Trícia (parte 4)

Mais tarde, quando Trícia estava ajudando a mãe a guardar os pratos,sua mãe perguntou:

-Então filha, como foi à escola?

-Boa mãe!Eu dancei no recreio.

-No recreio?Sério?E aí foi bom?!

-Sim... Sabe mãe... Eu tenho tido algumas... Sabe, tenho visto alguns vultos ultimamente...

-Como assim Trícia?!-Quis saber a mãe.

-Assim, como se de vez enquando eu pudesse enxergar o vulto das pessoas.

-Está dizendo que consegue ver?

-Não mãe, não é isso!-Esbravejou Trícia. -Preste atenção!

E olhando para a geladeira, ela viu o vulto e disse:

-Aconteceu de novo mãe!Eu vi o vulto da geladeira!Mas foi apenas de relance, agora já não vejo mais nada, deveria me levar no médico não acha?

-Você acha que é preciso, filha?Quer dizer, você quer ir mesmo?

-Quero né. Preciso saber por que ando tendo isso. -Declarou Trícia.

-Ok, filha amanhã depois da aula te levo, ao médico.

-Espere mãe... Posso levar alguém?

A mãe sorriu, e afirmou que sim com a cabeça.

No dia seguinte, durante o ensaio, tudo estava em seus eixos, poucos erros, grandes acertos, passos novos pegos rapidamente. E Trícia descobrira,que a próxima artimanha que usariam, poderia ser dançarem de patins.

-Como é que é?Tu quer que eu coloque patins e saio dançando black?Ta maluco?!

-É isso aí. Por que não se acha capaz?

-Claro que me acho. Dá isso aqui. -Disse ela pegando os patins.

-Com um pouco de ensaio você vai ver que não é muito difícil!-Exclamou ele ajudando-a.

E de fato, não foi mesmo, em poucos minutos e depois de três tombos Trícia firmou-se, pelo menos já se equilibrava bem. Agora era só aprender a dançar black.

-Relaxa os braços, isso. Deixe que eu os controle, assim fica mais fácil de você conseguir pegar a coreografia. -disse ele.

Não demorou muito e ela já fazia meia coreografia, e incrementava passos, já que a dança estava no seu sangue.

Quando o relógio apitou meio dia e meia, eles tiveram que dar adeus aos patins e os dois conduziram-se até o portão de saída.

-Hei, minha mãe me vai levar ao médico hoje, e eu pedi pra ela deixar você ir conosco, então, você quer ir?

-Puxa claro!Que horas vocês vão?

-Às duas e quinze. Passa lá em casa.

-Ta legal. Então tchau. -Despediu-se ele dando um abraço nela.

Assim que ele se afastou ela suspirou, dizendo:

-Ele me abraçou!Que cheirinho bom...

Mas logo que ela chegou a casa, uma notícia a abalou:

-Trícia querida!Não vou poder te levar ao médico, estou ocupada com o aniversário de Fabinho, e preciso ir a cidade fazer umas compras, que tal deixar pra amanhã?

-O que?Mas não dá. Talvez amanhã seja tarde demais, e eu perca totalmente minha visão.

A mãe se aproximou, tocou seu rosto dizendo:

-Trícia do que está falando meu anjo?Você já nasceu cega, e não vai deixar de ser só por causa de ir ou deixar de ir ao médico.

-Mas a senhora não entende?!Convidei uma pessoa pra ir comigo!Como falo a ela que não vou mais?!

-Se for por isso, ligo pra sua coleguinha e digo que eu não consegui marcar médico pra você hoje, ta?Agora deixe a mamãe falar com Paula, ela está ajudando no aniversário do seu irmão, não é um máximo?

A mãe deixou a sala de estar e foi para a cozinha,Trícia correu para o quarto chorando e lá se trancou até que a campainha tocou,eram duas e dez, então ela escutou quando o mordomo pediu que ele esperasse na sala que iria chamá-la. Mas nem precisou Trícia já estava vindo com os olhos voltados para o chão e os cabelos esvoaçados. A primeira pergunta que ouviu foi:

-O que houve?

