o verão... As cigarras cantavam, os pássaros faziam aquela algazarra, as borboletas tremulando entre as flores. Os filhotes também percebiam que era hora de partir e estavam prontos para esse momento. Pedro quando se aproximava, percebeu que por pouco não perdeu o momento do primeiro vôo para longe do ninho. Primeiro eles pularam para um galho mais perto, depois para outro mais distante, abriam as asas e fizeram muito barulho, e os pais sempre os chamando para irem um pouco mais para longe. E os filhotes pelo chamado ,reconheceram que era hora de ir. Foi lindo de se ver. Eles partiram. Mas no final da tarde, quando Pedro foi novamente verificar percebeu que eles estavam de volta. Esses pássaros eram sabidos, sabiam que ali não faltaria alimento, não precisavam ir para longe.
O tempo foi passando, os animais voltaram a se acasalar e novas famílias iam se formando, porém Pedro não esquecia o rouxinol que tinha um pé torto. Chegou a acreditar que ele teria morrido ou quem sabe de tanta vergonha saiu por esse verdão a fora fugindo dos outros pássaros, assim igualzinho como ele fazia.
Num domingo, o pai acordou cedo e assim que tomaram café foram até a beira do rio visitar um velho amigo da família. Era o seu Lourival. Um velho que nem ele sabia quantos anos carregava nas costas. Vivia só, numa casinha de taipa, vivendo da pesca e da caça, mas só por necessidade, nada de matar pelo prazer de matar. No seu quintal podia-se encontrar de tudo: desde erva para curar doenças ou para fazer aquele chazinho gostoso, como animais que precisavam de ajuda. Era ali que um animal ferido ou velho encontrava refúgio certo. Para casa do velho Lourival também iam todas as pessoas que valorizavam uma boa conversa, gostava de receber bons conselhos e aprender com os que sabem e podem ensinar alguma coisa boa. Era ali que seu pai ficava horas e horas e ao sair voltava como que renovado. Era que seu Lourival sabia ouvir a voz do coração.
Nesse dia, como tantas outras vezes quando ali chegaram foram recebidos com um sorriso e um abraço. Logo seu Lourival entregou para o seu José, uma caneca cheia de um chá fumegante e cheiroso, e para Pedro um suco de tamarindo, fruta da qual Pedro gostava muito. E seu Lourival sabia disso. Seu Lourival também percebia que Pedro não era totalmente feliz, e na medida do possível tentava chegar ao coração daquele menino tão calado e que por muitas vezes o encontrou com o semblante decaído por causa das mágoas causadas por seus coleguinhas. Assim que Pedro tomou o suco, ofereceu a ele uma bacia cheia de milho para alimentar a sua criação que já esperava ansiosa pela primeira refeição do dia. E Pedro que amava os animais, não se fez de rogado saiu alegre, embora com um andar rasteiro se sentindo um grande fazendeiro. O pai de Pedro olhava para o filho, e agradecido trocou um olhar com o velho e disse:
_ Obrigado seu Lourival por esse gesto. Meu filho, o senhor sabe precisa de muito amor. Já basta o que ele já passou, embora tente disfarçar, eu sei que ele sente a falta da mãe, sofre com a rejeição dos colegas, e percebe que eu também sofro. Mas é um bom menino e sei que Deus vai continuar nos ajudando e um dia tudo isso vai passar. Meu filho, seu Lourival, vai vencer porque eu farei o que estiver ao meu alcance para que ele consiga realizar seus sonhos.
Seu Lourival emocionado respondeu: _ Você é um ótimo pai, José. Não se sinta inferior ou culpado de nada. Pedro tem um pai que é doador. Um pai que sabe abraçar, mas também sabe disciplinar. Você é um pai que ama, mas também reconhece as falhas do filho e o ensina no caminho que deve andar. Além disso, mesmo sem uma esposa exemplar você tem sido exemplo para ele. E isso não tem tesouro nesse mundo que possa comprar o que Pedro tem de graça: Amor, bom exemplo e disciplina. O menino irá longe, se continuar seguindo esse lema.
- É seu Lourival, agradeço a Deus por ter tido pais que me ensinaram a ser o que sou hoje e espero que em meu filho eu tenha conseguido passar os bons exemplos que presenciei não só com palavras, mas principalmente pelo viver dos meus pais.
Prosseguiu com voz embargada:_Meu pai me ensinou a nunca mentir, nunca ir de encontro aos meus valores, a não deixar de acreditar nos meus sonhos, a não desprezar as coisas que realmente tem valor nessa vida.
Seu Lourival balançava a cabeça, concordando com as palavras daquele pai que se preocupava com a formação do filho.
