Trícia (parte 5 )

Quando chegou a sua casa, a mãe estava na cozinha conversando com duas amigas, e assim que passou por elas a mãe disse:

-Onde estava Trícia?

-É eu estive com um amigo, mamãe. Tratando de alguns assuntos...

-Sei, então de que assuntos tratavam se é que posso saber?

-Economia da água, mãe. Você sabia que as possibilidades de acabar a água estão cada vez mais certeiras, e com tanto desperdício, não demora nada, nada começar a faltar água em alguns lugares.

Todas conscientes de que isso havia mesmo sendo um problema puseram-se a discutir o assunto, e Trícia saiu de fininho.

Chegando a seu quarto, ligou o som e pôs-se a dançar, desajeitadamente, a felicidade era tanta que não pudera se conter, estava ansiosa para que o doutor fizesse contato, e para que o fim do dia chegasse logo, pois no outro dia ensaiaria novamente com o tal garoto; o das palavras bonitas, que dançava e dançava bem...

No outro dia, durante o ensaio, fizeram comentários sobre o ensaio em publico no dia anterior. Na saída, ficaram papeando no portão, até que o celular de um deles tocou,era o doutor Jobik.

-Sim, Jobik?E aí conseguiu respostas para as incógnitas da minha amiga?Sim, está certo. Iremos amanhã sem falta!-E virando-se para Trícia disse. –Ele achou respostas pra suas visões repentinas. Vamos amanhã mesmo, no consultório dele.

-Sério?!Puxa, obrigada. O que eu faria sem você...

-Ah, que é isso?!Você é expert em situações complicadas!Garanto que já enfrentou situações iper piores não?

-Ah, não, não!Quer dizer... Já sim... Mas foi há muito tempo, e eu nem gosto de lembrar... É uma lembrança muito amarga para mim...

-Alguém que te magoou?

-Não, alguém que... Ah, por favor, não vamos tocar no assunto!

-Ok... –Fez ele sentando-se no banco. -Teve uma vez que eu sofri um acidente de bicicleta, quebrei o crânio, e fiquei com seqüelas e retardos mentais. Parte do meu cérebro me obedecia, a parte que ficou consciente reconhecia que eu estava doente, e a outra me retardava. Você não sabe como é ruim, saber que você está doente, e não pode fazer nada, pra curar-se. Vai pegar uma xícara, ela caí da sua mão... Dependi da minha mãe por muitos anos, e me sentia um peso sobre ela, não conseguia andar, falava, mas não saia som... O tombo afetou meu cérebro, porém em poucos anos,quando me recuperei totalmente, voltei a ser o primeiro da sala. Antes disso, as escolas não me aceitavam... Diziam que eu não era sadio e poderia atrapalhar o aprendizado das outras crianças...

Trícia sentiu pena, mas nem um “sinto muito” pôde soltar, chorou. Ele sorriu, indagou:

-Por que está chorando? Não há motivos para isso...

-Como conseguiu... Superar, tudo isso?

-Como consegui superar todo aquele desprezo, a subestimação das pessoas?-pegou fôlego. –Com muito esforço, decidi que iria provar pra eles que eu era melhor que eles. E foi o que fiz!Olhe que não foi tão difícil... Sabe por quê? A música me ajudou. A primeira coisa que fiz quando senti que podia ficar de pé, foi apoiar-me na borda da janela, e acompanhar a composição de Mozart, que minha tia tocava no piano. Depois daí, escutando a musica senti firmeza e caminhei. Dei meus primeiros passos de novo... Foi lindo... Nunca mais me esqueci!

-Eu não sou forte como você, para encarar e superar tudo... Eu não consigo me abrir com as pessoas... Não consigo confiar nas pessoas, acho que elas sempre estão prontas pra rir de mim...

-Olhe bem, por que não conta pra sua mãe?

-Ela não daria ouvidos... Como sempre faz...

