Trícia (parte 2)

Algumas semanas depois, passaram de classe em classe avisando sobre o concurso de dança que a academia de ginástica e dança Keuold estava promovendo. Trícia foi a primeira a demonstrar mais interesse, prestou atenção o tempo todo e fez questão de ficar repetindo a si mesma de cinco em cinco minutos que iria participar.

Foi na hora da saída que os problemas pintaram com decadência!Carina a tal garota digna de idade para o segundo grau, barrou Trícia com sua gangue.

-Parada ai ceguinha!Lembra do acerto de contas que eu te prometi?!Então é agora!!!

Carina puxou Trícia pelo braço e levou até o beco de divisória com a quadra, e lá começou a dizer:

-Vamos ver o que faço com você. Tem um nariz bem perfeitinho não acha?Que tal quebra-lo ceguinha?

Quando Carina preparava o soco, alguém apareceu ordenando:

-Solte-a!

Todas levaram um susto e ao escutar que o diretor estava vindo, correram deixando Trícia sem saber nem por aonde ir.

-Hei!Tem alguém aí?

Não houve resposta, mas alguém pegou sua mão e conduziu até o portão de saída, sem nada dizer. Quando ia se afastando Trícia enxergou um vulto, então correu até ele, pedindo para que esperasse, e mesmo segundos depois não enxergando mais nada, percebeu que a pessoa havia parado. Então pediu:

-Poderia me dizer se há algum carro verde prateado parado do lado esquerdo da rua?

Houve um silencio então a pessoa respondeu:

-Sim há. Tem uma pessoa perto dele acenando pra cá.

-Deve ser o Senhor Gold, obrigada pela informação. -Disse Trícia, indo ao encontro do carro.

Alguns dias depois quando Trícia preparava sua coreografia para o concurso, alguém entrou na sala de dança, e dessa vez ela não perguntou quem era, continuou dançando, mas sabia que havia alguém ali.

Havia um problema!Apenas um. Como saber se os passos que ela fazia estavam bons aos olhos de outra pessoa. Ela não tinha nenhum desequilíbrio, mas achava suas coreografias muito pacatas, como ela iria melhorar? Então resolveu pedir ajuda.

-Hei você pode me fazer um favor?

Não houve resposta.

-Ah, vai ajude-me!O que custa?Preciso que olhe minha coreografia e diga o que eu preciso melhorar, ta?

Trícia começa dançar, mas logo para, abaixa o som e exclama:

-Não gostou não foi?É... Acha que eu não sei?Preciso melhorar e ai, pode me dar uma ajuda?Vai, diz ai o que eu preciso melhorar?

-Bem, eu... Não entendo muito de dança...

-Qual é?Vai dizer que não sabe dançar?

-Acho melhor deixar esse troço pra lá. E pra que quer tanto minha opinião?

-Preciso saber o que as pessoas acham do que eu faço...

-Olha pediu opinião para a pessoa errada!Ta legal?Isso não é comigo, até mais...

-Ta legal!Se você se acha tão mal assim... -Diz Trícia começando a dançar de novo.

Quando ele chega à porta pensa, e repete com discórdia:

-Mal?Tão mal?Espere ai...

Vira-se para ela e diz:

-Hei!Você se acha tão boa assim?

-Não. Por isso pedi sua opinião. Pra ser bom é preciso acatar opinião dos outros.

Ele suspirou fundo e resolveu:

-Ta legal como é essa dança aí?

Trícia dá um sorriso de agradecimento, aumenta o som do rádio e começa a dançar.

Na hora do recreio os dois saíram conversando, sentaram-se no banco debaixo da árvore.

-Então o que achou dos meus passos?-Indagou Trícia. –Preciso melhorar não acha?

-Não... Quer dizer só em algumas partes... Você é uma boa bailarina!Mas, só dança ballet?!-Disse ele com um pouco de discórdia.

-Como assim?Por quê?Você dança o que?

-Eu?Ah, nada não esquece!Mas aí você leva essa história de dança bem á sério não?

-Ah isso é!Quando eu danço é como se eu pudesse ver o mundo como qualquer pessoa pode. Estou ensaiando por causa daquele concurso que vai ter sabe?

-Ah certo!Quando precisar de alguma opinião pode contar comigo.

-Que tal amanhã depois da aula no salão de dança da escola. É aonde eu venho ensaiar durante a tarde.

-Ta legal!Tchau. -Disse ele afastando-se.

No dia seguinte às duas da tarde, Trícia entrou no salão e escutou uma música, e a impressão de enxergar veio. Dessa vez durou quase um minuto. Ela viu um vulto dançando hip hop, aqueles passos encantaram-na. Rapidamente tentou imita-los até onde pôde enxergar conseguiu tudo com êxito. Quando já não via mais nada se pôs a chamar:

-Hei!Você ta ai né?

-Ah, você já chegou?-O fez desligando o som.

-O que estava fazendo?-Indagou Trícia.

-Ah nada, só escutando música. -Disse ele disfarçando.

-Ah sei...