E o pai de Pedro acrescentou:_As coisas que têm realmente valor na vida são: família, amigos, trabalho digno, ética, coração compassivo e sensível a dor do próximo. Aprendi que essas coisas devem fazer parte da vida de cada um.
Seu Lourival continua escutando aquele pai tão amoroso.
_ Meu pai nunca deixou de dizer que se eu procedesse dessa maneira, jamais aconteceria de vir a deitar a cabeça no travesseiro sem antes ter enxugado uma lágrima, sem ter feito um coração sorrir; Nunca alguém ao encontrar com você, dirá: desprezo essa criatura. Porque por onde você trilhar vai ter o cuidado de deixar a sua marca de amor. Essas palavras têm ficado gravadas no meu coração, seu Lourival.
_ E é isso que venho tentando fazer até hoje, embora às vezes dê até vontade de desistir, porque nem todos os homens pensam da mesma maneira. No final, muitas pessoas visam tirar proveito de tudo. É sempre esse o lema dos egoístas: primeiro eu, segundo eu, terceiro eu...
Aquele desabafo fez seu Lourival ficar pensativo por alguns momentos pra depois sair com uma das suas pérolas: _ José, o sol não deixa de brilhar mesmo quando o dia está nublado ou quando a chuva está a cair; assim deve ser o agir do ser humano que tem compromisso com Deus. Nunca deixe que sua luz apague mesmo que todos a sua volta já tenham deixado de brilhar.
O pai de Pedro inclinou a cabeça concordando com tudo que o ancião dizia. Nesse momento Pedro regressa, com o rosto corado e os olhos brilhando, extravasando por todos os poros a satisfação de ter uma tarefa cumprida e foi logo exclamando:_Pai, seu Lourival tem um filhote de veado com a pata quebrada e uma capivara que está toda mordida._ Virando-se para seu Lourival disse: O que aconteceu, seu Lourival, com esses animais?
_Calma, meu filho! Disse, dando risada ao perceber tanta excitação na voz do garoto._ Primeiro vamos almoçar e durante o almoço lhes contarei o que aconteceu. Pai e filhos levantaram-se e foram se lavar, enquanto seu Lourival ia tirando a grande panela de barro que estava no fogo, exalando um cheiro tentador. Seu Lourival costumava fazer um pirão de caça que era uma delícia.
_ E a receita seu Lourival? _perguntava alguém com a barriga já reforçada. Seu Lourival ria e respondia:
_ Uma boa caça, umas ervas pra realçar o sabor, e muito amor em tudo que você for fazer. Esse é o segredo da boa comida.
_ Homem sábio, esse seu Lourival! Respondiam os convidados.
Durante a refeição, começou a contar a história dos animais que foram vistos por Pedro e o menino ficou de boca aberta ao ouvir cada palavra que saia da boca do velho Lourival. É que ele tinha o dom de criar um clima pra tudo que dizia. Os ouvintes pareciam sentir até o vento soprar e as gotas da chuva batendo no rosto conforme as palavras eram proferidas.
E nesse momento ele contava que encontrou a capivara toda machucada, caída debaixo da jaqueira a espera da morte, mas ele a trouxe para casa deu-lhe um caldinho e quando viu ela já estava mais forte e pôde ficar de pé. Um animal não deve ser maltratado, viu Pedro?Nunca se esqueça disso.
_ Sim, seu Lourival. Eu não maltrato os animais. Mas quem a maltratou?
_ Acho que foi onça, mas a coitada da capivara conseguiu escapar.
_E o veadinho? Por que ele quebrou a pata?
_Ah, Pedro, a história do veadinho é mais triste ainda. Os caçadores mataram sua mamãe, e ele por ser muito indefeso ao tentar fugir assustado, caiu dum lugar muito alto e quebrou a patinha. Encontrei-o enquanto caminhava às margens do rio, mais acima da Grande Pedra. Você já foi até lá?
_Não, seu Lourival, meu pai não deixa. Diz que é perigoso.
_É verdade, eu não deixo que Pedro vá até a Pedra Grande porque lá quase não há trilha e o caminho é muito íngreme. Além disso, é comum haver caçadores por lá. E quando começam a disparar não se preocupam onde as balas vão alcançar.
_ Sim, todo cuidado é pouco, mas você pode ir com ele José. Tenho certeza de que Pedro vai gostar do passeio e você terá muito que mostrar pra ele.
