O HOMEM MORCEGOMEM
O HOMEM MOCERGOMEM - Literatura de cordel
O HOMEMORCEGOMEM
Do livro de contos:
O POVAREJO, de MC GARCIA
(Recontado em cordel)
Por: Rosa Regis
Senhores eu venho aqui
Para contar uma estória
Que poderá ser chamada
De causo. Que eu, de memória,
Guardei de um conto que li,
E que, versar, decidi,
Como uma dedicatória.
Dedicatória ao autor
Do conto aqui recontado
Que foi quem deu-me a idéia.
E a ele mando um recado:
- Valeu! amigo MC!
- Eu agradeço a você
Por ter-me incentivado.
E aí vai!
Numa velha biblioteca
De mangueiras, margeada,
Que, de esperar visitantes,
Já vê-se desenganada,
Pois, por dias e mais dias,
Vários Josés e Marias
Passam de venta virada,
Passa-se a estória em curso
Que passo para os Senhores:
Uma estória de sustos,
De abstração e terrores.
Uma estória sem malícia
Que parece fictícia
Mas onde há prazer e dores.
É um espaço agradável
Onde se lê com prazer.
Arborizado, arejado,
Tenho que reconhecer!
Porém atrai, afinal,
Outra espécie de animal
Que ao homem traz desprazer.
Morcegos que, atraídos
Pelos frutos, competir,
Vem o espaço com o leitor
Que ali vem se distrair:
Memor, homem aposentado,
De meia idade, que é dado
A ler pra se divertir.
Pois ele faz da leitura
O seu prazer exclusivo.
E naquela época do ano
O espaço tem atrativo
Para os morcegos que buscam
Fugir da luz que os ofuscam
Em meio ao arquivo ativo.
Penduram-se pelos caibros
E ripas daquele teto
Que, sem luminosidade,
É o refúgio, por certo,
Que eles querem pra si
De dia. E à noite, ali,
Têm alimento por perto.
Memor, que gosta de ler
Bons livros: de Jorge Amado
E outros. De preferência
Romances. Acostumado
Que está, depois da soneca,
Da sesta, à Biblioteca
Vem, pegar livro emprestado.
Certo dia estava ele
No seu taciturno mundo
De leitura, quando sente,
Apenas por um segundo,
Um vento frio na nuca.
Isso faz que sua cuca
Pense em algo do outro mundo.
Com os nervos á flor da pele,
O coração em tumulto:
Num batuque desordenado
Ao julgar ter visto um vulto.
O corpo arrepiado
Denuncia o seu estado.
E ao além faz um insulto.
Mas, pouco tempo durou,
Nada mais que um instante,
O susto. Pois descobriu
Que fora o meliante
Que tanto o assustara
Quando ali adentrara
Em um belo vôo rasante.
Fora um morcego que, ali,
Bem à vista de Memor,
Num caibro, tal qual um pêndulo
De relógio, causa horror
A este que, a imaginar:
“Meu sangue ele vai sugar!”
Entrega-se ao terror.
E aí, antes que o bicho
O ataque novamente,
Toma a iniciativa
Agindo, assim, de repente:
Pegando o chinelo, mira
Sua cabeça e ativa.
Não acerta. Felizmente!
E o coitado do morcego
Que ali, inocentemente,
Veio só para dormir
E acordara dolente,
Mais cedo, pela mudança
Do tempo, agora alcança
Um inimigo pela frente.
O dia escurecera
Mais cedo, pois que nublado
Estava. E parecia
Que a noite havia chegado
Fazendo o “bicho” acordar
Mais cedo para voar.
Estava, pois, desgraçado!
É que o homem, assustado,
Com a zuada provocada
Pelo seu bater de asas,
Já vem de mão levantada
Num ataque enfurecido,
Pegando-o desprevenido
Com a guarda desarmada.
E uma coisa era certa!
Mesmo sem compreender
Ele sabe que: teria,
Então, que se defender
Daquele ser furioso
Que parece um cão raivoso!
Ou breve iria morrer.
Voando de um canto a outro
O mais rápido que podia
Para evitar o ataque
De Memor, que o perseguia.
E, deste, a fúria aumenta
Á medida que errava
O ataque, a fúria crescia.
E mais colérico voltava
Para tentar por um fim
À vida do indefeso
Notívago ser que, assim,
Vendo um claro no telhado,
Tenta passar, mas, coitado!
É o começo do fim.
Tentando escapar ao cerco
Que o homem lhe preparou,
Busca atingir uma brecha
Que no telhado avistou
Num vôo reto e certeiro.
Mas este é o derradeiro
Vôo que ele efetuou.
A milésimos de segundo
Para a saída atingir
Sente forte dor na asa
Esquerda e, a seguir,
O seu vôo foi tolhido
E vê-se no chão caído
Sem ter como prosseguir.
Estatelado no chão,
Numa queda fofa. Um nada!
Nas mãos do homem que acha
Que, enfim, ganhou a parada
Por ter matado o arremedo
Do bicho que lhe fez medo
Tendo a vitória alcançada.
O homem pega o morcego
Pela asa, a sacudir
Com um sorriso satisfeito
Por sua missão cumprir
E num vidro com álcool, então,
O põe para exposição
Que a estudos vai servir.
Irá, o pobre morcego
Cruelmente assassinado,
Servir de pesquisa a leigos
Com estudo programado
Que ignoram a cena
Cruel que o homem, sem pena,
Impôs ao ser estudado.
E volta o homem à leitura
Depois de recuperado
Do embate com o morcego.
Agora, lê Jorge Amado.
É um romance de amor
Que, ora, envolve Memor
Deixando-o enfeitiçado.
Ele, agora, é personagem
Em vida, ato e fato.
Sente as carícias, os beijos...
Do namoro, o aparato,
Como se estivesse sendo
Persona do que esta lendo.
Já não é mais um relato.
Totalmente absolvido
Pela leitura, ele sente
Em meio ao que o envolve,
No peito, um suor quente
E sobre a mesa inda vê
Do mesmo peito correr
Um líquido bem diferente:
Um líquido vermelho e grosso.
E ele, entorpecido
Pelo falso e o real,
Está como sem sentido
Sem saber se está sonhando
Ou acordado pensando
Em algo desconhecido.
Despertando do torpor,
Vê, em torno de si, voar
Um morcego satisfeito,
Que parece desfilar,
Com a boca ensagüentada
Satisfeita! Jubilada!
Pois pudera se vingar.
O homem buscando agir
Tenta ao morcego atacar
Mas não consegue. E ocorre
Algo que o vai aterrar:
Transforma-se num morcego!
E ao livro, num arrenego,
Ele, de tal, vai culpar.
Pensa ter virado pássaro!
E isso o deixa feliz.
Mas, no momento seguinte,
O seu destino desdiz:
Não é rato, não homem,
Maus pensares o consomem.
E a sua sorte maldiz.
A biblioteca deixa,
Flutuando pra encontrar
O amor que o romance
Que lera o fez desejar.
Sente-se livre, liberto.
Porém já não sabe ao certo
Se está voando ou a andar.
FIM
Natal/RN / Salvador/BA
Dezembro/2007 e janeiro/2008