A Professora que deixou um rastro de amor
Desde pequena todos percebiam que ela nasceu para ser professora. Assim que aprendeu as primeiras letras, Cristina começou a dar aula para suas bonecas. Quando as colegas vinham à sua casa ou ela ia à casa das colegas, havia uma brincadeira que era sempre a preferida. Brincavam de dar aula. E sempre Cristina pedia:
- Vamos brincar de dar aula? Eu serei a professora.
As coleguinhas concordavam, pois ela era uma criança muito doce e sabia conquistar todos à sua volta.
Concluiu os estudos com louvor. Formou-se em Pedagogia sem surpresa para ninguém e mesmo na época do Magistério já se dedicava em dar aula. Pra ela não era um trabalho, era mais do que isso, ensinar era um ato de amor. Era sua missão.
Cristina dedicou-se de tal maneira, que os anos foram passando que se esqueceu de ter uma vida à parte do ambiente escolar. Sabia o nome de cada aluno, se interessava por eles, queria saber o que pensavam, com o que sonhavam, quais dificuldades passavam... Mesmo quando mudavam de classe, quando os encontrava no corredor ou em outro lugar qualquer, sempre tinha uma palavra para cada um. É que ela nãos os esquecia. Sempre podiam ouvir de sua boca:
- Como posso lhe ajudar? Estou aqui, viu? Conte comigo.
Sempre havia um sorriso, uma voz suave, um olhar atento. Cristina não os perdia de vista.
Seus alunos retribuíam esse amor. Não a deixavam de fora dos seus momentos especiais. Era uma festa de aniversário, uma formatura, a primeira comunhão, um batizado, um casamento... Mas também ela era presença certa quando o momento era de dor: um aluno que passara por uma cirurgia, um aluno que sofria com a separação dos pais, ou quando perdia um ente querido. A tia Cristina estava lá.
Por onde passava deixava um rastro de amor. A diretora a tinha como funcionária exemplar e dedicada. Os colegas de trabalho a amavam porque ela sempre procurava estar bem com todos. Os pais viam nela uma filha que se preocupava em honrá-los e cuidar deles até o fim, lhes oferecendo o melhor para que tivessem uma velhice sossegada. Podiam contar com ela, pois havia no coração dessa tia, irmã, cunhada... Um lugar para todos.
Adoeceu. Procurou o médico e recebeu um diagnóstico que era a própria sentença de morte: Câncer em estado avançado. O choque foi grande, mas Cristina, apesar dos médicos dizerem que não havia muitas chances, agarrou as que lhe restavam e foi à luta.
Ela dizia:
´- Tenho meus pequenos para ensinar. Não posso perder a fé. Já ouvi alguém dizer que pensamento positivo ajuda e no que depender de mim vou me esforçar até o fim.
Depois com voz triste, acrescentava: -Meus pais não irão suportar passar por mais um golpe tão duro como esse.
E levantando os olhos para os céus, pedia: - Meu Deus, ajudai-me a vencer para que eu possa estar com meus pais! O natural é um filho enterrar os pais e não o contrário. Eles já perderem um filho, e foi triste vê-los passar por essa dor. Dê-me mais uns anos de vida!
Quinze anos se passaram. Cada ano passado, cada etapa vencida era uma pequena vitória que a fazia avançar. Quando encontrava pessoas que sabiam de sua história e quando lhe perguntavam como estava, ela respondia:
-Estou vivendo um dia de cada vez. Estou avançando.
Fez todos os tratamentos possíveis. Os cabelos caíram, ficou magérrima, envelheceu do dia para noite... Mas nos seus olhos havia um brilho que impressionava a todos. Quando chorou, o fez no silêncio do quarto.
Quando as crises passavam, ela voltava à sala de aula. Ali se transformava num ser que estava ali não para dominar, para oprimir, ou para manipular; pelo contrário, tinha convicção de que estava ali para mostrar o caminho, pegar pela mão, trazer luz aos infantes... Sentia-se realizada. Esquecia a estrada espinhosa que estava trilhando, estrada essa que lhe trazia momentos de dor, de pesadelos, insônia, ânsia de vômito, inapetência, envelhecimento precoce, perturbação intestinal.