Seu Lourival continuou suas histórias de antigamente e as horas foram passando sem que todos dessem conta. Todos ali têm convicção de que estão aproveitando o tempo com sabedoria. O final da tarde chega e com ela o momento de partir. Seu José agradece pela acolhida e seu Lourival retribui com um convite de que as portas sempre estarão abertas para os que suportam ouvir um velho gagá. Aproximou-se de Pedro e disse:
_ Esqueci de lhe dizer que há um ninho bem perto da minha janela e fiquei surpreso quando percebi de que há dois seres cuidando de uma numerosa família.
Pedro surpreso perguntou: _Quem são, seu Lourival esses pássaros que resolveram fazer o ninho tão pertinho da sua casa?
- É um casal de rouxinol!Os olhos de Pedro brilharam. Pensou ele, será que são meus amiguinhos?
Seu Lourival rindo disse: _Venham ver. Quando lá chegaram qual não foi a surpresa de Pedro, o pai era o rouxinol que tinha um pezinho torto.
Sem vacilar, ele disse:_ Pensei que você tinha morrido ou que ninguém ia querer saber de você por causa do seu defeito!
Pai e o velho trocaram olhares. Pela frase que dissera, perceberam o quanto ele acreditava que nunca poderia ser amado porque tinha um pé que não era perfeito.
Seu Lourival aproveitou o momento para convidá-lo a vir quantas vezes quisesse para acompanhar o desenvolvimento dos filhotes e trocar conversa com os pais rouxinóis. E acrescentou:
_Pedro, você percebe o quanto seu amigo está feliz? Ele está feliz e é feliz porque há um Deus que cuida dele e de todos os outros pássaros. Ele sabe que sem a proteção e os cuidados de Deus não estaria aqui, portanto observe essa família e depois me diga o que você aprendeu.
Pedro compreendeu o que seu Lourival queria dizer, e a partir daquele dia passou a ir à beira do rio visitar a família do rouxinol. E todos os dias era a mesma coisa: cuidado, proteção, amor e muito cântico.
Quando chegou a hora das aves saírem do ninho, novamente Pedro pôde presenciar a cena do primeiro vôo. Havia receio, mas também confiança, pois quem os chamava sabia que eles estavam prontos para voar.
Seu Lourival observava tudo e percebia que Pedro aprendia uma grande lição. Mas esperou o momento certo para ouvir da própria boca do garoto aquilo que precisava ser dito.
Naquela manhã, após a partida dos filhotes, Pedro saiu pensativo e depois de muito tempo, chegou-se até onde seu Lourival estava e perguntou:
_Seu Lourival, nesses dias que fiquei observando aquele ninho e tudo que acontecia ao redor, percebi coisas que nunca tinha passado pela minha cabeça.
_ O que, por exemplo? Perguntou o velho amigo.
_Percebi que o rouxinol pai, não deixou de arrumar uma companheira que o amou de verdade. Também percebi que o rouxinol pai cantava com a mesma alegria que a mãe cantava. Só que a mãe tinha os dois pés perfeitos, mas o rouxinol pai, não tinha. E eu pensei que ele, o rouxinol pai não tinha motivo para cantar.
Sem fôlego, continuou._Mas estava enganado. Todos que estão vivos devem cantar pelo simples fato de estar vivo. Percebi que todos se amavam, cuidavam um do outro e trocavam carinho com o bico. Nenhum desprezava o outro.
Seu Lourival pegou o menino pela mão e foram até o lugar onde estavam os animais que ele cuidava. E apontando um deles, disse:
Pedro, não importa como esses animais nasceram. Se perfeitos ou com algum defeito. Todos são felizes e gostam de viver porque viver é bom. Só no meio dos seres humanos encontramos pessoas que desprezam os outros pelo simples prazer de desprezar.
_Meu filho, a vida é linda! Aprenda com seu amigo rouxinol, que não deixou que um defeito no pezinho destruísse a vida que Deus lhe deu. Você, já sofreu muito por acreditar que esse pé diferente que você tem seria o motivo que lhe impedia de ser realmente feliz. Mas o problema não está no seu pé, mas no que está na sua cabeça.
Continuou dizendo: _Pedro, no dia que você descobrir que tem valor e que vale a pena viver com alegria... Quando esse dia chegar, nunca mais um olhar de preconceito, um gesto por parte de quem não vale a pena perder o sono, deixará de lhe incomodar. Ai, sim, você vai olhar a vida com outros olhos, e assim como o rouxinol vai descobrir que vale a pena cantar.
Pedro, com a voz embargada, abraçando o velho, disse;_Seu Lourival, obrigado por ter me mostrado o caminho. Vou correndo dizer ao meu pai que ele agora tem um novo filho. Aprendi com o rouxinol que devo e posso cantar em todo tempo, pois há um Deus que cuida de todos nós.