Trícia (parte 3)

No dia seguinte Trícia falta à aula, não tinha palavras para explicar ao garoto que ele não poderia dançar com ela.

Quando Trícia cuidava do jardim por volta das onze e meia da manhã, viu a sombra que os galhos de plantas faziam no chão, e ficou observando o pouso de um beija flor sobre a superfície plana. Notou também uma sombra que se aproximava silenciosamente.

-Hei, garota?

O susto foi grande, virou-se e já não podia ver mais nada. Era o tal garoto.

-O que está fazendo aqui?Como conseguiu o endereço da minha casa?

-Senti falta de você na escola hoje.

-Sentiu é?Mas, não deveria estar na escola?Ainda está cedo.

-Certo. Certo. Você tem mesmo noção de tempo, hein?É que minha classe foi liberada mais cedo, pela ausência por causa da doença do professor Fleuicy. Aí como percebi que você não havia ido à escola hoje, resolvi dar um pulinho aqui.

-Como conseguiu meu endereço?-Cobrou ela.

-Uh, mas você não desisti, né?Está certo, eu me lembrei que você havia dito que um tal de Senhor Gold havia ido te buscar,não foi?Então, como hoje é um dos dias de acertar a mensalidade lá do colégio, e como geralmente sempre o vi chegar para acertar a mensalidade, fiquei de olho. Esperei que ele acabasse de assinar tudo, passei por ele e esbarrei assim ele deixou cair o papel, aí eu fiz uma de bonzinho peguei, e entreguei o papel pra ele, só que li antes o endereço. E então o que achou?

-Bem estrategicamente bolado. -Disse Trícia. –E aí veio pra cá?

-É vim. E sabe fiz uns passos novos, e quero te ensinar. Assim quem sabe colocamos no concurso.

Trícia ficou muda por alguns segundos, então disse:

-Olhe não sei se é bom entrarmos nesse concurso... Eu, eu acho que vou fazer você passar vergonha, é melhor ir sozinho...

-Ah que é isso garota?Vai me dizer que vai amarelar agora?

-Acontece que, a minha mãe ela... Está contra que eu participe...

-Sua mãe já te viu dançar?Sua mãe já te viu... Dançar?!

-Na verdade viu sim. Mas ela não apóia. Ela acha tudo uma perda de tempo...

-Então prove pra ela... Prove que dançar não é perda de tempo!Pelo menos participa do concurso, independente de ganhar ou perder, ou do que os outros vão pensar. Você dança você sente e você julga.

Trícia pensou, deu um forte suspiro e disse:

-Ta legal!Eu vou.

-E é assim que se fala. Bem, agora me deixe ir, porque se minha mãe souber que saí mais cedo e não fui direto pra casa, ai tudo fica como ter céu sem uma única estrela. Até mais tarde. Tchau.

O relógio da escola, marcavam duas e meia quando Trícia chegou,aproveitando que o ginásio de esportes estava vazio, ela começou a dançar o que tinha aprendido de hip hop, então lhe deu uma vontade imensa de dançar ballet, ela continuou com a musica de hip hop, mas agora com passos de ballet. De repente ela nem percebia, mas misturava passos de todos os tipos de dança, que em conjunto formavam uma combinação interessante e de muito brilho.

Entretanto quando ela estava no auge de sua imaginação o rádio foi desligado. Por quem?Ah esperem que a pessoa mesma se apresente...

-Lembra-se de mim ceguinha?!

Era Carina, a tal garota digna de idade para um segundo colegial.

-Carina?O que quer?

-Como assim o que quero?Acertar as contas contigo, ô coisinha miúda!-respondeu.

-Essa coisinha miúda tem nome ta?-Disse alguém. –Acho melhor sumirem daqui, já chamei o diretor, Carina.

-Acho que caio nesse truquinho?!Não tenho medo do diretor. Aquele velho bocó, só sabe dar ordens e impor debates de conhecimentos pro colégio. Ele deveria mesmo era impor férias perpétuas pra gente, ou se afastar do cargo...

-Me afastar do cargo não tenho a mínima idéia se em vida farei Carina. -Disse o diretor. -Mas suas férias desejadas acontecerão, assim que seus pais vierem assinar suas ocorrências, e te tirarem dos serviços comunitários.

-Mas que serviços?

-Os que você acaba de começar. -Completou o diretor. -Kelviame, leve essa aluna, ela vai te ajudar a lavar os banheiros. E se ela se recusar, você me avisa, assim darei um jeito de dobrar as horas dela de trabalho.

Assim que se retiraram, Trícia caiu na risada, juntamente com o diretor que logo se retirou, e o garoto.

-Como sabia que deveria chamar o diretor?

-Essa garota implica com todo mundo, que se aproxima de alguém da sala dela. Ela assim mesmo...

-É e pelo jeito, ela me odeia.

-É melhor ficar esperta, ela não vai sossegar até achar seu ponto fraco e se mostrar melhor que você, ou admitir que você seja boa.

-Ela vai ser dureza.

-Se a gente ensaiar e provar pra ela que você é melhor, teremos alguma chance de nos livrarmos dela. Então o que acha, ligando o rádio e nos levantando já ajuda, não?

-Certo. Vamos lá.