Chegou o dia que não pôde continuar lutando, pois a doença havia vencido suas forças. Telefonou para a tia de um ex-aluno, e disse com voz embargada:
-Melina, o Câncer voltou. E agora não posso lutar mais, pois já se espalhou por todo meu corpo. Já está na minha garganta e no meu cérebro.
Melina ouviu em silêncio. Cristina ainda lhe fez um pedido. Queria que Melina trouxesse seu ex-aluno, pois ela queria dar-lhe um último abraço. Queria se despedir, pois sabia que essa seria a última vez que o veria.
A tia do menino foi visitá-la. Decidiu ver primeiro qual seria o quadro que a esperava para preparar seu sobrinho que por sinal, amava demais a Tia Cris. Ao chegar à casa da professora foi recebida por sua mãe, uma velhinha amável, mas que demonstrava no semblante toda dor que sentia. Melina foi conduzida até a sala e ali foi
ao encontro da professora que sentada lhe aguardava. Trocaram um olhar silencioso. Toda dor era transmitida sem que houvesse necessidade de palavras.
A professora Cristina convidou Milena para irem até o quarto e ali lhe foi contado com detalhes o que estava para acontecer. É que a professora tinha apenas uns poucos dias de vida. E acrescentou com muita dificuldade:
- Milena, eu não quero morrer! Quem vai cuidar dos meus pais? Como eles vão suportar? E o que vai acontecer com meus alunos?
Entre lágrimas Milena a abraçou, mas não pôde lhe dizer muito. O que se diz numa hora dessas? Ali ela decidiu que não poderia trazer seu sobrinho para ver sua professora, porque ele deveria guardar a lembrança dela com saúde e não daquele jeito, ele não iria suportar. O menino já estava passando por uma psicóloga. Ela que já trabalhava em hospitais não estava aguentando, imagine uma criança que já havia enfrentado tanta turbulência na vida!
Saiu dali arrasada, prometeu trazer seu sobrinho para que sua Tia Cris pudesse beijá-lo, mas pediu a Deus perdão por saber que não iria cumprir o que havia prometido.
Dias depois, o telefone toca. Uma voz lacrimosa a chamava:
-Milena? - Era a sobrinha de Tia Cris que estava ligando para dar um aviso:
- Se quiser ver a Cris com vida venha hoje. Ela piorou, está internada no mesmo hospital e os médicos disseram que não vai chegar amanhã com vida.
Melina fez o possível para dar conta dos compromissos para aquele dia e no início da noite conseguiu chegar. Ao entrar naquele quarto, Milena percebeu que a professora Cris jazia no leito, a família ao redor. Todos choravam baixinho. Enfraquecia claramente, e os minutos que lhe restavam eram poucos.
Mas algo chamava a atenção de todos. É que a professora Cris estava dando aula! Chamava seus alunos pelo nome, dava definições de algumas palavras, explicava para algum aluno que demonstrava não está entendendo. A tia Cris estava morrendo, mas até mesmo na hora da sua morte, dava aula.!
Os médicos, as enfermeiras, os parentes e os amigos choravam. Ninguém conseguia ficar insensível aquela cena. Tia Cris estava indo... A voz sumiu, mas ela continuava mexendo os lábios. Pouco depois partiu.
No enterro, muitas pessoas. Tia Cris jazia imóvel, mas seu semblante era de paz.
A diretora do colégio chegou amparada pelas filhas, e ao se aproximar do caixão, balbuciou:
-Minha Cris... Você nos deixou! Minha menina, como vou sentir sua falta!
E uma voz vacilante disse: Vai filha, descansa... Breve mamãe vai estar junto a ti.
Tia Cris se foi porque tinha que ir. Mas nos deixou uma lição em vida e até na hora da morte. Tia Cris deixou um rastro de amor.
15/12/08