-Hei, não há pessoa no mundo que consiga sobreviver carregando tanta tristeza, você tem que saber compartilhar com alguém. Alguém que lhe seja de confiança, que te escute, mas olhe só, não adianta julgar que uma pessoa não te escuta se você nunca tem nada a dizer.

-As pessoas não me levam a sério...

-Enquanto você se mostrar frágil, incapaz e inútil aos seus próprios olhos. Nem eu vou te levar a sério. -disse ele dando um abraço em Trícia. –Quando achar uma pessoa de confiança que você precisa, é só me falar. Até amanhã.

No dia seguinte durante o ensaio, se deram conta que o dia do concurso se aproximava, e a coreografia não estava terminada, então Trícia se encarregou de apressar as coisas, programando mais horas de ensaio e mais atenção. Infelizmente um problema se aproximava... O feriado de Corpus Christi, não haveria aula, então o ensaio teria de ser adiado e deixado para o outro dia.

-O que?Deixar o ensaio para depois de amanhã, não, não podemos! –Protestou Trícia. –Vamos ensaiar lá em casa hoje, minha mãe tem uma sala de visitas que ela pouco usa. Tem barras de aquecimento lá, de trás da cortinas e o chão ajuda bastante. Não vamos deixar pra amanhã, hoje lá em casa as três, por favor!

-Ta legal. Pode ser... Até mais. - Despediu-se.

Ao chegar em casa, Trícia notou que sobre a mesa havia uma porção de pacotes com balões para festa. A mãe estava conversando com as visitas na sala, então ela se aproximou da porta e disse em voz alta:

-Mamãe, eu vou precisar dessa sala, pra ensaiar com um amigo hoje.

A mãe fez cara de quem não entendeu e concordou sem nem saber do que se tratava. Quando Trícia ia até ela para repetir a questão, o telefone tocou e ela foi atender, era doutor Jobik avisando que nessa consulta deveria vir acompanhada pela mãe, ou por algum responsável. Ela concordou, o difícil seria convencer sua mãe...

-Mãe, eu... Eu queria que você... -Ensaiava Trícia.

De repente a mãe invadiu o quarto, avisando:

-Trícia, o almoço está pronto!

-Ah, mamãe preciso falar com você... É sobre você me levar ao médico...

-Ah não Trícia de novo?!Estou ocupada, ou já se esqueceu que hoje é aniversário do Fabinho, meu amor?Estou planejando a festa dele, não posso te levar ao médico hoje, mas peça ao senhor Gold, tenho certeza que ele pode te levar. -Disse ela estalando um beijo na testa da filha e saindo.

Trícia limpou o beijo da mãe com desprezo, e foi falar com senhor Gold, e com ele meia frase adiantou, a levaria, e com prazer!

-Pelo menos um lado bom da história. -pensou Trícia.

No consultório eles encontraram-se com o garoto; o tal amigo que Trícia veio comentando de casa até lá.Quando senhor Gold bateu-lhe o olho exclamou:

-Te conheço de algum lugar...

-Deve ser de quando esbarrei no senhor no colégio um dia desses... -Sorriu o garoto. -Venha o senhor Jobik está á nossa espera.

Quando entraram o sorriso do doutor era de esperança, cumprimentou a todos, pediu que se sentassem, e começou:

-Trícia, você tem tido aquelas visões repentinas de novo?

-Sim, agora com mais freqüência e duram mais tempo.

-Sim, mas isso costuma acontecer quando?

-Não tem hora... É de uma vez, geralmente acontece quando estou em um lugar de poucas pessoas. Ou quando estou com a mente mais relaxada...

-Sim. Será que vocês podem aguardar um pouco aqui, enquanto eu levo um papo com esse senhor? Já voltamos. -disse o médico saindo juntamente com o senhor Gold, para outra sala.

Depois de um tempo, os dois voltaram com um sorriso tamanho. Doutor Jobik, pegou na mão de Trícia e disse:

-Trícia descobrimos o problema!

(continua)

Meli Francis
Enviado por Meli Francis em 09/11/2008
Reeditado em 18/12/2008
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