-Então vamos começar?-Apressou ele.

-Vamos. Ah, você poderia me ensinar um pouco de hip hop, pois pelo que eu imagino você deve dançar muito bem.

-Ah só podia!!!Você não é cega coisa nenhuma não é?Me viu dançando quando entrou...

-Ah então era isso que você estava fazendo, quando eu entrei?

-Deixe eu cair na real você não é cega coisa nenhuma,como sabe que danço bem?

-Uh convencido!Elogios a gente, recebe dos outros, viu?

-Foi você quem disse que eu dançava bem.

-Não precisava repetir o mundo não precisa ficar sabendo!Puxa vida, que tem eu dizer que você dança bem, só porque eu nunca vi, não quer dizer que sou surda. Caramba eu posso imaginar, ou acha que sou burra?!

-Não foi isso que eu quis dizer!Olha não interessa mais, você quer aprender hip hop, eu vou te ensinar, se você aprendeu ballet, nada mais é impossível!Vamos lá. Perna esquerda na frente!Isso, agora dê um giro, mas tem que ser rápido...

Os giros de Trícia eram muito lentos, mas com ajuda ela começou a aumentar a velocidade e no primeiro dia de ensaio já tinha aprendido os passos básicos.

Na saída do salão de dança marcou o próximo ensaio:

-Amanhã depois da aula na sala de country.

-Ta legal. Tchau. -Disse ele se despedindo e saindo.

Em poucas semanas Trícia havia aprendido a maioria dos passos de hip hop e começava a inventar alguns novos. Todos foram aprovados, então lhe ocorreu a idéia:

-Hei o que acha de dançar comigo no concurso pra bolsa na academia?

-Eu?Ah não sei dançar bem ballet...

-Ballet?!Meu Deus!Já faz três semanas que eu não treino ballet!-Diz Trícia um pouco aflita. –Eu me dediquei tanto ao hip hop que esqueci do ballet...

-E olha que você dança bem os dois hein?

-Que?Você acha que eu danço bem?

-Quem disse?

-Disse sim. Disse que eu danço bem.

-Uh, e agora quem está repetindo elogios pro mundo inteiro ouvir?!

-Ah, oras seu chato!Você fez de propósito não é?

-Você é engraçada!Mas aí, sobre o concurso... Eu danço com você!Mas que tal se nós misturássemos uma série de passos de diversos estilos de musica?

-Misturássemos mais ou menos... Como assim?

-Assim, preste atenção. Começássemos lentamente, aí passaríamos para um ritmo de ballet contemporâneo ou sei lá...

Trícia achou tudo muito interessante, e surpreendeu-se, pois dessa vez quem marcou o próximo ensaio, foi ele:

-Amanhã às três da tarde na quadra de basquete. O time foi dispensado, então vai dar pra gente ensaiar lá, sem problemas... Então, até amanhã.

-Até amanhã.

Nesta tarde Trícia chegou em casa cantarolando e cumprimentando todos,foi para o quarto, pôs um CD no rádio, e foi dançar.Alguns minutos depois, a mãe entrou no quarto para avisar que o jantar estava pronto,mas, surpreendeu-se com a filha dançando e ficou apenas observando.Trícia sentiu a presença da mãe e cobrou respostas:

-O que foi mamãe?

-Está dançando tão bem... Como sabia que era eu?

-Não sei, senti que era você, só isso.

-Trícia onde aprendeu a dançar dança contemporânea?No colégio não se ensinam, ensinam?

-Aprendi com uns amigos mãe... -Disfarçou Trícia.

-Trícia não minta pra mim. Não aprendeu isso no colégio, não foi?

-Ta legal mamãe,está certo.Não aprendi isso no colégio...Aliás até que foi sim,mas durante o período da tarde eu estive ensaiando com quem entende de dança.

-Quem hein?Um professor?-Indagou a mãe sorrindo com curiosidade.

-Não mãe.

-Com algumas amigas?

Não houve respostas.

-O que Trícia?!Não me diga que foi com um menino?-Esbravejou a mãe.

Não há resposta, apenas um suspiro de Trícia.

-Trícia vai me dizer que voltou a dançar acompanhada!Não se lembra do que houve da outra vez?Já se esqueceu do Rodolfo?!

-Não mãe!Não me esqueci do que houve com ele... Já lhe disse mil vezes que não voltaria a dançar acompanhada, ta?Se for isso que quer escutar!E além do mais, isso já não interessa!-Disse Trícia.

A mãe passou a mão nos cabelos da filha e disse:

-O jantar está pronto.

-Não quero comer. Depois dessa conversa desagradável perdi a fome. -Disse ela virando-se para o rádio e voltando a dançar.

A mãe tenta mais vezes, mas ela não aceita. Assim que a mãe deixa o quarto Trícia começa a chorar, sentando-se na cama choraminga:

-Por quê?Por que logo agora que tudo está dando certo?!

(continua)

Meli Francis
Enviado por Meli Francis em 04/11/2008
Reeditado em 18/12/2008
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