Entrementes
Quanto mar precisará uma pomba branca sobrevoar
Antes que ela possa repousar na praia?
E quantas vezes pode um homem virar sua cabeça,
E fingir que ele simplesmente não vê.
Bob Dylan
Quem é o homem que constrói, com devoção promíscua, sua obra feita de detritos, ao lado da própria casa? Que da janela assiste o caminhão passando e não teve tempo para separar o lixo? O que a terra come do que ela vomita? Que olha com desprezo o homem sujo... Este vai de lixeira em lixeira, a sua está vazia e ele pensa, “Que cheiro desagradável”!
Quem é o homem que sutilmente brinda às ruas de sua cidade, as poucas matas que restam e os rios, com roupas e calçados. Toda uma sorte de objetos que já não lhe serve, conhecem o destino do desperdício. E, assim um vai furtando o que poderia ser útil a outro homem.
Qual homem não planta árvores, porque um vagabundo poderá querer usufruir do fruto à sombra? Derruba as poucas remanescentes no quintal, porque as folhas secas sujam o chão?
Qual homem, o filho mata animais para se distrair do tédio? A mulher não planta flores na frente da casa, porque alguém há de querer furtar-lhe a rosa? Depois, todos de roupa de domingo, estão prontos para ir à missa.
E, como vive o homem que foi alfabetizado para ler poemas? Onde está o que chorou diante de uns versos e depois fez intervalo para escutar a voz do silêncio?
E se acalmou ao escutar a própria voz, vinda do peito e espichou um olho para espiar o mundo, nas palavras de um poeta:
- Isto é um grito de dor contra a apatia...
- Este poema traz palavras que ferem como lâmina, até a pele mais distraída do sentir!
- Toda a minha ansiedade arde dentro desses versos... E como expressa esse sentimento que não sei dizer...
De longe veio uma mulher de olhos tristes, trazia uma criança pela mão. O homem a presenteou com o poema. Ela baixou os olhos para ler... E, quando ele quis sair correndo, mundo a fora, pensava acalentar a imensa agonia em seu coração. Ela ergueu o rosto e seus olhos encontram os dele... Mas só o pequenino compreendeu o subscrito da emoção...
E foi que, da palavra no papel, o encantamento trouxe notícias dos que tem ânsia de amar e ser o amado...
- Estes versos me tocaram fundo... O poeta conjugou vento com pássaro e eu vi uma estrada de beleza e afeto, se organizando em escrita de paz. E agora sei que, a flor que precisa de espinho para sobreviver, nunca quis a farpa.