Trícia (parte 10)

A tarde já estava à mostra. O salão já começava a ser enfeitado por técnicos em festas e decoradores. Trícia se mantinha o mais longe possível de toda aquela alegria que a enfurecia ao saber que ninguém se esforçava em fazer-lhe uma festa tão luxuosa. Ela já havia decidido, não sairia do quarto, não comeria do bolo e de nenhum dos quitutes restantes. Apenas ensaiaria sua coreografia, sozinha, ou como fosse... Já que o tal garoto não estaria presente.

-Doze anos de idade meu Deus! E nunca tive uma festa de aniversário descente! Qual é o problema? Será que não sou tão competente como o Fabinho para ter uma festa merecedora da primeira página do jornal da cidade? Todo o ano é a mesma coisa... “O aniversário de Fábio Antony Zoely, mais conhecido como Fabinho, foi um sucesso! Como todos os anos... Olha! Aqui vai uma foto do nosso anjinho!” Já estou cansada disso! Ah! E no finalzinho, quase na última parte do jornal vai uma foto minha, ao lado do bolo com a cara de tacho, olhando pro nada, porque é o que se vê quando se vive no escuro, com uma legenda em baixo: Essa é a minha de Fabinho. PS: Ela é cega!”“

Trícia senta-se na cama e continua:

-Será que quando as pessoas olham pra mim, a primeira coisa que vêem é uma garota cega e franzina?

Alguém bateu a porta. Rapidamente Trícia limpou as lágrimas indagando:

-Quem é?

-Sou eu! Sua tia Louíse!

Trícia virou os olhos, e indagou novamente:

-O que a senhora quer?

-Será que eu posso entrar? –Quis saber a mulher já abrindo a porta.

-Entra.

A tia sentou-se ao lado de Trícia na cama e começou:

-Sabe meu anjo... É que... Como hoje é aniversário do seu irmão e... Você sabe que seu tio é o apresentador do programa mais famoso da televisão... Então eu estava pensando... Quer dizer, convocamos toda imprensa... E...

-Fale logo, tia Louise!

-Ta bem. Queremos que você se mantenha bem longe de todas as câmeras!

-Como é que é?! –Indagou-a absurda com tudo aquilo.

-É para o seu próprio bem...

-Próprio bem... Tia? Como assim?

-É que assim... Você não se envergonha!...

-Como foi que disse?! Envergonhar-me? Envergonhar-me de que?

-É que você...

-Eu sou o que tia? Sou o que?

-Cega! –Soltou a tia que já estava com a aquela palavra engasgada em sua garganta.

Trícia ficou em silêncio por algum tempo, sem saber o que falar as lágrimas começaram a correr sem controle por seu rosto e a tia exclamava tentando ser mansa:

-Não é que nós estamos-te... Simplesmente queremos que nossa honra seja bem representada... Não estamos...

-Não estão que tia? Não estão o que? Você, e todos dessa droga de família que infelizmente eu tenho! São os seres mais preconceituosos que eu conheço!

-Não é preconceito Trícia!

-É preconceito sim! É preconceito! É ignorância! É falta de respeito! É preconceito sim!

-Trícia não fale comigo desse jeito!

-Eu falo com você do jeito que eu achar melhor! Se você não me respeita, eu não vou respeitar também. Tia... Saí do meu quarto!

-Como é que é?

-Saí do meu quarto, tia! Eu disse saí do meu quarto! Saí! Eu te odeio e odeio todos vocês bando de preconceituosos! Não precisa me pedir pra que eu não apareça diante de droga de câmera nenhuma... Eu não vou destruir sua imagem! Eu não vou acabar com a droga da sua reputação, nem com a honra da família! Eu não vou pôr o pé naquele salão! Eu não vou ouvir uma palavra do que você disser! Não aceitar uma misera repreensão, ou qualquer um daqueles presentes inúteis que você me dê! Não vou cumprimentar com um simples abraço que você me pedir! Pra mim... Você está morta e enterrada! Sua preconceituosa, cheia de si! Fora daqui! Fora do meu quarto!

A tia chorando saiu correndo do quarto e deu de topa com senhor Gold que vinha passando:

-O que houve senhora?

A mulher apenas olhou-o chorando e prosseguiu correndo para sala, e de lá para rua onde sumiu correndo sem nada dizer.

(continua)

Meli Francis
Enviado por Meli Francis em 18/12/2008
Código do texto: T1341505
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