Na Era dos deuses

texto extraído do livro A Era Dos Deuses, em andamento.

Capítulo XII . SHOULT

A face pálida e escamosa lembrava muito o peixe de aquário, restrito a um pequeno espaço de um mundo escasso de escolhas. A súbita transformação aconteceu em segundos, deixando-me perplexa diante dos fatos. Aquele não era o momento oportuno para surpresas, mas algo já se espreitava entre nós.

Os olhos verdes ofuscavam como duas esmeraldas em riacho profundo.Cada uma das pupilas dilatadas de incertezas. Um pedaço da adrenalina percorria febrilmente o meu corpo em fadiga. Eu não tinha mais reações, nenhum movimento sacramentava o acordo de nosso silêncio.

Shoult mantinha a posição ereta do corpo, um animal espretitando a presa. Estávamos a um palmo um do outro e não exercíamos o poder da escolha.Cada qual em seu plano interior.Tempo de criança é insubstituível na medida que fazemos dele o exercício real de todas as nossas fantasias. No entanto, o tempo presente era indiscutivelmente bizarro.

O corpo pegajoso apresentava forma e músculo sob uma espessa pele cintilante. A altura era de um homem atleta adulto ,sem sinais de sobrancelhas sob os olhos atentos.O que chamava atenção era os lábios finos, delicados e levemente róseos.

Tantos de nós tinham sido sacrificados, tantos deles dizimados. Na partilha de perdas não teríamos saldo a favor ou contra. A dor era mortal para ambos. Ergui meu braço com o último suspiro de minhas forças e ao perceber a derrota, fechei meus olhos por instantes.

Com uma mortidão involuntária cedi meu corpo para a solidez de um abraço que me conduziria para o fim.

O que senti foi um odor de jasmim suave nas brisas mantinais da Primavera e um contorno de mãos úmidas pelas minhas costas, apertando minhas costelas e contraindo meus músculos. Nenhuma defesa naquele instante poderia explicar a reação ao contato de Shoult com o meu corpo e antes que pudésse emitir qualquer palavra, os doces lábios roçaram nos meus em um súplica trégua de instantes....