Mas não respondeu com palavras, apenas escutou-se um chorinho, e ele correu pra abraçá-la, indagando:

-O que houve?Brigou com sua mãe?Por que não está pronta?

-Minha mãe... Não vai me levar... Ela disse que é melhor deixar pra outro dia... Ela prefere cuidar do aniversário do Fabio, a me levar em um exame!...

-Acalme-se, você vai fazer esse exame, vai sim. E vai fazer hoje, certo?

-Como?Quem vai me levar?

-Eu tenho um colega que é médico especializado nisso. Ele pode nos ajudar, vamos até ele. Vamos, vai se arrumar que eu te espero,vamos a um médico hoje sim senhorita!E pare de chorar hein?

Trícia sorriu, correu pro quarto, na confusão trombou com a porta, mas nem ligou... Minutos depois já estavam na rua, preferiam ir caminhando a pegar um táxi, e aproveitar para conversar sem a presença de um adulto enxerido e que não acredita na possibilidade de curas e milagres.

Quando entraram no consultório, Trícia viu o vulto de duas moças na bancada, mas ainda não estava segura de soltar-se e andar livremente por aquele lugar desconhecido, pois ela não sabia quando tempo duraria sua curta visão.

O doutor Werjer Jobik foi quem os atendeu, um homem muito simpático por sinal, cumprimentou-os de muito bom humor, ouviu-os bem, e logo depois disse a Trícia:

-Acredita em milagres, Trícia?

-Eu... Não sei...

-Você sabe o que um rico disse a um pobre?

Ela fez sinal que não

-Certa vez, quando cruzou dois seres de classes diferentes o pobre disse ao rico: ”Você tem sorte, tem carro, por que anda a pé?”, ele respondeu: ”Porque não tenho mais condições de guiar um veículo, minhas mãos se atrofiaram de tanto contar dinheiro!”, nada comovido continuou: ”Tem dinheiro pode pagar um cirurgião”, ele respondeu: ”Ele já fez estragos demais em meu rosto! Não preciso ficar pior”, mas ainda sim o pobre disse: ”Bendito é você que vê o mundo com outros olhos!”, mas o rico pensou profundamente em uma resposta e disse: “Bendito é você pode ver o mundo com dois olhos, pois os meus foram-me arrancados quando tentaram-me roubar pela sétima vez...”.Dizendo isso ele desapareceu.Era um anjo,e o homem pobre caiu de joelhos agradecendo a vida que tinha.Moral da história,não adianta nos queixarmos e amaldiçoarmos nossa situação,basta olhar para os lados e verá que há problemas por todos os lados,e quem você pensa ser perfeito,pode ter problemas mais graves que você!

-Então o senhor acha que eu não estou com problemas?!

-Não, não é essa a questão. Apenas digo-lhe que às vezes devemos deixar as coisas como são. Mas no seu caso, vamos fazer uns exames, porque se você anda tendo crises de visões repentinas, pode ser que sua cegueira seja parcial.

-E esses exames demoram?-A indagou.

-Que nada. Tem um que dá pra ter o resultado hoje mesmo, quer tentar?

Ela concordou, e em vinte minutos de espera saiu o resultado:

-Esse exame comprova que você tem o QI bem avançado, pra falar a verdade, avançado até demais. É impressionante!Diga-me tira você boas no colégio?

-As melhores por quê?

-Ah, já tenho até uma idéia do que seja?

-O que?

-Não tenho certeza, mas desconfio que seja um grau de esquecimento do seu cérebro.

-Um grau de esquecimento?!-a indagou.

-Preciso fazer umas pesquisas para ter certeza, conversar com alguns outros médicos que também são especialistas nesse ramo, e entro em contato com vocês amanhã.

-Está certo Jobik. Muito obrigado pela consulta!-Agradeceu o amigo pegando a mão de Trícia.

-Foi um prazer. Voltem quando quiserem.

Trícia sorriu para o amigo, e teve em seu olhar um sinal de esperança.

(continua)

Meli Francis
Enviado por Meli Francis em 07/11/2008
Reeditado em 18/12/2008
Código do texto: T1271305
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