O ensaio ocorreu como sempre, cheio de novos passos, novas combinações, risadas, erros e perfeições resultadas pelo esforço e dedicação. No fim do ensaio,quando Trícia estava retirando as sapatilhas,veio a pergunta:

-Assim, perguntando por perguntar, você é cega de nascença?

-Sou. Acho que é por isso que me acostumei, as pessoas dizem que se eu ficasse cega alguns anos depois, eu teria mais dificuldades em me acostumar.

-Certo. Mas nunca foi á algum médico, pra ver se há algum jeito de fazer alguma cirurgia, que fizesse você enxergar?

-Não, quer dizer, minha mãe já quis me levar, mas eu sempre disse que temos aceitar as coisas como elas são.

-Mas não acha que podemos abrir alguma exceção quando se pode fazer algo?-o indagou.

-Olha, quer saber?Eu enxergo ta?

-É?!

-É, de uns tempos pra cá, de vez em quando consigo ver alguns vultos.

-Vultos?Como assim?

-Vultos,assim como se fosse à sombra da pessoa,só que bem mais reforçada. Sabe aquele dia que você começou me ensinar a dançar hip hop?

-Sei. E o que tem ele?

-Quando entrei, eu vi um vulto, dançando. Deduzi que era você, mas estava de costas entendeu?O que me encantou foram os passos da dança, então comecei a imitar. Mas como de um segundo pro outro, ficou tudo escuro de novo, e daí eu te chamei se lembra?

-Sim, me lembro. Mas então, se você pôde ver vultos, sua perda pode ser parcial.

-Não houve perda. Nasci sem poder ver nada. Então não tinha o que perder, eu já não tinha... Quer dizer, não tenho...

-Poderia ir ao médico, sei lá, dar uma confirmada. O que acha?

-É não custa nada. Vou falar com a minha mãe. Então, quando será nosso próximo ensaio?

-Que tal amanhã, de manhã, no horário do recreio.

-Que?! Horário de recreio?!Você ficou maluco?

-Não. E olha que quando eu ficar, a idéia vai ser pior. Não precisa temer a escola. Garota apenas lembre-se, quem dança sabe, quem dança sente e quem dança julga!A gente se vê. Tchau. -disse ele dando um aperto de mão nela.

Trícia ficou ali, parada, sem dizer nada, enquanto ele se afastava a única coisa que ela conseguia pensar qual era seu nome?Não sei... Qual é a sua idade?Sei lá... O que importa é que dança,e quem dança sabe,sente e julga. Julgar como?O único julgamento que Trícia sabia era esse: Quem ama alguém, merece o céu ou o inferno?

Naquela noite Trícia evitou sua mãe o tempo todo, pois ela ouvira no rádio que quando você está idiotizado (apaixonado), as mães são as primeiras a descobrir.

Na manhã seguinte, Trícia acordou cedo, ligou o rádio e já começou a ensaiar. Quando eram sete e cinco, ela já estava na escola. A terceira aula era com a professora Jenn, e era prova de química. Mas Trícia nem havia estudado, porém a palavra prova não a assustou,quando a professora chamou-a para fazer prova oral,foi como se a matéria inteira se regressasse em sua mente. Ela sabia de tudo!Nem precisou esperar para saber seu resultado, ao sentar na cadeira, escutou:

-Trícia, dez!

Apenas deu um sorrisinho, e debruçou-se, pensando no que enfrentaria daí alguns minutos.

Na hora do recreio, Quando ela acabava de fechar seus materiais ouviu:

-Hei vamos!

Quando chegou ao pátio, Trícia travou. Soltou o medo dizendo:

-Não tenho coragem. Não posso...

-Vamos, reservei o palco pra gente!

-O palco?!Você pirou?Eu não vou...

-Então se não vai, pelo menos terá que subir no palco e fazer um discurso explicando porque vai me deixar sozinho nessa.-disse ele puxando-a.

Ao pisar no palco, ela sente um frio na barriga. Sendo conduzida ao centro do palco, temia errar a coreografia, é claro que pra ela dançar seria preferível a fazer um discurso explicativo pra escola escutar.

-Então, vai dançar ou fazer o discurso?

-E se eu...

-Fica tranqüila, a gente está apenas ensaiando. Você vai conseguir.

-Ta legal. -Concordou ela.

-Isso agora respire!É isso aí, agora podem soltar a musica. -Disse ele.

Quando a música começou, Trícia estava um pouco nervosa, por isso iniciou tudo errado, mas conseguiu consertar, ele apenas dizia:

-Garota, sinta a música ok?Esqueça as pessoas!

-Ta. -Respondia ela.

E pegando firmeza, fez seu melhor giro, e mudaram de estilo de música. Agora dançavam hip hop. E toda segura, como nunca, ela não ousou perder um movimento, dançou até o fim, e foram aplaudidos com gosto. Ao deixar o palco, Trícia tremia de felicidade, e a única coisa que pôde dizer foi:

-Quero subir no palco de novo!No concurso, eu quero fazer bonito, obrigada por estar comigo.

-Foi um prazer, garota!Agora vamos sair daqui porque está muito barulhento, que tal ir para o banco debaixo da arvore.

-Claro.

(continua)

Meli Francis
Enviado por Meli Francis em 05/11/2008
Reeditado em 18/12/2008
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